AO MESTRE COM CARINHO



O nome da coluna de hoje remete ao título em português do filme “To Sir with love”, de 1967, estrelado por Sidney Poitier e pela atriz e cantora Lulu. Ela também interpreta no filme a canção título.

A história trata de um jovem professor que enfrenta alunos indisciplinados, contudo aos poucos consegue quebrar a hostilidade dos jovens. É um grande clássico dos anos 60 e a música tema é fabulosa.

Vi o filme há muito tempo atrás e revi há pouco tempo no youtube; sempre que posso ouço a música que inclusive entrou em um “Sobe o som” recente. Da última vez em que ouvi, pensei que a figura do professor seria tema de uma coluna interessante.

E esperei a proximidade da data onde se comemora o dia do professor para falar dele. A data é comemorada hoje, dia 15 de outubro.

Quem é o professor?

Professor é aquele cara que se matou de estudar durante a vida. Adquiriu conhecimento, cultura e sabedoria para um dia passar tudo que aprendeu a alguém. Esse ser quando assume o papel de
mestre geralmente trabalha em três escolas, enfrenta muitas adversidades, é obrigado a continuar estudando para não ficar ultrapassado...

... para no final do mês receber o que um jogador de futebol que nunca quis saber de estudos, aprender, só quer saber de carrões, farras e mulheres recebe em uma hora.

É, amigo. Quem disse que a vida é justa?

O professor é a primeira figura que conhecemos fora de nosso lar e família a quem devemos obediência e respeito. Os primeiros são chamados por nós de “tios”; além de nos educar, ensinar as primeiras letras e contas vira mesmo uma espécie de tio, tal é o carinho.

Dificilmente esquecemos nossos primeiros “tios”. Podemos esquecer a primeira transa, o primeiro amor, mas os primeiros professores guardamos no coração.

Lembro-me até hoje da rígida Tia Gema, uma freira do colégio Nossa Senhora da Ajuda que me deu aula no C.A. Como eu disse, ela era rígida, dava broncas, colocava de castigo. Não foram poucas as vezes em que fui colocado para fora de sala de aula, mas em compensação ela me ensinou a ler e escrever e com ela aprendi a fazer contas de cabeça - me estimulando o raciocínio.

Tive grandes professores por minha vida. Professora Suely, de inglês, que também deu aula de teatro no colégio AME (onde fiz o ginásio) estimulou meu gosto por escrever. Professor Paulo de geografia, petista ferrenho, foi o primeiro a quase me colocar de recuperação e quem me estimulou para a política.

Professoras Maria Helena e Marly, donas do colégio AME, professor Martins de geometria, quase um nazista que eu tinha pavor e esse pavor virou força de vontade pra mostrar que eu podia aprender a matéria. Professora de botânica que infelizmente não lembro mais o nome, mas achava 'uma delícia', assim como a professora de português no colégio Julio Muller no Mato Grosso.

Professor Oswaldo, técnicas comerciais no AME. Eu ficava de recuperação com ele e a gente batia papo sobre política e artes. Professora Mirian, mãe de um grande amigo meu, George. Tínhamos pavor dela e meu pavor aumentou quando descobri que ela me daria aula particular de álgebra.

E no segundo grau descobri que professores podem ser grandes parceiros, lá eles até saíam pra beber com a gente como o professor Batista de Geografia, uma figuraça que também colocava o som nas festas locais. Uma vez ele dormiu no palco depois de uma dessas festas e colocamos velas acesas em sua volta, apagamos a luz e começamos a rezar. Ele ao acordar tomou um grande susto.

Nessa época veio uma doideira na minha cabeça: ser professor. Fiz segundo grau no magistério, aqui chamado de curso normal. Chegou a um momento onde eu era o único homem não só da classe, como do curso; mas foi bacana porque pude conhecer melhor as mulheres e dar aulas em estágio para algumas crianças.

Em 1993, por um ano, estagiei numa sala do colégio Leonel Azevedo aqui na Ilha e no ano seguinte a experiência mais bacana na área, ajudando crianças do CA a aprender a ler e escrever.

