O JOGO QUE DUROU DOZE ANOS


*Coluna publicada no blog "Ouro de tolo" em 10/6/2014


O Pedro Migão pediu, ele só sabe pedir, aos colunistas que escrevessem sobre seus jogos especiais de copa do mundo. Rapidamente vários disseram quais jogos queriam falar e eu fiquei em dúvida entre dois.

Não foram apenas dois jogos de copas que me marcaram. Curto muito o evento, acompanho há mais de trinta anos e algumas das grandes emoções boas e ruins que passei com futebol foram nelas. Mas dois jogos estão em especial dentro de mim. Poderia botar esses dois jogos e mais a semi do brasileiro de 1987 Flamengo 3 x 2 Atlético como os jogos da minha vida.

Até que finalmente eu percebi que esses dois jogos, pelo menos em minha mente e coração, não se separam. Seriam como um jogo que durou doze anos.

Falo de Brasil x Itália.

A Itália é ampla freguesa do Brasil. A “Azurra” nos venceu na semi da copa de 1938 e algumas outras pouquíssimas vezes. Entrou como coadjuvante naquele que foi um dos grandes momentos de nosso futebol. A consagração de uma das maiores gerações que já chutou uma bola em todos os tempos tomando de 4 desse time em 1970 e apesar de toda sua tradição não ganhava nada a 44 anos. Não era pouco tempo.

O Brasil não ganhava uma copa desde 1970, é verdade, mas sempre chegando pelo menos entre os quatro primeiros e aquela era uma copa especial. Uma das maiores gerações de nosso futebol, a maior desde a histórica de 1970 se reunia para ganhar a copa do mundo.
Sim. Ganhar a copa do mundo ou alguém duvidada que aquela geração de Zico, Júnior, Sócrates, Falcão venceria? O Brasil vivia um grande momento no futebol. O esquadrão comandado por Zico, o Flamengo, era campeão do mundo e Telê Santana sabia como ninguém conduzir e tirar o máximo daqueles atletas.

Ruas enfeitadas, brasileiros eufóricos, músicas sobre a copa estourando nas paradas e quatro primeiros jogos mostrando toda nossa supremacia e que a conquista era questão de tempo.

Faltavam apenas três jogos para o tetra e o primeiro nem precisava vencer. Bastava empatar com a Itália em crise.

Em crise no futebol, em crise no relacionamento dos jogadores com a imprensa, vinda de um escândalo de armação de jogos em seu campeonato onde vários jogadores de renome foram punidos.

Evidente que o Brasil trituraria a Itália.

Não aconteceu.

Não aconteceu porque o futebol, ao contrário de outros esportes, não permite vencedor de véspera e sua história, principalmente de copa do mundo, mostra isso. Não aconteceu porque a Itália tem camisa, não é uma seleção qualquer e aconteceu porque ao contrário do que muitos dizem ela tinha um timaço.

Brasileiro sempre perde, nunca é o outro que vence. Um de nossos grandes defeitos.  

Na época do jogo eu era muito pequeno, cinco anos, mas lembro bem, aquele 5 de julho de 1982 deve ser a minha lembrança futebolística mais forte da infância.
Lembro dos gols de Paolo Rossi, um dos punidos pelo caso da máfia da loteria. Lembro das pessoas chorando, o desespero, a depressão. O Brasil sangrava como se sofrera uma punhalada no peito. Um país que coloca o futebol como uma das razões de sua existência e trata uma derrota como aquela como uma Hiroshima sob a bomba atômica. Graças a Deus somos exagerados por natureza e essa bomba não mata, só deixa lembranças.

Eu, na minha inocência infantil, torci pela Itália porque tinha medo  dos fogos soltados quando o Brasil vencia e do buzinaço que minha família fazia pelas ruas do Rio a cada vitória. O egoísmo infantil sempre é perdoado. Mesmo que o adulto se sinta culpado por ter gostado de um resultado que causou tanta dor.

Ano passado decidi rever esse jogo na íntegra no youtube. Rever não, ver, porque com cinco anos vi nada. É um desespero mesmo sabendo tudo o que ocorreria, como seria. Você vibra, torce, se angustia, fica desesperado no fim torcendo por uma traquinagem do vídeo tape e o Brasil empatar o jogo. Mas o empate não vem.

Emocionado com o jogo se encerrando ouço o saudoso Luciano do Valle dizer “Nunca esqueceremos esse jogo”.

Realmente nunca esqueceremos esse jogo.

Ou seria do primeiro tempo?

Não gosto de envolver Deus em questões esportivas. Não acho que ele defina vencedores e vencidos. Mas acho também que Ele é capaz de dar segunda chance a quem merece e o Brasil recebeu.

O apito encerrando o jogo de 82 na verdade foi do fim do

primeiro tempo. Tivemos o “show do intervalo” e uma preleção de doze anos. Confesso que acho que a preleção não foi muito boa.

Porque aquele futebol vistoso de 1982 foi sumindo aos poucos, sumindo, sumindo, até chegar 1994.

A copa de 1994 encontrava um Brasil diferente de 1982. Um Brasil vivendo em era democrática, que acabara de derrubar um presidente por corrupção e estava prestes a viver dias melhores na economia com um novo e definitivo plano de governo.

Um Brasil que chorava a morte de um grande ídolo esportivo, mas do automobilismo, não do futebol, porque esteve passava uma crise.

