NO REINO ENCANTADO: CAPÍTULO IV - O REINO


Bia viu um lugar colorido, muito colorido. Era uma cidade como a que ela morava, como qualquer outra, mas o que sobressaía eram as cores. O cavalo azul, as casas roxas, o Sol com amarelo tão forte como nunca tivera visto além das nuvens branquinhas de algodão doce. As pessoas pareciam felizes, animadas, andando de um lado para outro como com pressa, mas também como se saboreando e aproveitando a vida.

Bia desceu da charrete e disse “Oi cavalo azul”, o mesmo  respondeu “Oi moça branca” e ela tomou um susto perguntando “Você fala?”. O bicho respondeu o mesmo que o para quedas “Se você fala por quê eu não posso?”

Nisso um menino se aproximou, desconfiado perguntou o que ela queria e Bia se assustou com a fisionomia dele. Era seu irmão Gabriel. Ela disse “Gabriel” e o menino perguntou como ela sabia seu nome. O cavalo comentou que ela devia ser uma bruxa como a bruxa da floresta.

Foi o bicho pronunciar o nome “bruxa da floresta” para os dois fazerem sinal da cruz. Bia, indignada, disse que era bruxa nenhuma e o menino pediu que ela provasse que não era. Deu uma vassoura pra ela e mandou que voasse, se voasse era bruxa.

Bia montou em cima da vassoura e falou “Viu? Ela não voa. Não sou bruxa”. No mesmo instante a vassoura deu partida e foi ao céu com Bia sobre ele. A menina, desesperada, pedia que ela descesse e que não aguentava mais voar. A vassoura voou por cima de todos, passando rente a cabeça de pessoas, entre árvores, até em janelas de prédios onde em um a menina tampou os olhos por ter gente se trocando.

Irritada, ela ordenou a vassoura que queria descer até que a mesma foi direto ao feno. De novo a menina parava no feno.

Depois de uns segundos Bia surgiu tirando feno da boca e comentando “Preciso melhorar minha aterrissagem”. Naquele momento o menino tirou uma garrucha da charrete e gritou “Bruxa!!”. Ela ainda argumentou que não era quando o garoto atirou. Era espingarda de pimenta.

Bia coçou os olhos dizendo que aquilo ardia quando o menino continuou atirando e lhe chamando de bruxa. Bia pulou da charrete e saiu correndo gritando “Para Gabriel” enquanto o menino corria atrás atirando e mandando que a “bruxa” esquecesse seu nome.

Bia correu bastante até que conseguiu se afastar do menino. Cansada, encostou-se em um poste arfando quando ouviu uma voz dizendo “Hei, você!! Não encoste em mim!!”.

Ela olhou pra cima e viu que era o poste falando. A menina riu e disse “não morri, to louca, isso sim”. O poste perguntou se ela queria atravessar a rua, mas os carros passavam a toda velocidade e era impossível atravessar. Bia ainda argumentou isso, mas o poste respondeu “te ajudo” empurrando a menina para a rua.  

Bia deu um grito e se encolheu temendo o atropelamento quando percebeu que tudo ficara em silêncio. Com medo levantou a cabeça para olhar e percebeu que todos os carros tinham parado quase que imediatamente para que ela atravessasse.

Sem jeito a menina agradeceu, atravessou e andou pela cidade.

Andou muito tentando encontrar explicação para o que ocorria, alguém que lhe desse uma luz até que anoiteceu e ficou cansada. A noite naquele reino também era linda. O céu escuro contrastava com as estrelas branquinhas e uma Lua cheia que quando surgiu desejou bom descanso ao Sol e deu boa noite para os habitantes do reino com os mesmos respondendo.

Bia sentou-se em um banco e pensava em tudo que ocorria quando viu uma figura conhecida. O homenzinho de verde.

Antes que ela pudesse perguntar o que ocorria o homenzinho perguntou. “O que é o que é por quê o boi sobe o morro?”. Bia pensou e disse não saber a resposta. O homem dando pulinhos de alegria respondeu “Porque não pode passar por baixo”.

Antes que a menina pudesse ter alguma reação o homenzinho tirou a cartola, botou uma touca, pegou um esfregão e comentou “Com licença, vou tomar banho”. Ao lado do banco tinha uma fonte e ela perguntou se seria ali. O homem nem respondeu pulando na fonte.

Pulou, mergulhou e sumiu. Bia esperou que ele voltasse e vendo a demora comentou “Você é bom em ficar debaixo da água, eu só consigo ficar um minuto”. Percebendo que ele não voltava foi até a fonte e percebeu que ele desaparecera.

Curiosa, resolveu entrar na fonte. Botou um pé, depois outro, falou consigo mesmo “Coragem Ana Beatriz” e mergulhou. Não sumiu, apenas conseguiu ficar toda molhada e quase se afogar.

