MOCIDADE EM CINCO CARNAVAIS



Depois de escrever sobre as quatro escolas que são chamadas de “As quatro tradicionais” e comandaram a folia até nos anos 70 chegou a hora de falar daquelas que invadiram a festa e começaram a dominar os desfiles de lá até os dias atuais.

Começo por uma das escolas de samba mais populares do país, com sambas marcantes, queridos e uma bateria fenomenal que não existe mais quente.

Falo, evidente, da Mocidade Independente de Padre Miguel.

A escola da Zona Oeste do Rio de Janeiro é oriunda de um time de futebol. O Independente Futebol Clube cuja camisa era verde e branca em listras verticais. Depois dos jogos a galera se reunia e fazia uma batucada. Além de grandes jogadores excelentes ritmistas que cantavam “Não é marra não, nem bafo de boca. Independente chegou, deixando a moçada com água na boca”.

Começou a desfilar em 1957. Em 1958 subiu para o principal grupo do carnaval e nunca mais desceu. Teve resultados modestos sendo mais conhecida como “a bateria que tinha uma escola de samba” até alcançar o campeonato em 1979. Depois dele vieram mais quatro conquistas em 1985, 1990, 1991 e 1996.

Mocidade de Sylvio Trindade, Ivo lavadeira, Ney Vianna, Beto Corrêa, Dico da Viola, Moleque Silveira, Tiãozinho, Jorginho Medeiros, Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto, Renato Lage, Paulinho e Beth Andrade, Lucinha Nobre, Paulinho Mocidade, Wander Pires, Andrezinho. Mocidade de Roger Linhares, pessoa importante na minha vida de compositor. Mocidade da nova geração como Marquinho Marino, Diego Nicolau, Igor Leal, Fabio Fabato, do gente boa Vicente Magno.

Mocidade do imortal Mestre André, de Toco, um dos maiores compositores de nossa história, de Castor de Andrade, o temido e apaixonado banqueiro do bicho.

Mocidade de “Apoteose do samba” de 1958, “A festa do divino” de 1974, “O mundo mágico do Uirapuru” de 1975, “Mãe menininha do Gantois” de 1976, “O descobrimento do Brasil’ de 1979, “Mamãe eu quero Manaus” 1984, “Tupinicópolis” 1987, “Criador e criatura” 1996, “De corpo e alma na avenida” 1997, “Villa Lobos e a apoteose brasileira” 1999, “O grande circo místico” de 2002.

Escola que passa por momento difícil, mas é adorada, jovem, renovadora, tem uma quadra nova que é considerada uma das maiores da cidade e com certeza dará a volta por cima.

Vamos aos cinco carnavais que me moldaram como compositor e sambista.  


RAPSÓDIA DA SAUDADE 1971


Samba de Toco.

Coisa rara de ver hoje em dia, samba assinado por uma pessoa só. No carnaval de disputas de samba caras da atualidade isso é quase impossível.

Música de extrema qualidade como vimos poucas vezes atualmente. Melodia linda, letra inspirada feita pelo grande poeta da história de Padre Miguel. Maior vencedor de sambas da Mocidade Toco esteve presente em alguns dos seus maiores momentos como no samba que a escola subiu para o especial, venceu seu primeiro carnaval neste grupo e conseguiu um bicampeonato histórico na virada dos anos 80 pra 90. O poeta ainda teve oportunidade de se despedir da vida sob aplausos de seus fãs ganhando dois concursos na agremiação. 

Rapsódia da saudade é um samba que lembra obras do cancioneiro popular, mas ao contrário dos sambas atuais quando teríamos várias músicas citadas compondo uma obra de recorte e colagem Rapsódia faz uma homenagem singela, em curta letra dizendo que a música traz saudades coloridas, de trovadores e serestas e das canções sentidas.

Muito mais bonito né?

Rapsódia da saudade foi bastante regravada por artistas da MPB e era um grande orgulho do velho Toco, a quem tive a honra de conhecer.



ZIRIGUIDUM 2001, CARNAVAL NAS ESTRELAS 1985



Samba de Gibi, Tiãozinho e Arsênio.

Com esse samba, esse desfile começa minha história com o carnaval. Assistindo o RJTV em um dia qualquer do começo de 1985 vi uma matéria com Castor de Andrade em uma cartomante e a mesma dizendo que a Mocidade seria campeã do carnaval daquele ano. Na reportagem falaram que a escola não era campeã desde 1979 e fiquei com pena por achar muito tempo.

