ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAPÍTULO XXV (FINAL) - JOGOS DA PAZ EM TEMPOS DE GUERRA




Continuando...

Corri até os paramédicos perguntando se ela estava viva. Colocaram Juliana em cima de uma maca e o médico respondeu que não poderia responder nada. Me apresentei como marido e ele permitiu que eu fosse na ambulância.

Peguei a mão de Juliana entubada em cima da maca e implorava “Não Juliana, agora que nos entendemos não, por favor”. A ambulância ia a toda velocidade e eu pedia para que ela não me abandonasse “Não sei viver sem você Ju”.

Juliana foi levada às pressas para o centro cirúrgico. Eu, tenso, não parava de andar pela recepção e meu celular tocou. Era João Arcanjo. 

O farmacêutico contou que não conseguira encontrar Rui que desapareceu e eu gritei no telefone “Eu sei porque esse filho da puta desapareceu!! Ele tentou matar a Juliana!! Estão falando aqui que foi acidente, mas eu sei que foi esse filho da puta e eu vou matar esse desgraçado!!”.

Desliguei o telefone e vi Guilherme na minha frente. Não aguentei e abracei meu filho chorando. Nós dois abraçados, chorando por Juliana e finalmente virando pai e filho de verdade.

No aeroporto Flávia e Celina faziam check in, iriam embora pra França quando Rubinho chegou correndo. Pegou o braço de Flávia e enquanto Celina perguntava o que significava aquilo o homem disse “Não vai embora, eu não posso ficar sem você”. Celina pediu explicações à mãe que disse que no avião responderia. Puxou Rubinho em um canto e falou “Sem show Rubinho, vai embora que acabou”. Rubinho ameaçou que não deixaria a mulher embarcar e Flávia revidou “Tenta, tenta fazer alguma coisa. A federal está logo ali e teria coisas muito interessantes pra contar”.

Rubinho, decepcionado, perguntou “Você teria coragem?” Flávia respondeu “Não duvide” e Rubinho perguntou porque ele só interessava quando os dois eram casados. Flávia sorriu, passou a mão no rosto do ex-amante e respondeu “Foi bom, acabou, tchau”.

Flávia andou em direção a Celina e disse à filha “Ta na hora meu amor, acho que o Guilherme não vem”. Celina, que estava com o telefone na mão, respondeu “Ele não me atende, não acredito que o Guilherme fez isso comigo”. 

Flávia fez carinho na filha e comentou “Homens são assim, vamos que você tem uma França pra conquistar”.

Flávia e Celina passaram pela porta de embarque observadas por um desolado Rubinho. Seu telefone tocou e ele atendeu respondendo “Alô? Ainda não morreu? Ela é tinhosa, to indo pra casa”.

No hospital Juliana lutava pela vida enquanto eu e Guilherme esperávamos na recepção. Meu filho perguntou se eu não avisaria Rodrigo e respondi “Ele é um dos responsáveis por isso. Quero esse canalha longe da sua mãe”.

Ficamos mais um tempo em silêncio. Guilherme olhou o relógio e comentou “Era pra eu estar voando pra França essa hora”. Eu tinha me esquecido dessa situação e perguntei “É verdade, falou com a Celina?”. Guilherme respondeu que não tivera cabeça para tal e completou “Espero que um dia ela me perdoe”.

O médico apareceu e levantamos aflitos para saber o estado de saúde de Juliana. O homem respondeu que a operação terminara, tinha sido bem sucedida, mas Juliana estava em coma e só o passar dos dias responderia se um dia ela voltaria dele.

Gelei e perguntei se o coma poderia ser irreversível. O médico respondeu que sim, tudo dependeria dela agora.

Não estava fácil. Minha vontade era que Deus me levasse no lugar dela. Eu não suportaria viver sem Juliana.

Os dias passaram e ela continuou na UTI entubada e sem sinal de melhora. Eu praticamente mudei pra lá, ficava dia e noite ao lado da mulher que amava.

Um dia estava com cadeira ao lado de sua cama e com cabeça e braços apoiados nela. Ouvi um pequeno barulho e levantei a cabeça. Vi Pardal perto da porta.

Olhei para o bandido que sorriu para mim e atravessou a porta. Levantei e fui atrás dele, abri a porta e saí.

