A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 10/3/2013



Em 1996 eu fiz uma música que continha versos como “acesso uma home page na internet/meus fracassos agora passam via satélite”.

Eu nunca tinha acessado a internet na vida nem tinha TV a Cabo, mas não era burro, fiquei com o tempo, sabia a transformação que ocorria no mundo.

Antigamente se você cometia um desvio de conduta o máximo que ocorria era ficar marcado pela vizinhança. Digamos que o nobre leitor se apaixonou por uma cabrocha, amasiou-se com a mesma e a patroa descobriu. Em outros tempos daria um qüiproquó danado. Uma vizinha espalharia para outra na hora de pedir um pouco de açúcar ou na frente do colégio esperando os filhos.

Pronto, em pouco tempo a vizinhança toda saberia e quando você passasse com olho roxo e na coleira guiado pela esposa na rua ouviria ao fundo risadinhas e comentários.

Hoje em dia se o caro leitor decidir pular a cerca e praticar o violento esporte bretão é capaz de parar no twitter, facebook, tirarem fotos e colocaram no instagram, ganhar meme, gif, virar assunto em blog e a sua simples escapadinha poderá ser notícia até no Japão mesmo que você não seja famoso.

Antigamente era uma dificuldade desgraçada pra ver uma mulher nua. Você moleque pedia cheio de vergonha para um homem mais velho comprar Playboy na banca e ficava tarado só em ver comercial de lingerie.

Hoje quem tem tv a cabo pode assinar sex hot, for man, playboy tv e mais um monte de canais de entretenimento adulto. Liga o computador e tem xvideos, pornotube, sextube e um monte de sites de onanismo on line.

E na verdade nem é necessário tudo isso. Se antigamente o rapaz tinha que ir ao baixo meretrício para ver uma mulher nua ao vivo hoje basta ter um computador. Dizem as más línguas que Deus criou o computador e o Diabo a webcam. A galera se anima, a mulherada já não tem o pudor de antes e dessa forma as seções “caseiras” e “amadoras” nesses sites acabam sendo os mais visitados e os que mais recebem material na velocidade do mundo moderno.

Assim é capaz do adolescente que tecla com a mão esquerda porque a direita está ocupada descobrir que aquela vizinha, colega de sala de aula ou amiga da mãe que ele tem tesão “caiu na net” tornando-se uma pessoa famosa.

E dessa forma se criam celebridades instantâneas. Seja a menina que mostrou os seios na webcam e tomou “print” ou a que tirou fotos transando com o namorado que virou ex e esse pra se vingar espalhou as fotos na internet, seja a que deu selinho no jogador de futebol ou a que foi filmada transando no mar.

Todas viram celebridades instantâneas. Aparecem em programas vespertinos de tv entre um e outro anúncio da Top Therm e fingindo constrangimento contam que receberam convites para posarem nuas e de como a “invasão de privacidade” atrapalhou suas vidas.

Geisy Arruda que o diga. 

Isso se o seu “crime” foi pequeno. Se for maior os holofotes estão garantidos de vez por emissoras mais poderosas de programas líderes de audiência. Criamos diversas celebridades nesse século como o “maníaco do parque”, irmãos Cravinhos”, Suzane Von Richthofen, Gil Rugai, o casal Nardoni, Elisa Samúdio, Macarrão e agora o garoto do sinalizador.

A sociedade enlouquece, a imprensa pira. Audiência na estratosfera para ver o que essas personalidades têm a dizer ou matérias sobre a morte delas como no caso da Elisa.  O povo vibra. O povo ama odiar essas pessoas. Senta na frente da TV e babando diz “canalha, que apodreça na cadeia”. Sensibiliza-se com o drama de quem nunca viu na vida mesmo não sabendo como vai pagar a TV de plasma que assiste ao programa ou mesmo onde arrumar dinheiro pra comer no dia seguinte.

A mídia te faz íntimo da vítima e vítima do vilão. É a novela em tempo real da vida real. A socialização e democratização do crime.

Não é Fantástico???

Bem vindo a “Sociedade do espetáculo”.

Essa sociedade não concorda com a tese que “se um cachorro morder uma pessoa não é notícia, mas se a pessoa morder o cachorro é”. Para ela tudo é e tudo pode ser notícia desde um casal dando uma rapidinha na praia, o beijo de um jogador de futebol no trânsito, um goleiro que mata a amante ou um papa que renuncia.