Besteira de um moleque de oito anos já que seis anos em carnaval é nada e a minha escola mesmo nunca foi campeã.

Por esse detalhe me interessei pelo carnaval de 1985 e acompanhei um pouco dos desfiles, Especialmente a Mocidade por quem resolvi torcer naquele ano. O excelente samba ficou na minha cabeça e foi o primeiro samba que aprendi na vida.

O enredo era genial, mostrava como seria o futuro fazendo uma alusão ao filme “2001 uma Odisseia no espaço”. O carnavalesco Fernando Pinto dois anos depois ousaria de novo em “Tupinicópolis” mostrando como seria nossa sociedade se Cabral não viesse para essas terras.

Mas com oito anos não queria saber muito de enredo, fantasias, alegorias, apesar de ter achado a bateria vestida de astronauta um barato eu queria saber era do samba. Pra dizer a verdade até hoje sou assim. Aquele samba me arrepiava, me conquistaria para sempre e me fez ser por alguns dias torcedor da Mocidade.

Sim, por alguns dias, até no meio da apuração que ela liderava e caminhava tranquila para o campeonato eu descobrir que tinha uma escola da Ilha do Governador quase rebaixada e “virar a casaca” perdendo assim minha única chance até hoje de ser campeão do carnaval.

Como disse esse samba faz parte da minha vida e na festa de fim de ano da União da Ilha de 2000 pra 2001 pedi ao Roger Linhares que cantasse esse samba. Ele me atendeu e foi uma das maiores emoções que tive no samba. Ouvir ziriguidum 2001 faltando dias para o ano.

No universo era carnaval.





VIRA VIROU, A MOCIDADE CHEGOU 1990
  

Samba de Toco, Jorginho Medeiros e Tiãozinho.

Não tem jeito. Apesar de não ser torcedor da Mocidade ela faz parte da minha vida e da minha criação como sambista. Esse samba é mais uma prova disso.

Em 1990 eu já entendia bem de samba. Aprendia boa parte das obras para o carnaval no disco e já era torcedor fanático da União da Ilha. A escola vinha de uma grande apresentação em 1989 e eu estava confiante no título em 90.

Na ingenuidade dos meus doze anos achava que samba-enredo era fundamental para a conquista de um campeonato (na verdade devia ser assim) e de cara me apaixonei pelo samba da Ilha. Achei por isso que o carnaval estava bem encaminhado, mas teve outro samba que me chamou a atenção.

E esse samba começava com “Ah vira virou, vira virou, a Mocidade chegou..”. Comecei a prestar atenção nesse samba no disco, nas rádios e pensei “interessante, esta aí uma ameaça”. A escola de Padre Miguel resolvera contar sua própria história e passava por mudanças interessantes que fariam toda a diferença na década de 90.

Renato Lage chegara para ser carnavalesco e colocar na escola seu estilo modernista e cheio de néon. Ney Vianna, o histórico cantor da agremiação morreu durante a final de samba-enredo e Paulinho Mocidade assumiu o microfone. Em 1990 começava a imponência. O comando de Castor de Andrade sem medo de gastar dinheiro com a agremiação. Seu filho Paulinho Andrade comandando o carnaval e sua esposa Beth Andrade no abre alas.

A Mocidade em 1990 fez um desfile arrebatador não deixando nada pra União da Ilha nem pra ninguém. Contou sua história com raça, emoção e mesmo começando a apuração com cinco pontos a menos devido a demora na dispersão foi campeã com folga.

Samba do mestre Toco que não vencia desde o título de 1979. O velho cheirava a campeonato.



CHUÊ, CHUÁ, AS ÁGUAS VÃO ROLAR 1991 


 Samba de Toco, Jorginho Medeiros e Tiãozinho.

Era o auge do carnaval. Disco vendendo milhões de cópias, as pessoas aprendendo os sambas muito antes, eles sendo a febre do carnaval e 1991 não foi diferente. No fim de 1990 eu comprei o disco das escolas de samba pela primeira vez. Sempre compramos em casa, mas eu sair daqui e sozinho comprar foi a primeira. Tinha acabado de ganhar uma vitrola e doido pra estrear fui em uma loja, comprei e corri pra casa.