Essa experiência no Mato Grosso me marcou e vi que é muito
bacana dar aulas e participar do crescimento de alguém. Aquelas crianças de cinco, seis anos que eu jogava bola e ajudava a fazer rabo de cavalo são adultos hoje. Não sei como estão, mas sei que estou na história deles.

Na faculdade os professores Nelson e Fabio Iório nos apresentaram os projetos Nelson Rodrigues e Glauber Rocha. O projeto Nelson Rodrigues consistia em apresentar uma peça do Nelson e fazer todo o trabalho nele. Figurino, cenário, roteiro, iluminação, sonoplastia, atuação...

O projeto Glauber Rocha consistia em fazer um documentário de dez minutos sobre tema livre. Assim como no projeto teatral tudo por nossa conta. Filmagem, edição, roteiro, direção...

... No projeto Nelson Rodrigues encenamos o conto “cheque de amor”. Ganhei prêmio de melhor ator e nossa equipe de melhor peça. O roteiro era meu. No projeto Glauber Rocha ganhamos como melhor documentário; também fiz o roteiro junto com um grande amigo chamado Rodrigo. Fizemos um documentário sobre futebol intitulado “eu quero ver gol” onde até entrevistamos jogadores do Flamengo como Clemer e Caio.

Nesses projetos, com esses professores, descobri meu amor por teatro e cinema.

Outro professor importante da época foi o Porto, de Português. Um senhor de idade já, muito culto, bacana e com quem eu tinha grandes debates. Eu nunca fui de abaixar a cabeça e quando achava que algo estava errado, alguma explicação ou ensinamento eu contestava e nosso debate durava muito - para desespero dos outros alunos que queriam ir embora.

Na nossa formatura ele discursou. Citou-me nominalmente dando parabéns pelo Estandarte de Ouro que eu ganhara alguns meses antes e reconheceu que em muitos debates eu estava certo, mas não podia dar o braço a torcer por ser o professor. Depois ele me deu seu discurso de presente.

Nunca mais tive contato com ele, não sei se ainda está vivo, só quero que saiba do meu profundo respeito e carinho que tenho e sempre terei por ele.

Mas não tive professores apenas em salas de aula. A vida me deu duas das melhores professoras.

Já falei delas aqui várias vezes, inclusive suas características que peguei para minha formação e repetirei. Minha avó Lieida era professora de Artes Plásticas em um colégio público e de vez em quando eu ia para suas aulas.

Sempre fui um garoto classe média, de estudar em colégios particulares e foi bom conviver com crianças de realidades diferentes. Fiz amigos ali, levava revistas em quadrinho minhas e dava pra eles, foi uma época importante para mim, já que moldou minha forma de agir e de me integrar.

Desde aquela época minhas amizades foram com pessoas de poder aquisitivo menor que o meu e com pessoas que normalmente teriam o nariz torcido pela sociedade. Meus melhores amigos na vida geralmente foram nordestinos, negros, no Mato Grosso um rapaz com deficiência.

E isso não me fez melhor que ninguém porque quando eu caí, quando tomei rasteira da vida foram esses amigos que me
acudiram. A vida me ensinou que todos somos iguais e que em determinado momento um sempre vai precisar do outro.

A vida é uma ótima professora.

Como eu já disse antes, com minha avó aprendi a gostar de ir a cinema, teatro, ler livros, revistas, artistas antigos. Ela sempre nos acordava aos fins de semana ao som de Julio Iglesias, Aguinaldo Timóteo, Cauby Peixoto, Ângela Maria... Aprendi a gostar desses artistas e de outros que minha geração não costuma gostar.

Minha mãe nunca deu aulas, nem sei se foi uma grande aluna, mas as melhores coisas em relação à vida aprendi com ela. Aprendi a respeitar os outros, a ter caráter, ter humildade, mas não a ser babaca a ponto de deixarem pisar em mim. Ensinou a ter consciência do meu valor, limites, virtudes e defeitos.

