SEMANA DA COPA - CONTO INÉDITO : A FINAL DO LAGARTÃO





A comunidade do lagarto albino, zona Oeste do Rio de Janeiro, era uma comunidade que diziam pacificada. Uma UPP foi instalada lá depois de que a PM deu uma “esculachada” num crackudo que depois descobriram ser filho de ministro.

Mas sabe como é né? Pacificada até a página três. Na verdade a “rapaziada” continuava mandando no complexo, assim como a milícia dava suas “voltinhas por lá”. A comunidade do lagarto albino era grande demais pra polícia fluminense dar conta e ela nem queria dar tanta conta sim.

Pegando “o seu” já estava bom.  

Mas a guerra “era fria”. Ninguém dava tiro, ninguém metia porrada, ninguém morria. Cada um ganhava seu dinheiro na moita e sem incomodar o outro. No lagarto albino o crime era realmente organizado.

Rivalidade entre eles só se exacerbava mesmo no campeonato de futebol da comunidade. O popular “Lagartão”. 

O lagartão era o campeonato mais popular de favelas do Rio de Janeiro chamando atenção até da imprensa especializada no bom e violento esporte bretão além de visitas de autoridades. Por ser uma comunidade pacificada a favela recebia uma série de patrocínios e o cheque do time campeão era bom. Cem mil reais.

Mais de trinta times eram formados. Desde aquele cheio de moleques que voavam e poderiam estar num time profissional até daqueles barrigudos que parecem querer mais que o jogo acabe pra tomar um chopp e comer um churrasco.

Verdadeiras guerras, times ávidos pela taça e o prêmio, assim foi rolando o lagartão até que chegamos aos dois melhores times. A grande final.

O Dínamo do buraco frio e o Real lacraense.

Os times vinham das duas localidades mais populares da comunidade e eram rivais também o que aumentava o drama daquela final. Na verdade o morador de um odiava o do outro, era um Brasil x Argentina versão favela.

Muitos interesses em jogo naquela final. Os olhos do Rio de Janeiro voltados para a favela. Até o governador do estado confirmou presença.

Claro que daria merda. 
  
Como todo evento esportivo que chama atenção rolavam apostas em cima da final do lagartão e as mesmas estavam frenéticas. A mídia falava de tal forma do jogo na favela que a peleja deixou em segundo plano até um amistoso da Seleção brasileira pré copa do mundo. As cifras da apostas chegavam a milhões de reais.

Muita gente ganharia um bom dinheiro dependendo do resultado.
E amigo. Onde tem dinheiro o capeta vem junto.

Um dia o zagueiro do Dínamo Zequinha Gardenal bebia na birosca da localidade quando uns moleques escondendo as pistolas na cintura devido a UPP lhe chamaram. Zequinha desconfiado foi com um deles no canto quando o moleque disse “o chefe quer falar com você”. 

O chefe em questão era Jesuíno Boa Morte. Um cearense brabo, com mais de 200 mortes nas costas e que comandava o tráfico local, mesmo com UPP.

Zequinha foi ao encontro do traficante que segurava uma bíblia e orava. Os homens mandaram que ele esperasse, pois Jesuíno estava orando. Sim o traficante era evangélico, matava em nome do senhor.  

Jesuíno parou de orar e sem rodeios disse “Jesus apareceu em sonho e me mandou apostar na derrota de vocês, eu apostei”. Zequinha sem jeito disse que ele iria perder.

Jesuíno deixou a bíblia de lado, botou bala no revolver e calmamente disse a Zequinha “Jesus nunca erra”.

O zagueirão ficou pálido, não sabia o que dizer e Jesuíno completou “eu quero que vocês percam, vocês vão perder de propósito”. 

Zequinha disse que era contra seus princípios e Jesuíno completou “300 mil pra vocês se perderem”. Na hora Zequinha estendeu a mão e disse “fechado”.  

No outro lado da comunidade, na localidade da lacraia o artilheiro Paulinho Seboso conversava com o sargento Mendonça, o homem que comandava a milícia e tinha 434,5 mortes nas costas. O sargento fazia a mesma proposta, queria uma derrota do Real e o acordo era firmado.

Desse jeito os dois times foram corrompidos para perder.

Eles gastariam 300 mil com os jogadores caso desse certo e evidente que ganhariam muito mais nas apostas. Era negócio lucrativo.

O grande dia chegou e o campinho do lagarto estava lotado. Pessoas se amontoavam em arquibancadas de madeiras, em cima de árvores e o governador suando as bicas sentou em uma arquibancada em separado sendo abanado por puxa sacos.

