QUINZE ANOS: CAPÍTULO XIII - DEZEMBRO


Um Ambiente meio empoeirado, estilo anos 40. Uma pista de voo clandestina e eu estou lá.

Não só eu como Ericka e Anderson.

Vivemos em plena 2°guerra mundial e estamos em território nazista. Anderson precisa fugir e um pequeno avião está a sua espera para levá-lo embora, mas no meio tem Ericka e ela está indecisa.

Ela tem um relacionamento com Anderson, mas na verdade temos um caso, nos amamos e isso faz com que minha musa inspiradora não saiba o que fazer. Ela tem duas opções, ir embora com Anderson e nunca mais me ver ou ficar comigo e deixá-lo ir embora.

Vejo nos olhos de minha amada que ela quer ficar comigo, mas ao mesmo tempo tem medo. Eu amo essa mulher, mas sou um mulherengo e boêmio incorrigível. Estava na hora de eu dar uma prova de maturidade e amor por Ericka.

Anderson entra no avião e mando Ericka entrar com ele.

Minha musa me olha incrédula. Respiro fundo e com firmeza repito que ela deve embarcar e ir com Anderson, que ela poderia achar que não era o certo, não se arrepender por hora, mas um dia se arrependeria se ficasse.

Com ela me olhando usei todo meu charme e disse “sempre teremos Paris”.

Ericka olhou bem nos meus olhos e respondeu “Tudo bem”.

Foi minha hora de não entender nada. Pensei que ela fosse relutar, pedir para ficar, mas em vez disso começou um monte de pedidos “Faz um favor pra mim? Deixei livros na estante e umas roupas na lavadeira, dá pra pegar tudo pra mim e mandar pelo correio?”.

Eu abismado só balançava a cabeça concordando e ela continuava “As plantas tem que ser molhadas todas as noites, não se esqueça senão elas morrem. O Rex não gosta de comida de cachorro então dê angu pra ele, bote uns pedaços de bife as vezes que lhe deixará feliz. A conta de luz vence na sexta-feira deixei em cima da televisão”.

Ericka se encaminhou para a porta do avião e voltou completando “ah, hoje de manhã uns nazistas foram lá em casa querendo te matar e uma vendedor do baú da felicidade, comprei uns carnês, quem sabe não dá sorte? Fui”

E entrou com o avião partindo.

Comecei a caminhar para ir embora com Marco Aurélio do meu lado e comento “acho que está nascendo uma grande amizade”, Marco completa “depende, terei que molhar plantas também?”.

Evidente que eu estava dormindo e acordo não para ir ao colégio, mas com discussão entre minha mãe e minha avó.

Mais uma entre as inúmeras que tiveram desde que minha avó voltou. Ela esbravejava a venda de itens da casa, do carro e por minha mãe entrar na justiça requerendo minha guarda. Minha mãe revidava que se não tivesse feito essas coisas teríamos passado fome e até meu colégio estava atrasado.

Terminou dizendo que isso iria acabar porque estávamos de mudança para o Mato Grosso em janeiro.

Foi no momento que entrei na sala. Espantado perguntei por aquela história e minha mãe confirmou que a Sonja passara na prova e foi convocada logo para em janeiro de 1990 assumir a comarca de Barra dos Bugres.

Até aquele momento era tudo suposição para mim, mas se tornara oficial, eu iria embora.

No colégio comentei com meus amigos sobre a história de Barra dos Bugres e todos ficaram tristes. Gustavo perguntou quando eu partiria e respondi que na primeira semana de janeiro. Rodrigo completou que estava muito próximo e tínhamos que fazer um “bota fora”.

Luis Felipe passou a mão em minha cabeça e disse que nunca sairia da minha vida e até adultos me “encheria” e recordaríamos nossas histórias de adolescente, sorri e consolei George que estava com lágrimas nos olhos quando Marco me perguntou sobre a cidade.

Respondi que não sabia nada sobre ela, me sentia como no filme “Bye bye Brasil” e pegando a caravana “rolidei” para desbravar estradas. Marco falou que se o pai voltasse a aprontar me encontraria lá.

Dei um abraço no meu amigo quando Ericka surgiu e ele aproveitou e contou a ela que eu iria embora. Ericka se assustou e perguntou para onde. Respondi e ela me desejou boa sorte e
que eu iria fazer falta.                

Meu coração ignorava o fato dela não querer nada comigo e se empolgava cada vez que ela me tratava com carinho. O pior é que era sempre, Ericka sempre teve carinho por mim, me tratou bem e ele se confundia.

Professor Paulo de geografia nos chamou para sala de aula. Era hora da última prova a que eu teria que tirar oito.

Fiz a prova tranquilo por ter estudado muito e achava que conseguira, mas certeza não dava pra ter só quando saísse a nota.

Alguns dias depois estava em casa e minha mãe foi buscar meu boletim. Ela voltou com cara séria e eu assustado tremia por dentro com pensamento que fracassara.

De repente ela sorriu e deu um grito “você conseguiu!!”.