Saí e não fui para a recepção como o esperado. Parei em um campo, um campo florido.

Sozinho naquele local, perguntei o que era aquilo. Pardal apareceu e respondeu “Um campo florido, não está vendo idiota?”.

Respondi que sim, vi que era um campo, mas queria saber o que eu fazia ali. Pardal respondeu “Já vai saber”.

Olhei para o lado e vi umas crianças brincando perto de um lago. Sorri, me senti com uma grande paz e comecei a caminhar para perto delas. Eu me aproximava e começava a ser tomado pela emoção. Sim eu conhecia uma daquelas crianças. Não, não podia ser.

Ao me aproximar, com lágrima nos olhos, falei “Rebeca”.

Sim. Era Rebeca, a minha filhinha, a minha doce Rebeca que a violência tirou de mim. Ela estava lá, linda e perfeita, saudável como a conheci, como convivi. Rebeca sorriu para mim e sentada perguntou “Papai, quer brincar?”.

Sentei ao seu lado. Rebeca disse os nomes de seus amiguinhos e comentou “Eles estavam no trem comigo”. Eu não conseguia falar nada. Sorri e ouvi minha filha pedir que fizesse um castelinho de areia.     

Tinha areia em volta do lago e eu fiz o castelo com as crianças. Ri muito, me diverti com elas e o castelo ficou lindo. No fim Rebeca disse “Nós vamos morar nele papai, pra sempre”.

Eu ouvi e não consegui fazer nada além de deixar lágrimas caírem. Rebeca sorriu, falou “Não chora papai” e Pardal apareceu dizendo “Ta na hora criançada”.

A crianças levantaram e abraçaram Pardal. Eu levantei, olhei o bandido e ele contou “Essa é minha missão aqui. Tomar conta das crianças que matei no atentado do metrô”.

Respirei fundo e falei “É nobre”. Pardal respondeu “Todo mundo tem jeito Gilberto, pode trilhar o caminho do bem. Seja vivo ou aqui”.

Apenas balancei a cabeça positivamente e Pardal completou “Agora vá. Sua mulher precisa de você”.

Concordei e me virei começando a caminhar. Rebeca gritou “Espera papai” e me virei. Minha filha veio correndo ao meu encontro. Chorando abri os braços e ela me abraçou. Puxei bem forte Rebeca pra perto de mim e a levantei abraçando e beijando seu rosto. Rodamos abraçados, eu dizia que a amava e Rebeca respondeu “Te amo papai, pra sempre”.

Coloquei minha pequenina de volta ao chão e ela pediu “Cuida da mamãe”. Prometi cuidar e ela voltou a dar a mão a Pardal junto com as outras crianças.

Nunca pensei que um dia diria isso, mas falei “Obrigado Pardal”. O homem sorriu e falou “Vai cuidar da Juliana”. No mesmo momento me vi de volta à cadeira ao lado da cama de Juliana. Tomado por um grande susto pensei “Será que foi tudo um sonho?”. Mas ao prestar bem atenção vi um desenho na parede em cima da cama. O desenho de um castelo.

Não. Não fora um sonho e uma tonelada de angústia e sofrimento saía de cima das minhas costas.

No fim da madrugada levantei para ir ao banheiro e deixei Juliana sozinha. Enquanto mijava passou uma enfermeira carregando um carrinho de remédios com rodas e um tapa olho no rosto. A enfermeira parou em frente ao banheiro e trancou a porta por fora. Depois continuou andando normalmente com o carrinho e assoviando.

Mijei e tentei abrir a porta. Estava trancada. De início pensei que fosse alguma confusão e bati na mesma pedindo que abrissem. Depois me toquei que algo grave poderia estar ocorrendo e soquei a porta gritando. Vendo que ninguém me atenderia comecei a tentar arrombar até que consegui.      

Corri de volta ao quarto de Juliana e encontrei Galalite caminhando lentamente com travesseiro até seu rosto. Gritei “Filho da puta” e fui ao encontro dele. Puxei Galalite pelos braços e o bandido me deu um soco fugindo. Corri atrás dele e consegui alcançar no corredor. Segurando o bandido abri a porta do depósito e entrei com ele.