Coloquei o disco duplo e o primeiro samba era o da Mocidade. Achei nada demais e pensei que não teria bicampeonato. Ledo engano. No desfile percebi que o samba era muito bom e a escola se apresentou novamente arrasadora. Com muita água, mulheres seminuas e Castor de Andrade abrindo a escola desfilando sozinho, sambando, pulando, incorporado logo percebi que não daria pra ninguém de novo. 

Mais uma vez a Mocidade foi campeã com folga, seu primeiro e único até hoje bicampeonato e se transformou na escola a ser batida. Alguns anos depois conheci o Roger e por seu intermédio o Toco que era seu pai. Desse encontro foi desvendando um dos grandes mistérios do carnaval.

O porque da “liquidez do abacaxi”.

Ele disse que não conseguia fechar o samba e sempre ia a todos os bares de Padre Miguel encontrar os amigos, beber umas cervejas e buscar inspiração para fechar. Uma noite bebia no bar quando um amigo chegou e disse “Caramba Toco, é o quarto bar que te vejo só hoje”.

Toco deu um sorriso e respondeu “eu to em todas”. Nisso veio a inspiração que só os gênios têm “eu to em todas, to no ar, eu to aí” e pra rimar surgiu “eu to até na liquidez do abacaxi”.

Aí rima com abacaxi e rima com bi.



SONHAR NÃO CUSTA NADA OU QUASE NADA 1992


 Samba de Paulinho Mocidade, Dico da Viola e Moleque Silveira.

Eu conto que vi três duelos históricos por campeonatos na vida. Em 1988 Vila contra Mangueira, em 1989 Imperatriz contra Beija-Flor no ano que não acabou e 1992 entre Mocidade e Estácio.

Mocidade não era favorita em 1992. Era muito, mas muito, mas bota muito nisso favorita. Em quase trinta anos acompanhando desfiles de escolas de samba nunca vi uma escola tão favorita para um campeonato e tinha vários motivos para isso.

A Mocidade era a escola da moda, das celebridades, poderosos, artistas. Era a escola de Castor de Andrade, poderoso bicheiro que mandava, desmandava e não tinha medo de gastar dinheiro, tinha Renato Lage, um dos melhores carnavalescos em seu auge e tinha Paulinho Mocidade em ótima forma cantando um samba poderoso.

Samba que dominou o pré-carnaval. Samba que é impossível deixar alguém impassível, parado. Melodia gostosa, altamente carnavalesca com uma letra romântica, levemente sacana e refrãos “arrasta quarteirão”. Um samba quase perfeito, pra mim o melhor dessa trilogia de começo de década e um dos melhores do carnaval.

Só se ouvia o samba da Mocidade. Seja na televisão, rádios, blocos, bailes de carnaval e o desfile não deixou nada a dever. Desfile rico, forte e poderoso de quem queria ser tricampeã. Queria e merecia.

Só que..

..só que a Estácio resolveu em 1992 fazer o desfile de sua vida. Com um bom enredo, bom samba, chão espetacular e conquistando o público fez um daqueles desfiles que só magia explica e fez o sonho da Mocidade virar pesadelo.

A apuração foi acirrada sem poder cravar quem seria campeã e no fim a Estácio conquistou seu título inédito. Para a Mocidade ficou a dor da perda do tri e de ter perdido ponto justamente em samba com a alusão que tinha mais de dez palavras “sonho” e suas derivações na letra.      

Preciosismo cruel de um jurado que assim como a maioria acha que sabe tudo e sabe nada. Preciosismo de um jurado que ninguém mais lembra o nome, mas ninguém consegue esquecer esse samba e nem quer.

Sonhar não custa nada faz parte da história do carnaval com todos os seus sonhos e derivações.


Bem, estão aí os cinco carnavais da Mocidade. Uma das responsáveis por eu amar carnaval e samba-enredo. Que a escola se reencontre e nos brinde por muito tempo com seus espetáculos e belos sambas.



Semana que vem vamos sair um pouco da cidade e falar sobre a “brava gente sofrida da Baixada”.  




FONTE

GALERIA DO SAMBA
www.galeriadosamba.com.br 

ESCOLAS EM CINCO CARNAVAIS

PORTELA

http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/04/portela-em-cinco-carnavais.html

MANGUEIRA







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