Bento XVI é pop, Bruno é pop, Geisy Arruda é pop, o líder da semana no BBB é pop e o pop não poupa ninguém. A sociedade do espetáculo faz o ídolo nacional da última semana como o vilão também até que novo assunto surja.
Citando novamente o BBB, um dos maiores exemplos dessa sociedade do espetáculo, temos a cada semana o líder, o anjo e o emparedado.  O BBB que a cada começo de ano nos impõem anônimos a quem temos que tratar como celebridades e heróis apenas por ficarem coçando o saco e nadando em piscina durante três meses. Heróis que pensam que a capital de Rondônia é Roraima nos fazendo crer que a maior prova de resistência que podem receber é teste de QI.  

E toma IBOPE alto, tome anunciantes, tome dinheiro entrando até que o programa acaba e aos poucos o ídolo BBB é mastigado e cuspido pela sociedade do espetáculo para permitir o surgimento de um novo cantor sertanejo ou de axé cuja música Neymar fez uma dancinha comemorando gol ou mesmo um jovem jogador que arrebentou num clássico e a imprensa tem que mostrar sua origem humilde e fotografá-lo pegando ônibus para ir ao treino.

Ta sem assunto? Saia na noite atrás do Adriano pra lhe fotografar fazendo besteira. Adriano ta fora da mídia? Entrevistem o primo do sobrinho do vizinho do carteiro que entrega cartas para o gerente da fazenda do Bruno.

Um monte de padres e bispos foram denunciados por comer criancinhas? O Papa renuncia. Tudo é notícia então pra se desviar um foco basta uma fagulha.

Seja a fagulha de um sinalizador em uma boate fechada ou em um campo de futebol pra sair na imprensa “Extra!! Extra!! Tragédia em Santa Maria!! Cidade que mal conhecemos e daqui um mês nem vamos lembrar mais!! Daremos nomes, mostraremos fotos e histórias de vida porque assim vocês vão se emocionar, chorar, nos dar audiência e nossos anunciantes ficarão felizes”.

“Extra!! Extra!! Clube que nós elegemos como querido e exemplo de organização, que demos toda mídia possível pra ter audiência de sua torcida e de quem lhe odeia agora vai apanhar até sangrar pra  continuarmos com essa audiência!!”.

“Extra!! Extra!! Novo Papa doa toda a  fortuna do Vaticano aos pobres!!”. Não, isso você não vai ver. O catolicismo doar sua fortuna diminuiria bruscamente a miséria de seus seguidores e um mundo sem fome é péssimo para a sociedade do espetáculo.

Um mundo sem miséria não permite que artistas se juntem para gravar uma música, que programas de TV façam matérias e ganhem prêmios Emmy. 

“Extra!! Extra!! Silas Malafaia decide parar de pregar o ódio, a condenação de minorias e diz que agora é emissário do amor!!”.

Essa também não veremos de gente que acha que a bíblia tem que ser temida e não alvo de conhecimento. Pessoas que confundem “Deus justo” com “Deus algoz”. Até Deus transformaram em espetáculo, Jesus Cristo Superstar. Ainda bem que meu Deus e meu Jesus são bem diferentes dos que eles pregam.

A sociedade do espetáculo só quer se feliz. É apenas uma gigantesca vizinhança que se alvoroça quando o cara pula a cerca e arruma uma amante. Que curte e dá RT na miséria humana e na humanidade miserável. Uma aldeia global que se reveza entre platéia e protagonistas.

O componente da sociedade do espetáculo só quer aplaudir o palhaço que está em cena.

Mesmo que o palhaço seja ele. 

Nota do autor – Depois da coluna enviada surgiu a notícia da morte do presidente venezuelano Hugo Chavez. Figura polêmica, controversa que provoca amor e ódio. Evidente que a sociedade do espetáculo já está se aproveitando e nesse momento em que escrevo só se fala nisso nas redes sociais e televisão. Alguns lamentam, muitos comemoram seguindo o lema “vida de gado/povo marcado/povo feliz” e um novo grande assunto temos em voga. 

Ele foi bom? Foi ruim? Tanto faz, é notícia




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