Eu sempre fui um cara muito emotivo e não aguentei com a notícia. Chorei muito e abracei minha mãe que também chorava numa das cenas mais comoventes e emocionantes da minha vida. Muitas vezes choramos juntos depois, quando me formei, o meu primeiro samba na avenida com ela chorando na frisa assistindo e quando ganhei Estandarte de Ouro e dediquei a ela no palco.

No mesmo dia passamos no colégio antes de ir almoçar em um restaurante de comida mineira e lá descobri que Rodrigo ficara para recuperação e Marco reprovado. O ano pro Marco foi muito confuso e aquilo já era esperado.

Meu amigo estava lá e tentei consolá-lo. Marco com aquele sorriso de sempre mandou que eu não me preocupasse que ele já esperava e que a década que começava seria diferente para ele. Tudo seria melhor.

Mas não estava de férias ainda, faltava a peça para a qual ensaiamos tanto.

Naquele mês então ensaiamos com muito afinco, mas no dia da peça fiquei nervoso. Fui ao banheiro e vomitei de tanta tensão que estava. Professora Suely foi lá e perguntou se eu estava bem, respondi que sim.

Mas não estava. Minha vontade era de ir embora.

A peça começou e da coxia eu assistia. Via as pessoas se divertindo e aquilo me acalmava. Comecei a rir junto da coxia e já me encontrava preparado para atuar.

Nunca fui ator, meu negócio sempre foi mais escrever mesmo ganhando prêmio de ator na faculdade nove anos depois. Entrei em cena e tudo saiu como planejado, me senti a vontade no palco e naquele dia percebi que queria estar perto do teatro de alguma forma para sempre.

Fomos muito aplaudidos no fim e saí do palco aliviado com a missão cumprida.

E de férias.

Isso que não me soou tão bem. Evidente que um menino da minha idade adorava quando as aulas acabavam e entrava de férias. Mas aquelas seriam minhas últimas com aquela turma com a qual estava junto há três anos, muitos dali eu não veria nunca mais.

E a Ericka poderia estar nesse meio o que me deu certo desespero.

Ela e a mãe iam embora e eu fiquei lá parado sem ter reação nenhuma. Ericka me viu e voltou para falar comigo. Passou a mão em meu cabelo, deu um beijo no meu rosto e desejou boa viagem para Barra dos Bugres, me deu um papel com seu telefone falando para que eu ligasse quando estivesse no Rio e endereço de sua casa para que eu mandasse um postal.

E assim ela foi embora sem eu falar nada. Minha timidez impediu que eu falasse tudo o que sentia, deixei a mulher da minha vida ir embora para sempre e eu não fui capaz de dizer um “te amo” pessoalmente.

Fiquei ali parado inconformado comigo mesmo, chorando por dentro quando meus amigos chegaram e me puxaram para ir pela última vez ao Zamak.

Ali falamos besteiras, rimos e eu consegui esquecer por instantes minha frustração com a Ericka.

O clima continuava ruim lá em casa. Jorge Hipólito voltara ao Mato Grosso do Sul para as festividades de fim de ano e minha mãe e minha avó não se falavam comigo ficando no meio do tiroteio.

Minha avó assumiu o controle sobre os aluguéis dos fuzileiros e novamente ficamos duros. A situação só não ficou pior porque minha avó teve a consciência de me dar um dinheirinho por semana que eu repassava a minha mãe.

Mas chegou a hora da verdade na justiça. Fomos convocados a ir lá ao meio de uma nova viagem de minha avó, daquela vez ao Sul, a juíza comunicou que a guarda era de minha mãe. Ela vencera na justiça.

A partir de janeiro de 1990 ela receberia a pensão de meu avô e seria a responsável por minha criação. Resolvida a última pendenga da viagem para Barra dos Bugres.

A proximidade da virada de ano e de uma nova vida tão longe do Rio de Janeiro me assustava. Eu nasci e fui criado na mesma casa na Ilha do Governador, conhecia todo mundo aqui e chegaria a um lugar que nunca ouvira falar na minha vida. A população da cidade mato-grossense era menor que a do meu bairro.

Mas tentava viver e curtir aqueles últimos momentos no Rio de Janeiro.

As vezes saía com meus amigos. Jogávamos tênis nas quadras do aterro do Cocotá, o Temporal fazia suas partidas, íamos ao Patin House, tudo seguia seu rumo.

Uma tarde Luis Felipe me ligou dizendo que descolara o carro do pai, que viajara perguntando se queria ir ao drive in com ele.

Respondi que evidente que não queria. O que eu iria fazer com homem em um drive in? Ele riu e respondeu que claro que não iríamos sozinhos, duas meninas iriam junto.

Isso começou a me interessar.

Por incrível que pareça até a primeira década do século XXI a Ilha tinha um drive in perto da entrada do bairro. Por muitos anos foi a única opção de cinemas do bairro até que surgiu o shopping.

No horário combinado ouvi a buzina e era o Felipe com duas meninas no carro. Entrei no veículo cumprimentando meu amigo que estava na frente com uma menina e cumprimentando a menina que sentou comigo no banco de trás. Ela estava com cara de “poucos amigos” e ali percebi que a noite seria longa.