Tínhamos ainda alguns grandes jogadores, mas não mais como em 1982. Não tínhamos um futebol vistoso, muitas vezes viram nosso futebol como covarde, retranqueiro e depois de uma sofrida classificação fomos para a copa rezando para pelo menos chegar nas quartas de final.

Evidente que não arrumaríamos nada naquela copa.

Opa!! Evidente de novo?

Arrumamos. Aos pouco fomos convencendo, vencendo, enxergando num tal de Romário o melhor jogador do mundo e dessa forma chegamos ao segundo tempo com a Itália.

O segundo tempo apresentou um nível de jogo bem abaixo do primeiro. Quem for ver com isenção e sem emoções verá um jogo sofrível, de dar sono. Mas ninguém teve sono em 17 de julho de 1994.
O dia do segundo tempo esperado por doze anos.

Um jogo tenso, angustiante, com poucas chances de gol, mas chances que nos desesperavam quando desperdiçadas e alguns sustos, poucos, mas sustos que levávamos na defesa que nos lembrava o fantasma de Paolo Rossi.

Mas ao contrário do primeiro tempo de 1982 nossa defesa de 1994 era muito boa.

Um 0x0 teimoso resistiu no tempo normal, prorrogação e o jogo foi para os pênaltis.

Eu não tinha mais cinco anos. Tinha dezoito e morava com a minha mãe no Mato Grosso. Não tinha mais medo de fogos ou carreatas. Mas estava apavorado com aquela disputa de pênaltis.

Para minha geração, que nunca vencera uma copa do mundo, era a aproximação de nosso maior sonho, ou de nossa maior decepção. Em uma disputa de pênaltis.

Todos os sonhos, traumas acumulados ao longo dos anos nos pés daqueles jogadores. Tudo para ser decidido em cobranças de pênaltis. Era angustiante demais, cruel demais.  

Minha mãe não aguentou e foi para a cozinha. Eu chorando assisti pênalti por pênalti sozinho. As lágrimas aumentavam a cada cobrança e se descontrolaram após o gol de Dunga.

Faltava um.

Minha mãe voltou para o quarto para assistir o último pênalti italiano. O de Roberto Baggio.
Eu chorando segurei forte sua mão e repetia baixinho “tetra, tetra” enquanto ele corria.

Depois que ele correu e chutou eu não sei bem explicar o que ocorreu comigo.

Passei por algumas grandes emoções na minha vida. Mas ouso dizer que nada se compara àquele momento. Os gritos enlouquecidos de tetra de Galvão Bueno, a música que era trilha das vitórias de Ayrton Senna tocando e eu num choro desesperado, descontrolado como nunca tive antes nem depois na minha vida. Um choro de berrar, enlouquecido com minha mãe me abraçado chorando e pedindo para que eu tivesse calma.  

Mas eu não conseguia me acalmar. Eu não queria me acalmar.

Até hoje quando lembro daqueles momentos me veem lágrimas nos olhos. Pela emoção da conquista e por hoje saber que aquele talvez tenha sido meu momento mais forte com minha mãe em todas nossas vidas.

Ali finalmente o jogo de doze anos se encerrava e todos podiam descansar.

Obrigado Waldir Peres, Taffarel, Leandro, Jorginho, Oscar, Aldair, Luizinho, Márcio Santos, Júnior, Branco, Falcão, Mauro Silva, Cerezo, Dunga, Sócrates, Mazinho, Zico, Zinho, Serginho, Bebeto, Éder, Romário, Telê, Parreira, suplentes que entraram, Paolo Rossi, Roberto Baggio e todos os italianos.

Naquele jogo de doze anos não existiram vencidos.


O futebol venceu.


5/7/1982
Itália 3 x 2 Brasil
Local: Estádio Sarriá (Barcelona – Espanha)
Público: 44.000 pagantes
Árbitro: Abraham Klein (Israel), auxiliado por Chantam-Sung (Hong-Kong) e Dotschev (Bulgária)

Itália (4-1-4-1): 1-Zoff; 13-Oriali, 7-Scirea, 5-Collovati (3-Bergomi) e 4-Cabrini; 6-Gentile; 16-Bruno Conti, 14-Tardelli (11-Marini), 9-Antognoni e 19-Graziani; 20-Paolo Rossi. Técnico: Enzo Bearzot

Brasil (4-2-3-1): 1-Valdir Peres; 2-Leandro, 3-Oscar, 4-Luisinho e 6-Júnior; 5-Toninho Cerezo e 15-Falcão; 8-Sócrates, 10-Zico e 11-Éder; 9-Serginho (7-Paulo Isidoro). Técnico: Telê Santana


17/7/1994
Brasil 0 x 0 Itália
Local: Pasadena / Los Angeles ( Estádio Rose Bowl)
Público: 94.394
Árbitro: Sándor Puhl (Hungria)
Brasil: Taffarel, Jorginho, depois Cafu, Aldair, Márcio Santos e Branco; Mauro Silva, Dunga, Mazinho e Zinho, depois Viola; Bebeto e Romário. Técnico: Carlos Alberto Parreira
Itália: Pagliuca, Mussi, depois Apolonni, Baresi, Maldini e Benarrivo; Dino Baggio, depois Evans, Donadoni, Berti e Albertini; Roberto Baggio e Massaro. Técnico: Arrigo Sacchi.

  

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