Saiu da fonte irritada e dizendo “Além de não saber onde estou, não ter onde dormir ainda vou ficar molhada”. Nisso um forte vento surgiu e a menina teve que segurar no banco para não ser levada. Com o fim do vento que veio e foi embora do nada a menina comentou “Pelo menos estou seca”.

Bia se deitou, pegou um pedaço de jornal que tinha no chão e se cobriu. Sentiu medo por estar em um lugar estranho, sozinha e saudades de sua família. Lembrou de sua mãezinha, seu irmão e de seu pai que contava histórias e cantava com o violão antes de dormir.

Seu pensamento foi longe e a levou até sua cama na vila onde deitadinha ouvia seu pai cantar “Valsa para uma menininha” de Vinicius de Moraes e Toquinho. Música que tinha os versos “Menininha do meu coração / eu só quero você a três palmos do chão”. No fim ele dizia “Boa noite bibica cara de penica, te amo mais que pizza de camarão”. A menina respondia que amava o pai mais que pizza de calabresa e assim se despediam.

Bia deixou uma lágrima cair pela face lembrando da família quando ouviu uma voz comentando “Ih, ela ta triste”, uma outra voz respondeu perguntando “Por quê ela ta triste? Menina tão bonitinha!!?” até que uma terceira voz disse a ela “Fica triste não menina de cachinhos”.

Bia abriu os olhos e não viu quem falava, perguntou quem era e ouviu uma voz dizer “Aqui em cima!!”.

A menina olhou pra cima e ouviu um coro de “oooooiiii”. Eram as estrelas.

Bia não se assustou, sorriu e perguntou como elas falavam. Todas as estrelas de uma só vez responderam “Você fala, por quê não podemos falar?”.

A pequenina deu uma gargalhada enquanto as estrelas não paravam de falar com ela, uma falando por cima da outra perguntando porque ela estava triste, que ela era muito bonita para ser triste e que parecia uma princesa.

Uma das estrelas sugeriu que ela fosse até o céu dançar com eles. A menina respondeu que não sabia voar e não saberia chegar até o céu. Uma estrela maior disse “Use a sua imaginação. Não existe nada mais forte que a imaginação. O que ela quer que a gente faça a gente faz”.

Bia fechou os olhos e disse “Eu quero voar”. Nisso um grupo de estrelas desceu do céu e ficou em volta de Bia. A menina sorrindo perguntou o que estavam fazendo até perceber que estava indo para o céu com elas em volta. A menina se juntou a todas as outras estrelas que dançavam a sua volta pedindo para que não ficasse triste.

Bia voava, mergulhava entre as estrelas, nadava, estava feliz e as estrela cantavam que o maior poder que existia era o da imaginação. Ficaram um bom tempo nessa situação até perceberam que ela bocejava.

Bia adormeceu no céu e a estrelas levaram a menina de volta até o banco onde dormiu o sono dos anjinhos.

Acordou com o andar das pessoas que caminhavam sem parar, os carros de cores berrantes e o Sol dando bom dia ao reino. Quando despertou notou que em vez do jornal uma coberta estava sobre seu corpo. Curiosa perguntou quem tinha lhe colocado até que um menino respondeu “Eu”.

Ela olhou para o menino e ele era diferente de todas as pessoas que tinham ali. Ele era verde, tão verde quanto a roupa do homenzinho estranho e também vestia roupas pobres. Era mirradinho, cara de triste, de abandonado. A menina agradeceu e disse que realmente sentira frio. O menino estranhou e perguntou “Você não vai ter nojo de mim?”.

Naquele momento quem estranhou foi Bia que perguntou porque ela teria nojo. O menino respondeu “porque sou verde”.

A menina riu e comentou que já tinha visto tantas coisas e cores estranhas ali que estranhava mais nada. O menino se aproximou dela e disse “É verdade, mas repare uma coisa, repare as pessoas”. Bia reparou e disse não ver nada demais, o menino respondeu “Aqui tem muitas cores, mas todas as pessoas são brancas. Só eu sou verde”.

Bia não notara isso, vai ver porque nunca percebera que pessoas podem ter cores diferentes. O menino continuou “As pessoas não gostam de mim por causa da minha cor, só eu sou verde. Por isso vivo na rua e fingem que não existo”.

Ela comentou que isso devia ser impressão dele quando um homem parecendo ser um guarda perguntou se o menino estava lhe importunando. Bia respondeu que não, mas quando olhou para o lado o menino sumira.

A menina revirou a cidade chamando “verdinho, verdinho” querendo saber onde o garoto estava até que sem olhar acabou se chocando com Gabriel.    

O menino viu Bia e gritou “bruxa” apontando a garrucha para ela. A garota já tentava se proteger de levar um tiro de pimenta quando ouviu uma voz dizendo “Não faça isso Gabriel”.

Quando ela olhou o autor do grito estampou um sorriso no rosto e gritou:

Papai!!!


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O QUE É, O QUE É

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