AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO XXIV - ZÉLIA


Encontrei Yara alguns meses depois. Totalmente diferente. Vestida como executiva e compenetrada mexendo num notebook. Havia casado com um moleque nerd que se tornou bilionário criando um aplicativo de celular.

Meu velório passava por um momento tranquilo. Chovia torrencialmente no Rio de Janeiro e as pessoas estavam quietas. Começara no Maracanã o Flamengo x Vasco e todos acompanhavam como podiam.

Alguns com rádios, outros celular com tv. Todos davam um jeito de acompanhar e me esqueciam lá no caixão em meus últimos momentos.

Alguns sussuros de “uuuhhh”, “ahhhh”. “chutaaa”, “tiraaa” eram ouvidos na capela, até o padre ouvia o jogo. Fora decidido que eu seria enterrado assim que o jogo acabasse.

O fim estava próximo...

Os sussurros viraram gritos e cânticos de torcida com meu velório parecendo arquibancada do Maracanã. A parte rubro-negra xingando o Vasco e a parte vascaína xingando o Flamengo. De repente uma gritaria toma conta do velório. Era gol do Vasco. Os vascaínos comemoram, tiram sarro dos rubro-negros e meu sorriso imediatamente some no caixão. Se eu pudesse levantava dali e acabava com aquela palhaçada.

Ninguém nem percebeu quando um grupo novo entrou no velório. Uns caras fortes, com blusa aberta até altura do peito, cordões, pulseiras e óculos escuros. Meu avô percebeu e perguntou o que era aquilo, um dos homens perguntou quanto estava o jogo e ele respondeu “1x0 Vasco” com o cara soltando um “merda”. O mesmo homem respondeu que eles faziam parte de um grupo chamado “discípulos de Jece Valadão” onde cultuavam figuras como Jece Valadão, Wando, Valdick Soriano, Chuck Norris, Charles Bronson e Michael Jackson, os maiores machões da história.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas o meu avô perguntou o que eles queriam lá. O homem respondeu que homenagear um dos maiores machões da história. Eu.

Eles estavam certos, eu era mesmo.

Eva soltou uma gargalhada que soou a mim como insulto e perguntou se eles tinham certeza que estavam no velório certo. O homem respondeu que sim, que eu era um dos poucos machões que restaram no mundo, do tipo que mordia a abelha pra comer o mel e minha morte era uma lástima.

Eva deu um risinho contido e gritaram “pênalti” no recinto.

Todos pararam pra descobrir pra quem e falaram que era pro Vasco.

A tensão tomou conta do local, até que o jogador do Vasco bateu e o goleiro do Flamengo defendeu. Gritos histéricos foram ouvidos do velório. Do grupo de machões que percebendo a gafe pediu desculpas. O velório prosseguia com a tensão do jogo e os machões tentando convencer que eram machões e que eu também era, até que uma pessoa entrou no velório.

Entrou não, voltou. Era Edu ou Grace Kelly, o que acharem melhor.

Entrou contando que a chuva estava muito forte e que há muito tempo não ficava tão “molhadinha”. Falava pelos cotovelos quando reconheceu o líder dos machões gritou “Aretuza, você aqui!!”. O homem tentou disfarçar quando Edu completou “É você sim Aretuza, tá vestida de menininho, mas eu te reconheço de longe bofe”.

O clima constrangedor que tomou conta do velório só foi quebrado com os gritos de gol, o Flamengo empatara o jogo. Aproveitando a confusão com o gol de empate os machões foram embora. Edu ao mesmo tempo em que gritava gol perguntava por Aretuza que sumira.

O jogo chegava ao intervalo e assim aproximava-se a hora de meu enterro, de meu fim.

Vários fins se aproximavam de minha vida. Primeiro veio o fim com Yara e depois achava que vinha o fim de minha vida propriamente dito  porque se vocês não sabem eu era hipocondríaco.

Comecei a sentir umas tonturas e fui ao médico ver o que era. O doutor respondeu que eu tinha nada demais, mas eu tinha certeza que iria morrer. Contava pra Bia e ela ria falando que era besteira. Minha ex me conhecia e sabia o quanto eu era hipocondríaco. Pedia pra ela desistir do casamento e cuidar de mim nos últimos momentos de minha vida e Bia me mandava parar de chantagem emocional.

Caim e Bia marcaram casamento. Seria em seis meses e a notícia que perderia a Bia pra sempre me abalava.