Joguei Galalite no chão, subi em cima do homem e encostei minha arma em seu rosto perguntando quem tinha mandado o serviço. Galalite pedia para que não lhe matasse, ele precisava do dinheiro pra tentar o transplante da filha no mercado negro. Eu gritei “Responde filho da puta!! Quem mandou?”.

Galalite confessou “Rubinho e Rui de Santo Cristo. Inclusive o Rubinho quer te matar faz tempo. Tentou te matar duas vezes na cadeia e não conseguiu. Depois com uma mulher aqui fora. Os dois estão juntos nisso”.

Ali entendi tudo. O negão, o Assassino com cara de bebê, Bianca. Todos mandados por Rubinho pra me matarem, porque eu era um rival. Depois ele se juntou a Rui e os desejos dos dois se uniram.

Galalite completou “A droga, a droga no seu carro foi Rubinho que colocou com a ajuda do Rodrigo”. Olhei para Galalite, ainda com a arma em sua testa e ele implorou “Pelo amor de Deus Gilberto! Eu tenho mulher e filha pra criar! Filha doente! Você perdeu uma menina e conhece minha dor! Eu preciso viver para salvá-la!”.

Respondi “Foda-se” e atirei em sua testa matando o bandido.

Saí de lá enlouquecido. Fui direto à casa de Rubinho, com a arma na mão, disposto a matá-lo. Já era manhã e a porta principal da casa estava aberta e entrei. Procurei Rubinho em todos os cantos gritando “Aparece pra morrer canalha!” até que abri a porta do escritório.

Abri e ele estava sentado em uma cadeira virado para a janela, de costas pra mim. Apontei a arma e disse “Se vira pra morrer filho da puta”. Ele não se virou. Me aproximei da cadeira e puxei virando e gritando “Olha pra mim pra morrer seu merda!!”.

Virei a cadeira e eu que me assustei. Rubinho Barreto estava morto. Olhos abertos, expressão assustada, tiro na testa e uma carta em sua mão.

Peguei a carta e estava escrito “Para Gilberto Martins”. Abri e li.    

Ao mesmo tempo João Arcanjo desceu as escadas de casa com todo o peso do mundo nas costas e a empregada lhe cumprimentou “bom dia seu João”.

O homem não deu muita atenção e ela continuou “Tem uma carta para o senhor aqui”. Com jeito de “Foda-se” João pegou a carta e a empregada completou “Vou ao mercado, trarei o iogurte que o senhor gosta”.

Quase que o João mandou a pobre senhora enfiar o iogurte no cu.

O homem, arruinado pela vida e suas circunstâncias, pegou a carta e sentou. 

Abriu a mesma e começou a ler. Lia atentamente a tudo até que soltou em um grito “Filho da puta!!”.

Levantou e foi até uma gaveta da sala onde pegou uma pistola. Colocou na cintura e tocaram a campainha.

João abriu a porta e tinha um cara muito estranho na mesma que não parava de falar.

“Aí cumpadi, a parada ta sinistra pro seu lado. Eu to aqui a mando do McGyver. Cadê a grana dele? O prazo acabou parceiro, dá a grana ou tu vai comer capim pela raiz”.

Bem sério João pegou a pistola da cintura e deu um tiro na testa do falador.

Lógico que um corpo no chão provocou gritaria, alvoroço e arrastou uma multidão ao local. A empregada de João chegava com as compras e deixou cair no chão. Enquanto todos se aproximavam um furioso João Arcanjo andava como se nada tivesse acontecido.

Andava com a pistola na mão e dizia “Filho da puta, eu vou te matar”.

Reconheceram essa situação acima né? É, voltamos ao início da história.

Nós recebemos a mesma carta de Rui de Santo Cristo. A carta dizia:

“Sei que vocês dois estão putos comigo e com toda razão. Acreditem. Nada foi pessoal. Sei que vocês já conhecem a história toda e para mostrar que sou justo darei a chance de um acerto de contas. Estarei sete da noite na casa abandonada que fica na rua do galpão que nos encontrávamos esperando por vocês. Que tenham um bom dia”.

Enquanto João e eu caçávamos Rui de Santo Cristo pela cidade para matá-lo e assim antecipar o encontro o bandido fazia compras. Sim, compras. No supermercado reclamou da fila, olhou a hora e falou baixinho “Estou com tempo”.