Herdei a sensibilidade dela, a alma de artista. Minha mãe na peça de teatro que é a vida infelizmente foi uma atriz frustrada. A vida não foi bacana com ela e em cima das tristezas que passou e dos erros que cometeu também moldei minha personalidade. Hoje tenho um temperamento mais forte, sou explosivo e enfrento cara a cara mesmo podendo estar me borrando de medo porque no choro contido de minha mãe, do silêncio dela diante de injustiças descobri que se aquietar, não expor o que sente ou sofre pode nos adoecer e até matar.

Com as mulheres aprendi que sou um ser limitado, imaturo, infantil, que posso magoar e também ser maravilhoso quando quero e não cometo besteiras. Sou o melhor amigo quando elas precisam, o pior dos seres humanos quando as firo. Contudo uma pessoa que por ter sido criado por mulheres procura lhes entender
e aceitar como são. Homens e mulheres são seres completamente diferentes, por isso se completam.

A vida me ensinou isso.

E a vida me trouxe o samba. O samba é um pequeno pedaço que retrata muito bem a vida em seu todo, com suas alegrias, decepções; também tive muitos professores ao longo desses dezesseis anos, dois em especial.

Djalma Falcão é meu mestre na arte de compor. Hoje ele anda meio afastado por ter alcançado cargo de diretoria na União da Ilha, mas durante anos, principalmente na virada do século, fez sambas que me encantaram e me fizeram pensar que eu queria ser como ele quando crescesse.

Djalma é um poeta, é sensível e consegue colocar em suas obras musicais essa poesia e sensibilidade. Concorreu com um samba na União da Ilha em 2000 que eu torcia como se fosse um samba meu e no ano seguinte venceu com um dos melhores sambas da história da escola. Um samba que injustamente ganhou fama de maldito graças ao rebaixamento da agremiação. A última coisa que poderia ser culpada daquele rebaixamento seria o samba.

Outro mestre se chama Carlinhos Fuzil. Fuzil já foi tema do blog, vocês já conhecem bem, mas para quem não leu repito, é o segundo maior vencedor de sambas de enredo da história do Boi da Ilha e o maior vencedor vivo da União. Desde o meu começo no samba sempre me deu conselhos, elogios, críticas, verdadeiras broncas e até tapa na mão ganhei quando perdi samba no Boi para uma parceria de fora da escola.

Fuzil é daqueles malandros antigos do samba. Ele não briga, sorri. É
guerreiro, não desiste nunca, esforçado, mesmo com mais de
cinquenta anos não para em um ensaio. No fim dele quando todos estão mortos de cansaço lá está ele carregando as bandeiras de seu samba para fora da quadra.

E depois que viramos parceiros ele deixou de ser apenas um professor e virou um pai pra mim. Dando conselhos sobre minha vida, me dando abertura para que eu falasse dela, expusesse as coisas em que vivia como não fazia pra ninguém outro. É um grande sujeito antes de ser um grande sambista.

Mesmo separados no samba, ele me deu uma última lição. A de nunca duvidar do poder de reação das pessoas, principalmente dos mais fortes, especialmente a nunca desdenhar de vencedores.

A vida é assim. Um eterno aprendizado onde nunca saberemos tudo. A cada dia aprendemos com alguém, ensinamos outra pessoa ou até mesmo aprendemos com quem ensinamos e ensinamos aquele que sempre nos passou sabedoria.

São trinta e sete anos de vida. Trinta e sete anos aprendendo com muita gente e com certeza não citei todos nessa coluna não por maldade, mas por esquecimento mesmo porque foram muitos os que me ajudaram nessa caminhada. A todos, os citados ou não em coluna, mas sempre lembrados no coração o meu muito obrigado.

Então é assim que estou hoje. Com uma excelente professora que todos os dias sempre me ensina algo e procuro pegar seus ensinamentos e suprema sabedoria pra aplicar no meu dia a dia e no meu crescimento.

E com um pequenino professor que mesmo nem tendo cem dias de vida ainda me ensinou que guerreiros, vencedores e valentes não tem idade,


Quem são esses professores? Minha filha Bia e meu filho Gabriel. O que eles me ensinam?

A querer sempre ser uma pessoa melhor.

Aos meus mestres com carinho.


E que tratem os mestres com carinho, não com humilhações e porrada.

 

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