Andava com essas tonturas, distraído, não conseguia me concentrar em nada e isso me prejudicava no trabalho e em casa. Minha filha acabou virando uma babá pra mim e várias vezes me dava bronca porque calçava tênis diferentes e perdia a hora pras coisas.Em uma dessas minhas distrações aconteceu mais uma situação na minha vida.

Estava no meu carro no meio de um engarrafamento entediado, pensando na vida, na Bia, na morte da bezerra quando acelerei demais e bati no carro da frente.

Senti o tranco do carro e a batida e só deu tempo de soltar um “ops”. Respirei fundo porque sabia que viriam problemas e desci do carro pra ver o prejuízo. Olhei e até que o do meu carro não foi nada demais, só um arranhão. O carro da frente ficou com pára choques amassado e vi o momento que o motorista abriu sua porta pra descer.

Olhava o pára choques pensando “que merda” quando vi uma mulher loira, estonteante vir em minha direção com cara irritada. A mulher reclamava da batida e eu so conseguia olhar seu decote. Ela falava, falava e eu olhando os peitos.

Valia nada mesmo.

A mulher se irritou. Eu concentrado em seus seios nem percebi quando ela abriu a bolsa e pegou a carteira. Só “voltei ao planeta” quando ela disse que poderia me dar voz de prisão e mostrou sua carteira de juíza. Vi na carteira seu nome, chamava-se Zélia. Pedi desculpas e disse que tinha seguro e ele cobriria todos os gastos passando meu telefone pra ela. Esperamos a polícia chegar pra registrar a ocorrência, me comprometi com os gastos e no fim fomos liberados.

Zélia entrava no carro e resolvi ser audacioso. Cheguei a sua janela e perguntei se em vez de me prender ela não queria almoçar comigo já que ficamos muito tempo ali parados e me deu fome.

Esperei que ela me desse uma bronca e me ameaçasse, mas Zélia abriu um sorriso e falou que eu era cara de pau. Respondi que sim e que era um cara de pau com fome. Zélia então mandou que a seguisse, pois, conhecia um restaurante ótimo.

Segui e ela por coincidência me levou a meu restaurante preferido em Ipanema. Lá pude conhecer um pouco mais aquela mulher e mostrar mais de mim. Rimos muito, nos divertimos e no fim ela mandou que eu pagasse a conta pra assim começar a pagar seu prejuízo.

Saí algumas vezes com ela até que consegui levar pra cama. Lá mostrei pra Zélia que um acidente automobilístico poderia valer muito a pena.

Os preparativos do casamento de Caim e Bia ia a todo vapor e mesmo eu estando bem com Zélia e com planos de morarmos juntos aquilo me incomodava. Zélia insinuava que queria se mudar pro meu apartamento assim que Bia casasse. Eu ouvia o que ela dizia, mas entrava por um ouvido e saía pela outro. Via Bia cada vez mais distante de mim e aquilo me incomodava demais.

Eu não entendia o porquê do incômodo porque já estávamos separados há muitos anos. Tudo bem que as vezes parávamos a cama, mas antes de tudo éramos só amigos, grandes amigos, mas nada além disso.

Assustava-me a sensação de perder a Bia, de não tê-la mais a minha disposição sempre, as ligações no meio da madrugada, as confidências. Não gostava de ver Caim lhe beijando, acariciando.

Tinha que ser eu.

Era isso, ali descobri que era completamente apaixonado pela Bia. Ainda lhe amava da mesma forma de quando vi pela primeira vez ainda adolescente na escola. Nunca deixei de amar mesmo tendo tantas mulheres depois. Procurava a Bia em todas essas mulheres, por isso não dava certo porque ela era única. Foi difícil pra mim admtir esse amor, ainda mais naquele momento porque era tarde demais. Eu tinha perdido a mulher da minha vida pra sempre.

Isso me fez ficar mais retraído, triste. As pessoas perceberam essa minha mudança, até Bia perguntou o que eu tinha menos Zélia. Zélia continuava fazendo planos de como seriam nossas vidas depois do casamento de Bia, mas eu não queria mais aquilo, pela primeira vez na vida começava a considerar que o melhor era ficar sozinho.

Conversei com Eva, me abri e minha irmã me aconselhou a brigar pela Bia, mas eu não tinha coragem de atrapalhar sua história com Caim. Ela então mandou que eu fosse pelo menos sincero com Zélia e abrisse o jogo.