Passou pelo estacionamento com o carrinho do mercado cheio em direção ao carro quando passou por um homem que colocava suas compras no carro. Parou e olhou o homem que acabara de colocar tudo e fechou a porta de traz do veículo.

Era Rodrigo Saldanha.

Rodrigo fechou a porta e reparou que Rui lhe olhava. Tirou os óculos escuros e perguntou “Algum problema?”. Rui olhou o homem mais alguns segundos, lembrou do momento que do quarto assistia a família ser executada por ele e respondeu “Não mais”.

Voltou a caminhar com o carrinho enquanto Rodrigo lhe observava se afastar. Rodrigo comentou baixo “Cara louco” e foi em direção à frente do carro. Abriu a porta e entrou.

Fechou a porta, colocou o cinto e deu partida.

O carro explodiu.

Enquanto Rodrigo Saldanha ia pelos ares e uma multidão se aglomerava para ver o que ocorrera Rui de Santo Cristo continuou caminhando com suas compras como se nada tivesse acontecido.

Sua vingança estava finalizada. Faltava a minha.

Às dezenove horas em ponto cheguei a tal casa. Casa enorme, em ruínas e escura. Mal dava para enxergar direito o que aumentava o perigo.

Procurei por Rui pelo primeiro andar inteiro e nada. Vi uma escadaria e decidi subir. No segundo andar, já impaciente, gritei “Apareça pra morrer filho da puta!!”.

Nada. Andei mais um pouco com a arma em punho, adrenalina nas alturas até que em um dos cômodos vi algo estranho. Parecia um quarto. Parecia não, era um imenso quarto porque tinha uma cama e vi algo sobre a cama de casal.

Aproximei e vi que tinha dois corpos. Mexi nos corpos pra ver quem era e identifiquei. Eram Rui de Santo Cristo e João Arcanjo.

Rui de Santo Cristo e João Arcanjo estavam mortos.

Gritei “Puta que pariu” e no exato momento a polícia apareceu na porta gritando “Parado aí”. Levantei os braços e um policial pegou minha arma. Respondi “Não fui eu, eu cheguei e eles estavam mortos”.

O delegado gritou “Você está preso”. Mais uma vez eu disse que era inocente e o homem respondeu “Você está preso por suspeita de matar esses dois e pelas mortes de Donato Barreto e do juiz Salomão Silveira, temos um mandato contra você”.

É. Me fodi. 

Um policial puxou meus braços pra trás e eu continuei jurando inocência. O homem não me deu ouvidos e me algemou. Fui levado enquanto ensacavam os corpos e pensei “Alguém armou pra mim. Mataram Rui e João pra jogar a culpa em mim”.

Enquanto me conduziam pra fora da casa o delegado ao lado falou “Com penas anteriores pra cumprir, acusado de mais quatro crimes, agora você vai mofar na cadeia”. Um policial chegou próximo e disse “Encontraram impressões digitais dele no corpo de Rubinho Barreto”.

Gritei que tinha uma carta pra mim em cima do corpo e o delegado riu e respondeu “Vai passar trinta anos na cadeia”.

A polícia saiu comigo da casa e na frente dela já tinha uma grande multidão e a imprensa. Tentaram me entrevistar, tiravam fotos de mim e eu abaixei a cabeça enquanto um triunfante delegado sorria e falava que mais tarde daria coletiva, mas eu era o chefe dos “Cachorros Velozes” e que com minha prisão estava desmantelada a organização.

Abriram a parte de trás da patamo e me colocaram nela. Olhava aquela multidão, os flashes das câmeras quando fecharam a porta.

E assim a viatura foi embora me conduzindo preso e abrindo caminho entre os curiosos e jornalistas.

Eu voltara a ser notícia. O maior criminoso da cidade mesmo sendo inocente. Não. Eu não era inocente. Ninguém que vive uma vida como a minha é inocente.

Eu tentava ser uma pessoa do bem, ter uma vida normal, mas a era
da violência teimava em morar dentro de mim.

E você? Se sente seguro?


FIM



ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)


JOGOS DA PAZ EM TEMPOS DE GUERRA (2° PARTE)

  
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