UNIDOS DO VIRADOURO EM CINCO CARNAVAIS


Dando prosseguimento a série “cinco carnavais” saímos da cidade do Rio de Janeiro e vamos a Niterói falar de uma escola tradicional, campeoníssima da terra de Araribóia que nos anos 90 começou a fazer história no Rio de Janeiro. Falo da Unidos do Viradouro.
A escola tem esse nome devido ao local de seu surgimento. A rua Dr. Mário Viana, principal do bairro de Santa Rosa. Antigamente o local era conhecido como “rua do viradouro” porque ali o bonde virava e fazia seu retorno. Nelson dos Santos, o popular Jangada, organizava batucadas no quintal de sua casa no alto do Viradouro. O sucesso foi tanto que ele resolveu organizar uma escola de samba fundando a Unidos do Viradouro em 24 de junho de 1946.
Afilhada da Portela começou a desfilar no carnaval de Niterói em 1947 ficando em quarto lugar. Em 1949 veio o primeiro título e até 1963 conquistou dez carnavais.
Desfilou no Rio de Janeiro nos anos de 1964 e 1965 pelo grupo I, mas não foi bem sucedida voltando para Niterói em 1966. De 1966 a 1985 foram mais oito títulos incluindo um pentacampeonato entre 1980 e 1984 rivalizando com a Acadêmicos do Cubango, a outra grande escola de Niterói.
Em 1986 voltou de forma definitiva a desfilar no Rio de Janeiro e em 1990 foi campeã do grupo de acesso chegando ao especial da cidade. Desfilou no grupo principal entre 1991 e 2010 conquistando o título em 1997.
Suas cores originais eram o azul e o rosa, mas em 1970 mudou de forma definitiva para o vermelho e branco.
Unidos do Viradouro de Jangada, Mauro Quintaes, Max Lopes e Joãosinho Trinta. De Gelson, Odir Sereno, Quinzinho, Heraldo Faria e Flavinho Machado. De Mocotó, Dadinho, Guilherme Nóbrega, Gilberto Gomes, Pc Portugal, Andrezinho e Patrícia. De Dominguinhos do Estácio, Luma de Oliveira, Juliana Paes, Mestre Jorjão, Mestre Pablo e Mestre Ciça. De José Carlos Monassa e Gusttavo Clarão.  
Viradouro de grandes carnavais e conquistas nos desfiles de Niterói dos anos 40 aos 80. De “Só vale o que está escrito” 1990, “Amor sublime amor” 1993, “Tereza de Benguela, uma rainha negra no Pantanal” de 1994, “Anita Garibaldi, heroína das sete magias” 1999, “Os sete pecados capitais” 2001, “Pediu pra Pará parou! Com a Viradouro em vou para o Círio de Nazaré” 2004, “Arquitetando folias” 2006 e “A Viradouro vira o jogo” 2007.
Escola de grandes carnavais que logo conquistou torcedores por todo o país. Escola que destaco agora em cinco carnavais dando dois avisos. Não sou um conhecedor de seu tempo de Niterói então não falarei sobre nenhum desse período e não destacarei o desfile de 2004, que acredito que estivesse na relação da maioria, no meu grupo de cinco por considerar originalmente da Estácio de Sá.
Vamos aos cinco carnavais.

