A VOZ DOS EXCLUÍDOS
Como todo mundo já sabe ocorreu um terrível caso de estupro coletivo em uma favela do Rio de Janeiro. Uma jovem foi filmada dopada em uma cama e as suspeitas são que trinta e três criminosos tenham participado do ato.
O caso provoca uma grande comoção em todo país e com ele um debate sobre o que chamam de "Cultura do estupro". Uma tradição machista que existe no Brasil onde desde crianças os homens veem as mulheres como "pedaços de carne" e motivos para satisfação masculina.
Várias situações são citadas como referências da cultura do estupro como desde cedo o menino ser criado para ser o garanhão e a menina a santa, que mulher não pode ir a certos lugares sozinhas, que homem que é homem tem que dar cantadas chulas mesmo em mulheres desconhecidas nas ruas e que a mídia ajuda nessa cultura seja com comerciais onde o corpo da mulher aparece mais vendável que o produto e a música.
Aí o funk entra na história.
Faz algum tempo que eu queria escrever sobre o funk e tinha programado para esta semana, mesmo antes do caso ocorrer. Semana passada fiz um "sobe o som" sobe o funk e sua história e hoje iria entrar nessa história. Infelizmente os fatos acabaram ajudando.
Evidente que o funk atual é uma música machista. A música mais famosa do gênero atualmente se chama "Baile de favela". Uma música que usa palavras chulas em relação a mulher e o clip é de horrorizar qualquer um. Eu, que me considero um cara moderno, não acreditei que as meninas se prestassem a fazer o que fizeram no clip. Elas se abaixavam, ficavam de quatro para serem bolinadas pelos garotos e cantavam a letra machista sem menor pudor.
A música é um sucesso, toca em rádios e em televisão com a letra modificada e até o jogador da Juventus da Itália, o francês Pogba postou vídeo escutando.
Mas mesmo com tudo isso não posso culpar o funk, nem essa música em específico.
Apesar do refrão grudento e que não sai da minha cabeça não é o tipo de música que eu curto. A letra é pobre, praticamente não existe melodia. Mas vi a história de vida do autor, o Mc João, e não tem como não se comover.
Um menino como vários outros meninos que teve que trabalhar desde cedo para sustentar a família, que perdeu vários amigos para o tráfico e a morte, que muitas vezes abria a geladeira e não tinha o que comer e hoje ganha 15 mil por show e mudou o patamar de sua família.
Existe um grande preconceito em relação ao funk e admito que muitas vezes ele não se ajuda. Quando deprecia a mulher ou exalta o tráfico ele é machista ou se associa a violência, mas eu tento ver o funk além disso, tento ver além do estereótipo que a classe média branca impôs.
O funk é voz. Ele é voz de uma parte da sociedade que é excluída, marginalizada. É a voz do preto, do pobre, do favelado, é a forma que eles encontraram de se expressarem.

Temos que combater a intolerância, o ódio, o preconceito assim como temos que combater o racismo e o machismo. A mulher que é violentada em sua dignidade todos os dias é tão vítima da sociedade em que vivemos quanto o negro da favela. Precisamos prestar mais atenção no que essas vozes querem nos dizer. Não precisamos gostar, mas precisamos ouvir.
Existem várias formas de funk, não apenas "proibidões" e machismo. Mc Marcinho e Claudinho & Buchecha são exemplos de como pode existir romantismo e poesia no funk. Buchecha é um dos grandes expoentes do gênero e teve canções regravadas por astros da MPB. Desafio alguém que mostre uma música tão bonita, emocionante e contundente feita nos últimos vinte e cinco anos como o "Rap da felicidade" feito pela dupla Cidinho & Doca. Essa música é aquela que diz "Eu só quero é ser feliz / andar tranquilamente na favela em que eu nasci".
Essa música abaixo, por exemplo, é um funk.
Assim como o samba um dia foi renegado, sofreu preconceitos (Hoje infelizmente está engomadinho e chapa branca) o funk sofre tudo isso hoje em dia. O funk hoje é o que o samba foi um dia. A voz de quem não tem voz.
Vamos dar voz a essas pessoas, mesmo nem tudo que eles nos digam agrade.
Afinal, só queremos ser felizes.
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