O juiz chamou os times para o cara e coroa e antes de jogar a moeda numa atitude de fair play Zequinha cedeu ao capitão do Real a chance de escolher bola ou campo. O capitão adversário nada entendeu e eles ficaram nessa de um jogar para o outro até que o juiz enfurecido disse “Parem de viadagem, você escolhe o lado e você dá a saída”. 

O jogo começou pelos pés do Real que logo foi recuando a bola, recuando, até chegar no goleiro que deu um chutão e a bola caiu nos pés do Dínamo. Aí a equipe “buracofriense” foi recuando, recuando, até chegar no goleiro que deu um chutão.

O jogo ia rolando assim, toques de bola pra trás e chutões ganhando em alguns minutos vaias da torcida. O governador se enxugava do suor e nada entendia perguntando aos assessores “que porra é essa?”. A torcida já urrava de ódio quando o juiz chamou os capitães.

Irritado perguntou “Que merda de jogo é esse que você estão fazendo?” Zequinha respondeu “Nada professor, o time deles é muito bom, o jogo ta duro” enquanto o capitão adversário respondeu “Nada, o time de vocês que é muito bom”. Um ficou devolvendo os elogios pro outro até que o juiz interrompeu e puto gritou “vamos jogar porra!!”.

Os times voltaram a jogar ou fingir que jogavam e continuaram tomando vaias e gritos de “queremos raça” acompanhados de outros xingamentos piores e impublicáveis. O jogo se desenrolava assim até o fim. 

Faltando um minuto para o fim Zequinha deu um chutão da defesa como fizera várias vezes durante a peleja. Mas o goleiro adversário conversava com uma menina com quem combinava sair mais tarde e não viu a bola chegar.

Assim a bola entrou e o placar foi inaugurado.

A torcida do Dímano delirava enquanto a do Real entrava em desespero. Zequinha dizia aos colegas que não tivera culpa, tinha chutado apenas para se livrar da bola e o jogo assim chegava próximo ao seu fim.

Em desespero o Dínamo deu a saída, o centroavante deu um bico pro seu goleiro que deixou a bola entrar por suas pernas e o jogo estava novamente empatado.

Logo após o juiz encerrou a partida. O jogo acabava em 1x1 e iria para os pênaltis. Zequinha Gardenal puxou Paulinho Seboso em um canto e disse “vocês tem que ganhar esse jogo” com Seboso devolvendo “quem tem que ganhar são vocês”.

As cobranças de pênalti começaram com Seboso chutando pra fora. A torcida do Dínamo fazia a festa quando Zequinha fez o mesmo. Todos os jogadores erraram suas cobranças e a disputa chegava nas alternadas em 0x0.    

Ninguém entendia o que ocorria e o clima de suspense e apreensão aumentava a cada momento. Nas alternadas todos erraram até que chegou ao décimo primeiro jogador do Real, Pedrinho Zarolha.

Zarolha pegou a bola, se encaminhou até a área, colocou a bola na marca fatal, tomou distância e..

..fez o gol.

A torcida do Real fazia a festa enlouquecida nas arquibancadas enquanto o time queria pegar Zarolha na porrada. O jogador desesperado dizia que tinha mirado pra fora.   

Chegou a hora do último pênalti do Dínamo. Maneta do cavaco iria bater.

Clima de apreensão tomou conta do campinho. Maneta tomou distância, correu em direção a bola e chutou.

Bola pra fora, bateu na rede por fora e foi embora.

A torcida do Real comemorava o título, os jogadores do Dínamo a derrota quando o juiz gritou gol. Ninguém entendeu nada, o dois times cercaram o árbitro que repetia “a bola entrou”.

A imprensa invadiu o campo, todos cercaram o juiz. O time do Dínamo queria bater no homem de preto enquanto ele repetia que a bola entrara e o jogo empatara de novo. Era nítido que a bola tinha saído e batera na rede pelo lado de fora. Até o Zarolha percebeu, a rede não estava furada, mas o juiz estava irredutível.

Até que diante de tanta confusão o juiz decidiu encerrar o jogo dando a peleja como empatada e o título para o dois.

Sargento Mendonça e os milicianos invadiram o campo assim como Jesuíno e sua quadrilha. Os ânimos se exaltaram de vez e um tiroteio começou entre as duas quadrilhas. O governador foi levado embora às pressas dentro de uma patamo da PM levando a taça consigo.

No dia seguinte a final do lagartão era manchete em todos os jornais. A final que acabara empatada nos pênaltis, com dois campeões e duas quadrilhas, uma de traficantes e outra de milicianos presas.

Tudo deu errado naquela final, menos para uma pessoa.

Menos para o juiz que foi o único a apostar no título dividido e levou toda a grana das apostas.


Ah, o futebol...


Amanhã a “Semana da copa” continua com “O clube dos 23 especial: Seleção brasileira”.    



SEMANA DA COPA:

JOGAI POR NÓS BRASIL

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