E foi o que eu fiz.

Fui até a casa de Zélia e contei tudo. Disse que não poderia mais continuar com ela porque era apaixonado por outra mulher e não achava digno de minha parte continuar com ela, fazer planos pensando em outra, não conseguiria lhe fazer feliz. Fui homem como nunca fui na vida. A impressão que tive é que finalmente naquele momento amadureci, deixei de ser um eterno adolescente pra crescer, deixei de lado a “síndrome de Peter Pan”.

Olhei pra Zélia, orgulhoso de minha atitude, hombridade e lhe pedi desculpas.

Ela não entendeu como eu. Deu-me um tapa na cara, mandou que eu fosse embora e que aquela situação não ficaria assim, ninguém lhe dispensava.

O tapa doeu, mas saí de sua casa, entrei no carro e fui embora com a sensação de que fizera o certo.

A vida continuou. Bia e Caim animados com o casamento e eu me dedicando ao trabalho e Joana. Sempre me dei muito bem com minha filha, mas aquela fase estava maravilhosa. Joana chegava aos dez anos de idade e se tornara uma grande companheira inclusive me dando conselhos. Bia me convidou para ser padrinho do casamento. Engoli em seco e com um sorriso triste aceitei. Bia me deu um abraço e eu deixei cair uma lágrima.

As coisas caminhavam bem, até que um grande problema surgiu.

Estava no apartamento ajudando Joana com os estudos quando a campainha tocou. Reclamando não saber pra que servia meu interfone atendi e era um casal de mais ou menos cinquenta anos. Tive impressão que conhecia aquele casal de algum lugar e perguntei se poderia ajudar em algo. Perguntaram se eu era o Adão e respondi que sim, se apresentaram então.

Eram dona Lourdes e seu Fernando. Os pais de Íris.

Atônito com a revelação lhes convidei pra entrar. Os dois entraram e a senhora perguntou se aquela era Joana, respondi que sim. Ela então se aproximou, ficou de joelhos e contou a Joana que era sua avó lhe dando um abraço.

Aquilo não me soava bem.

Os avós conversaram um pouco com Joana enquanto eu observava e em determinado momento Lourdes pediu que ela fosse para o quarto porque eles precisavam conversar comigo. Lourdes tomou a frente da situação. Contou que não tinham um bom relacionamento com Íris e só souberam pouco tempo antes que tinham uma neta.

Falou que tinham uma excelente situação financeira, moravam no Canadá e queriam que Joana fosse morar com eles. Respondi que agradecia a preocupação deles com a neta e o fato de tentarem aproximação, mas Joana tinha um lar, lar que sua mãe Íris escolheu para que fosse seu e não teria porque ela ir pro Canadá.

Fernando tomou frente da situação e contou que eles tinham a melhor das intenções, dar uma educação de primeira qualidade para Joana e se eu a amasse mesmo deixaria ir. Irritado respondi que amava muito sim minha filha, que ninguém poderia duvidar disso e tinha todas as condições de criar Joana.

Nesse momento então Lourdes se levantou e falou para Fernando para irem embora. Antes de saírem a senhora disse que entrariam na justiça pedindo a guarda de Joana. Falou e saíram me deixando sem chão, eu não conseguia mais imaginar minha vida sem minha filha.

Liguei correndo pra Bia e pedi que ele fosse com urgência pra casa. Ela chegou e me encontrou nervoso, com tonteira e pedindo pra me acalmar. Pegou copo de água com açúcar pra mim e contei toda a história.

Bia ligou para Caim e pediu ajuda. Caim era advogado e sua especialidade era família. Humilhação suprema, ser defendido por ele.

Aterrorizava-me a ideia de perder Joana. Caim mandava que eu não me acalmasse porque eu era o pai dela, tinha uma boa situação financeira e a menina era muito bem criada. Mas eu não conseguia me acalmar.

Joana era tudo pra mim, o que me restava.

No dia da audiência estava sentado à mesa com Caim quando a júíza do caso entrou. Olhei, tomei um susto e falei “Zélia!!”.

Caim baixinho falou “fodeu” e Zélia sorrindo respondeu “Como vai Adão?”. Abaixei os olhos e disse que estava tudo bem. Era a chance que Zélia precisava pra se vingar de mim.