BRAVO, BRAVÍSSIMO – DERCY O RETRATO DE UM POVO 1991


Samba de Gelson, Rubinho, Odir Sereno e Aldir
Era a estréia da Viradouro no grupo especial, estreava no mesmo ano que a Grande Rio que montara um timaço com Mestre Paulão no comando da bateria e Dominguinhos do Estácio cantando. A Viradouro, pelo menos no meu pensamento, acabou começando em segundo plano.
Como eu já contei 1991 foi o primeiro ano que comprei o disco das escolas de samba e gostei de cara de alguns sambas, o da Viradouro não foi um deles. Para um adolescente de quatorze anos o samba soou chato, arrastado, sacal e acabei meio que deixando de lado. Como eu avaliava chances de cada escola através dos sambas achava que a Grande Rio alcançaria uma boa posição e a Viradouro cairia. 
Deu tudo o contrário.
A Grande Rio voltou ao acesso e a Viradouro fez um grande desfile. Era a época áurea das escolas de samba. Grandes desfile e quantidade de escolas tal que o disco era duplo e os desfiles começavam e terminavam com a luz do dia.
Lembro que a Viradouro foi a primeira escola de segunda-feira e ainda era dia quando começou seu desfile. A agremiação de Niterói começou ali a mostrar aos cariocas o que seria uma marca sua. Os enredos culturais. A escolhida na ocasião foi uma das maiores artistas desse país, a humorista Dercy Gonçalves.
A irreverente Dercy beirava os noventa anos de idade e desfilou no abre alas com os seios nus. Coisa corriqueira do carnaval da época, mas não de uma senhora octogenária.  A Viradouro estreou com o pé direito no desfile das grandes escolas mostrando com muita dignidade e emoção a história de uma artista que antes de tudo era querida pelo povo.
A escola não caiu como eu previ. Ficou confortavelmente em sétimo lugar, um grande resultado para uma estreante do grupo e com o passar dos anos e aumentando meu envolvimento com o carnaval percebi que estava enganado. O samba de 1991 da Viradouro é um senhor samba de enredo, cara de samba antigo que mostra bem a vida da homenageada com poesia e ótima qualidade musical.
Com Dercy a Viradouro mostrava seu cartão de visitas e que tinha vindo para ficar.
Obrigado Dercy..Mercy Dercy.

E A MAGIA DA SORTE CHEGOU 1992


Samba de Gelson, Heraldo Faria e Flavinho Machado
A Viradouro não era mais uma estreante. Já tinha mostrado seu trabalho, seu bom trabalho no ano anterior e gerava mais expectativas. Manteria o bom desempenho de 1991? Conseguiria o mesmo feito que a Beija-Flor que ficou entre as sete primeiras em seus dois primeiros anos no especial e partiu para o título no terceiro?
O favoritismo todo era da Mocidade, bicampeã do carnaval que vinha para o tri com o samba do ano, mas a Viradouro também tinha um bom enredo, bom e original sobre os ciganos. O samba também era muito bom e ao contrário de 1991 me conquistara de cara. Os comentários do pré-carnaval eram favoráveis para a escola de Niterói que tinha tudo para fazer mais um grande desfile e continuar seu crescimento.
E o desfile de 1992 tornou-se realmente inesquecível para a Viradouro. Mas ganhou uma dimensão maior que a esperada. Tornou-se inesquecível não só para a Viradouro como para o carnaval.
Para o bem e para o mal.  
Conta a lenda que alguns dias antes do desfile alguns ciganos visitaram o barracão da Viradouro. Acharam tudo lindo, deram parabéns à escola, mas contaram sentir falta de uma fogueira já que toda festa cigana tinha fogueira e recomendaram que fizesse uma.
A direção ou o carnavalesco, cada um dá uma versão, agradeceu e quando os ciganos se afastaram falaram “Vejam só, homenageamos e ainda querem se meter no trabalho”.
O desfile foi lindo. A escola estava muito bonita e fazia um desfile perfeito caminhando para a surpresa de todos para uma disputa de título logo no seu segundo ano no especial. Tudo caminhava bem, mas não tinha a fogueira.
Não tinha até um dos carros alegóricos pegar fogo.
O carro da geleira lambeu em chamas quase provocando uma tragédia na Sapucaí. Bombeiros tiveram que invadir a pista para controlar o fogo, alas se espremeram para dar passagem a eles, uma grande confusão que acabou sem feridos, com os bombeiros conseguindo tirar os componentes do carro a tempo e uma nuvem negra de fumaça tomando toda a avenida.
Ninguém se feriu. Só o sonho da Viradouro que foi destruído na fogueira.
Com muita raça e emoção a Viradouro levou seu desfile até o fim e acabou perdendo treze pontos por estouro do cronômetro. Com esses treze pontos a mais acabaria em terceiro logo atrás dos super desfiles de Estácio e Mocidade. Considerando o que perdeu em harmonia, conjunto e evolução só Deus sabe o que poderia ter ocorrido. Nunca saberemos como acabaria o carnaval de 1992 se o carro da geleira não pegasse fogo. Nunca saberemos como acabaria o carnaval de 1992 se tivessem ouvido os ciganos. 
A Viradouro não conseguiu igualar a marca da Beija-Flor acabando em nono. Mas da tragédia nasceu uma escola de ponta do Rio de Janeiro.
E a magia da sorte chegaria.