Felipe com quinze anos dirigindo pelas ruas da Ilha do Governador. Se a polícia nos pegasse estávamos ferrados.

No drive in com o carro parado tentei puxar papo com a menina e perguntei seu nome, ela respondeu “Bia”. Esperei um tempo achando que ela perguntaria meu nome, mas a Bia não perguntou. Contei que me chamava Quinzinho e a garota respondeu “que bom pra você”.

O filme rolava, Karatê Kid 3 e na parte da frente do carro Felipe e a menina davam altos amassos. Bia continuava emburrada do meu lado e eu não sabia como proceder. Aos poucos coloquei minha mão em seu ombro e ela irritada disse “faz logo o que quer, bota a mão no meu peito”.

Olhei pra ela perguntando “hein?” e ela falou que eu era “muito mole” me empurrando e dando um beijo.

Luis Felipe e a menina na frente, eu e Bia atrás, minha primeira relação sexual sem pagar. Vi nada do filme nesse dia só consegui ver em vídeo cassete meses depois.

Levamos as meninas em casa, eram irmãs e ficaram no mesmo lugar. Enquanto Luis Felipe dava beijos fogosos na sua eu todo romântico fazia carinho no cabelo de Bia pedindo seu telefone e ela recusando-se a dar.

Olhei espantado e a menina com cara mais normal do mundo completou “eu só queria sexo”.

Luis Felipe me chamou e entramos no carro. Enquanto ele dava a partida eu contei “Fui usado, só me queria pra sexo”. Felipe riu e partimos.

Essa época foi a reta final das eleições presidenciais e eu empolgado via o Lula encostar cada vez mais no Collor em busca da presidência. Lula deu um show no primeiro debate entre os candidatos a presidente, mas no segundo o Collor se saiu um pouco melhor.

Mas não tão melhor quanto a edição feita pelo Jornal Nacional mostrou, o que praticamente decidiu a eleição.

No domingo 17 de dezembro de 1989 olhei as pesquisas boca de urna com uma grande tristeza ao ver que o Lula perderia. Liguei para Raquel e ela chorava pelo sonho terminado. Com os dias a vitória do Collor foi confirmada e só me restou a esperança que um dia o Lula fosse presidente do Brasil e o Collor fizesse um bom governo.

Bom governo, piadista eu..

Minha vó voltou ao Rio para as festividades de fim de ano. Não só ela como tia Rachel e tio Flávio também vieram de Curitiba com Fabinho.

Aproveitando que eles estariam aqui tia Rosanne veio com tio Eduardo e Bruno de Niterói para também passarem as festividades aqui.

 Ainda tinha uns quartos vagos que não foram alugados para fuzileiros e a casa que na maior parte do ano ficou vazia estava lotada.

Tirando o fato de minha mãe e minha avó não se falarem a casa estava bem animada com a presença de meus tios e das crianças. O Natal chegou e como sempre minha mãe montou a árvore que ficou linda.

Enquanto assavam peru e pernil tomei coragem de ligar para Ericka desejando feliz Natal, mais uma vez não falei o que sentia.

A família se reuniu para ceia e me incomodava ver as duas que se amavam tanto sem se falar. Chegou meia noite e entre as trocas de presentes e abraços finalmente elas se abraçaram aos prantos e se desejaram felicidades. Emocionado abracei minhas “duas mães”.

Passei infância e adolescência convivendo com essas duas mulheres maravilhosas que amarei para sempre.

A semana passou e dia 31 de dezembro minha mãe veio com a ideia louca de todos irmos à Copacabana pra virada. Ela sempre teve o sonho de passar reveillon lá, mas nunca foi encampado por nós. Só que naquele ano minha avó se interessou e meus tios embarcaram na ideia.

Eu que sempre odiei multidão não gostei muito e fui de mau humor.

Chegando a Copacabana meu sentimento mudou. Eu sempre gostei do bairro, pensava um dia morar lá e aquele ambiente tomado de esperança e felicidade me sensibilizaram.

As pessoas de branco carregando champanhe, flores, se confraternizando na areia me fez entrar no clima. Perto da contagem regressiva com os primeiros fogos estourando no ar comecei a lembrar de meu ano.

Que ano intenso foi meu 1989 e como passou rápido. Começou com uma viagem a Maceió, uma paixão louca pela Fabiola, carnaval, braço quebrado no Patin House, amor pela Ericka, fortalecimento de amizades, nascimentos, casamentos, divórcios, mortes de Joaquina e Jorge Guilherme, teatro, futebol, aniversário, perda da virgindade, grêmio estudantil..

..e fechar o ano em Copacabana sabendo que em uma semana iria embora do Rio de Janeiro.

Chegou meia noite trazendo em seu colo a nova década, 1990. Todos se abraçaram e como sempre minha mãe chorou com virada de ano.

Eu deslumbrado olhava aqueles fogos maravilhosos no céu pensando no que o futuro me reservava. Lembrei de um samba antigo da União da Ilha e pensei “O meu destino será como Deus quiser”.

Feliz ano novo



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