E a situação não foi fácil. Durante o processo de briga pela guarda os avós de Joana mostravam estar muito bem informados sobre mim colocando “todos os meus podres” na mesa. O caso da cenoura, as minhas prisões, a história com travesti. Tudo foi exposto pelo advogado do casal que ainda contava com a antipatia que Zélia tinha por mim.

Na saída de uma das audiências cumprimentei Zélia e disse que ela estava muito bem. Ela respondeu que depois que lhe deixei entrou em desespero e engordou dez quilos. Respondi que não parecia e ela respondeu que já tinha perdido os quilos extras. Eu disse que aquilo era muito bom e esperava que não tivesse sobrado ressentimentos de nosso fim, Zélia emendou que perdeu o peso porque começou a sofrer de anorexia e ainda estava em tratamento e aquilo tudo era pelo fim de nosso namoro.

É, minha situação não era fácil.

No fim aconteceu o pior. Zélia deu a guarda de Joana pros avós. Desesperei e comecei a gritar que ela não podia fazer isso comigo, Joana era tudo pra mim e eles levariam minha filha pro Canadá. Zélia respondeu que poderia fazer nada, Caim que iríamos recorrer e eu gritei que Zélia era péssima na cama.

Dessa vez só fiquei algumas horas na cadeia, nem deu tempo do negão cantar pra mim.

Confesso que senti falta.

Cheguei em casa e Bia me esperava com Joana na sala. Sua mala já estava pronta esperando pela chegada dos avós e minha filha com lágrimas nos olhos perguntou se tinha que ir mesmo. Coloquei Joana no colo e disfarçando o choro respondi que sim, mas que eu daria um jeito e ela voltaria pra casa.

Os avós chegaram e nem quiseram entrar, da porta chamaram Joana e pedi que ela fosse com eles. Minha filha se aproximou da porta e voltou correndo pra em dar um último abraço.Enquanto ela me abraçava Lourdes disse que tinha nada contra mim e eu poderia ver minha filha quando quisesse. Só me restou agradecer e ver minha filha partir.

Uma das piores sensações que já tive na minha vida.

Eu me sentia sozinho. Meu amigo Edu em lugar que eu nem sabia, Bia preocupada com seu casamento e Joana com os avós. Não tinha mais vontade de sair de casa, paquerar nada.Vivia enfurnado no meu quarto e só saía pra trabalhar provocando a preocupação de todos.

Bia se preocupava demais e procurou sempre estar perto de mim mesmo com a data do casamento se aproximando. Sentia novamente nosso companheirismo presente, sentia seu carinho por mim e aquilo me fortalecia.Mas não tinha seu amor, que era o que eu queria.

Na véspera do casamento enquanto Bia e Caim realizavam suas despedidas de solteiros resolvi encher a cara e depois cometi o maior erro de quem bebe pode cometer. Peguei no volante. Fiz um monte de besteiras no trânsito e acabei batendo forte num poste sendo levado de ambulância a um hospital.

Quando acordei no leito do hospital dei de cara com Bia. Perguntei o que ela fazia lá e principalmente o que eu fazia ali. Ela respondeu que eu bati com o carro e o primeiro número de celular que viram no meu era o dela então ligaram.

Lamentei por sua despedida de solteira e Bia respondeu que eu era mais importante que qualquer festa. Perguntei quanto tempo ficaria no hospital e no momento da pergunta o médico passou pelo quarto e disse que eu estava liberado.

Bia me levou pra casa e me deitou na cama. Agradeci a ela enquanto minha ex fazia um cafuné na minha cabeça e pedia pra eu descansar.

Nos olhamos firmemente, olhos nos olhos e não resistimos nos beijando e fazendo amor.

Não foi uma transa como as muitas que tivemos desde nosso término, não foi sexo só pra aliviar tesão. Teve amor naquela transa e eu senti que não era só meu, dela também. Parecia um casal apaixonado fazendo amor. Parecia como quando namorávamos e desde aquela época não fiz sexo com tanto prazer e carinho. Dormimos abraçados e quando acordei ela não estava mais lá, era o dia de seu casamento.

Sentei na cama e vi algo sobre a mesinha de cabeceira. Peguei, era uma foto. Uma foto nossa abraçados e com uniforme de colégio. Do tempo que nos conhecemos.

Embaixo na foto estava escrita a seguinte frase à lápis ...

..a recordação, vai estar comigo aonde eu for.


CAPÍTULO ANTERIOR:

YARA

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