TREVAS! LUZ! A EXPLOSÃO DO UNIVERSO! 1997


Samba de Dominguinhos do Estácio, Mocotó, Flavinho Machado e Heraldo Faria
A Viradouro queria realmente ser grande. Para o ano de 1994 contratou o super carnavalesco Joãosinho Trinta. João é um dos maiores carnavalescos da história e estava há dois anos afastado dos desfiles. Era mais uma prova que a Viradouro podia ser a Beija-Flor do fim do século.
Estreou com pé direito conquistando o terceiro lugar e pela primeira vez desfilando no sábado das campeãs. Mas depois vieram dois resultados ruins e o trabalho começou a ser questionado.
Para 1997 a Viradouro foi para o carnaval com um desfile típico de Joãosinho Trinta. Para seus detratores um tipo de enredo “maionésico”, para os fãs um carnaval delirante e existe local mais adequado para delirar ou “viajar na maionese” que o carnaval?
O enredo era sobre o big bang, a formação do universo e a favorita ao campeonato assim como em 1992 era a Mocidade, campeã de 1996. Disputando contra ela a Imperatriz bicampeã nos anos anteriores e vice para a Mocidade no carnaval mais recente.
Sempre foi um erro desprezar Joãosinho Trinta.
E isso ficou evidente logo no abre-alas impactante. Todo negro em uma época que os carros já adoravam mostrar luminosidade e riqueza. Assim começava o desfile da Viradouro. Apagado, negro, mas lindo.
Foi a alegoria de mais impacto feita por Joãosinho Trinta depois de 1989 quando surpreendeu com o Cristo Mendigo.
Aos poucos o negro do desfile, feito para mostrar o início do universo, foi sendo deixado de lado, mas o desfile continuou forte, desfile de campeonato. O bom samba ajudava além da bateria de mestre Jorjão que inovava fazendo uma paradinha funk na avenida.
Os puristas torceram o nariz. Mas danem-se os puristas, a paradinha entrou para a história.  
A Viradouro brigou ponto a ponto com a Mocidade e levou o campeonato. A super campeã de Niterói pela primeira vez era campeã no Rio de Janeiro fazendo cumprir o seu destino que era óbvio desde 1991.
Que esplendor..

ORFEU, O NEGRO DO CARNAVAL 1998


Samba de Gilberto Gomes, Mocotó, Gustavo, P.C Portugal e Dadinho
A Viradouro já era realidade e o mundo do samba sabia disso. Campeã do carnaval de 1997, com toda justiça, a escola de Niterói chegava ao carnaval de 1998 como a favorita ao bicampeonato.
E o favoritismo era justificado. A escola tinha dinheiro, graças ao banqueiro do bicho José Carlos Monassa que comandava a escola. Tinha uma ótima equipe de carnaval comandada pelo genial Joãosinho Trinta e desfilaria com um grande enredo.
O enredo era baseado na peça “Orfeu Negro” de Vinicius de Moraes que por sua vez é baseada na tragédia grega “Orfeu”. A história do negro sambista do morro da Carioca que se apaixonava por Eurídice e terminava em tragédia caiu no gosto popular desde seu lançamento e sua primeira versão cinematográfica ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Uma nova versão era filmada ao mesmo tempo em que o carnaval da Viradouro era desenvolvido e acabou que uma situação ajudou a popularizar a outra. Tornaram-se parceiras inclusive com parte da filmagem sendo realizada durante o desfile.
Um grande samba foi escolhido pela Viradouro, o melhor samba do ano que é especial por ser o primeiro na escola assinado pelo compositor oriundo da Estácio Gusttavo Clarão. Gusttavo se tornou o maior compositor da história da agremiação sendo campeão de forma consecutiva entre 1998 e 2005 (2004 não teve concurso de samba), um dos maiores nomes de sua existência e hoje é seu presidente. Gusttavo, além disso, é um dos maiores compositores de sua geração e criou um estilo de composição de samba-enredo para a Viradouro.   
A escola fez um grande desfile se tornando ao lado da Mangueira a favorita ao título, mas de uma forma inexplicável acabou em quinto lugar. No desfile das campeãs vários componentes desfilaram com nariz de palhaços para mostrar indignação.
Orfeu ficou apenas em quinto, mas se tornou um dos símbolos da escola e arrisco a dizer seu carnaval mais famoso.
Um vencedor por aclamação geral.

A VIRADOURO CANTA E CONTA BIBI. UMA HOMENAGEM AO TEATRO BRASILEIRO 2003


Samba de Gustavo, Gilberto Gomes, Heraldo Faria e Gelson
A Viradouro não era mais a escola que subiu tímida para o grupo especial e surpreendeu em seu primeiro desfile. Já era uma escola grande, rica, luxuosa, com requinte e muitos torcedores. Seus sambas eram marcantes. Poéticos, melódicos com o jeito Gusttavo Clarão de ser.
Mas uma coisa não mudara na Viradouro. Seu apreço pela cultura. Desde Dercy Gonçalves em 1991 a escola se acostumara a trazer bons enredos, ricos em cultura e para 2003 não foi diferente homenageando uma das grandes damas das artes brasileiras.
Assim como Dercy Bibi Ferreira é uma lenda de nosso teatro. Temperamento diferente, forma de interpretar diferente Bibi se iguala a Dercy na importância para a vida cultural desse país. Pessoas que sempre farão parte de nossa história.
Grande atriz e cantora com trabalhos inesquecíveis em nossos palcos Bibi foi levada para mais um palco, provavelmente com o maior público que lhe ovacionou, a Marquês de Sapucaí, e foi com a Viradouro, uma escola que se tornara freqüente do desfile das campeãs e que melhor sabia contar histórias nesse começo de século XXI.
A Viradouro fez mais um bonito desfile com um dos grandes sambas do ano. Lembro que uma das críticas que o samba recebia na época é que tinha muitas vezes a palavra “amor” e eu respondia que “amor nunca era demais”.
E não é mesmo. Nem mesmo para uma artista do quilate de Bibi Ferreira que com mais de oitenta anos recebeu a maior homenagem de sua vida. Bibi que é tão importante, mas mesmo assim não é tão conhecida por seu povo como deveria já que, infelizmente, a cultura nesse país não recebe a importância que merece. Mas ainda bem que tem as escolas de samba para fazer esse papel.
E a Viradouro fez a homenagem apresentando Bibi para o grande público. O desfile ficou em um modesto quinto lugar, modesto para o padrão da escola na época, mas de modesta essa homenagem teve nada, foi grandiosa.
Do tamanho de Bibi.

Bem aí estão cinco carnavais da Viradouro. Escola que sofreu algumas perdas e hoje se encontra no grupo de acesso, mas esperamos que volte logo ao lugar que ocupou com tanta sutileza e beleza no grupo especial.

Semana que vem vamos ao berço do samba. Ao velho Estácio.

FONTES:
GALERIA DO SAMBA
www.galeriadosamba.com.br
WIKIPEDIA VIRADOURO


MOCIDADE


BEIJA-FLOR


IMPERATRIZ


VILA ISABEL


UNIDOS DA TIJUCA



Comentários

  1. Esses eram exatamente os 5 sambas que imaginava, e torcia. Concordo em (quase) tudo do que vc escreveu.
    Fiquei abismado com a beleza plástica da Viradouro em 1992, acho-a insuperável não vi nada igual ao longo dos anos seguintes (apesar de maravilhas como Gresil 96, Mangueira 2003 e Salgueiro 2007). Lembro-me de me apaixonar pelo samba "à primeira escutada" e achei-me "entendido" quando este ganhou o Estandarte de Ouro.
    Quanto ao quinto lugar de 98 achei que a escola foi exageradamente canetada, mas no desfile teve aquele incidente com a Porta Bandeira que enroscou a bandeira na peruca e ficou aos prantos parando de evoluir (fosse a Beija Flor teriam feito vista grossa como fizeram no princípio de incêndio do abre-alas).
    Ah, aquela de poderia ter sido: em 2004 se as notas mais baixas e mais alta fossem descartadas a Viradouro teria sido a campeã.
    Enfim, uma agremiação que faz falta no Grupo Especial.

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  2. A escola faz muita falta mesmo. Por esses cinco desfiles dá pra ver o quanto a Viradouro é importante e até em seus momentos ruins fez história como no incêndio de 92 e o enrosco da Porta bandeira em 98 que mesmo assim merecia muito mais que um quinto lugar.

    Acho o desfile de 2004 desfile de campeã, mas como o samba é oriundo da Estácio preferi não falar dele, mas com certeza é um grande momento.

    Abraços

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