DINASTIA: CAPÍTULO XXIII - O COMANDO


Luigi foi levado para a FUNABEM e trancafiado. Era menor de idade, não podia ir para uma cela comum nem seria julgado como um maior.

Ao chegar no reformatório todos já lhe conheciam e sabiam de quem ele era neto então aconteceu uma mistura de respeito e desdém. Respeito pelo sobrenome Granata, desdém pelo garoto ser uma dessas celebridades sociais e pertencer a grupo musical. Luigi era bonitinho e isso poderia lhe trazer problemas no lugar. Ele sabia disso.

Foi cercado por um grupo que disse que ele não era bem vindo no reformatório e teria problemas. Luigi respondeu que quem estivesse do lado dele iria se dar bem, mostrou um maço de dinheiro e os garotos perguntaram como ele conseguiu entrar com aquilo no lugar. Luigi respondeu perguntando “esqueceram de quem sou neto?”.

Dessa forma, com seu jeito valente e de não abaixar a cabeça quase a totalidade do desdém se rendeu ao grupo do respeito. Uma noite três garotos ainda tentaram lhe atacar, mas no momento que era retirado da cama por esses um grupo se juntou e atacou violentamente os menores. Luigi pegou um pedaço de madeira acertando com raiva um dos três abrindo e deformando a sua cabeça e gritou que ninguém mexia com ele.

Luigi tornara-se o líder do local.

Pepe foi ao encontro do neto pedindo que ele tentasse se comportar, pois, a situação não estava fácil para ele. Luigi respondeu que cada vez sentia mais raiva, raiva de todos, do mundo e tinha que extravasar. O avô pedia calma que com raiva nada se resolvia.

Mas Luigi com essa raiva, esperteza e dinheiro tomou conta do reformatório. Subornou os guardas e conseguia receber drogas no lugar. Das mais variadas e vendia se tornando um traficante dentro do lugar que devia regenerar menores. Vendia sem nenhum pudor no pátio a luz do dia e era severo com quem lhe devia dinheiro.

Esfaqueou um de seus devedores cinquenta vezes até as tripas do menor sair do corpo. Evidente que com todos subornados, menores e guardas, “ninguém soube” quem matou o garoto, só faltou alegarem suicídio.

Era difícil identificar o motivo de tanta raiva em Luigi que até entrar para o “ritmo quente” era um garoto sossegado, risonho e feliz. Mas a verdade é que Luigi vivia um grande drama interior com sua sexualidade. O rapaz sabia que sentiu desejo por Gilmar, sabia que nunca sentira nada por mulheres e não queria assumir a verdade, enxergar o óbvio.

Era homossexual, mas ao mesmo tempo era um Granata. Aquilo seria um escândalo, seu avô nunca aceitaria e seria capaz até mesmo de deserdá-lo. Era grande o conflito, grande a dor que explodia em raiva.

Depois de um ano Luigi completou dezoito anos e acabou solto. O irmão Ricardo foi buscá-lo no reformatório feliz, dando lhe um abraço e friamente Luigi perguntou pelo avô. O irmão respondeu que estava em casa preparando uma festa pra recepcioná-lo.

Luigi entrou no carro, colocou óculos escuros e disse “legal, mas nós não vamos pra casa não, vamos a outro lugar antes”.

Ricardo ao volante perguntou para aonde e sorrindo Luigi respondeu “para a boca do inferno”.

Foram até a favela da Jibóia, zona Norte do Rio de Janeiro e pararam em uma birosca. Desceram e Luigi pediu uma cerveja e dois copos. Ricardo respondeu que não bebia e o irmão autoritário disse “vai aprender a beber hoje”. O dono do bar perguntou se os dois rapazes tinham carteira de identidade e Luigi abriu a carteira, tirou uma grande quantia de dinheiro e colocou em cima do balcão falando “taí minha carteira”.

O homem serviu e enquanto Ricardo se engasgava com a cerveja Luigi perguntou ao barman se ele conhecia um homem chamado “boca do inferno”. O barman sério perguntou o que queria com ele e Luigi respondeu “negócios”.

O barman riu e perguntou “que tipo de negócios um fedelho iria querer com o Boca?”. Luigi bebeu de uma vez o copo, encheu novamente e respondeu “Eu vim da parte de Pepe Granata, sou neto dele, não acredita ou quer ver minha identidade de novo?”. O barman ficou sério e pediu para que Luigi esperasse. Ausentou-se e Ricardo comentou que o avô não tinha pedido nada. Luigi mandou o irmão ficar quieto e beber.

O barman voltou com um rapaz que perguntou o que Luigi queria com o Boca do inferno e Luigi respondeu que só tratava com ele. O Rapaz sacou uma arma apontando para Luigi e disse que ele era folgado. Luigi sem piscar mandou que o rapaz atirasse, espalhasse o cérebro de um Granata na favela para ver o que aconteceria a eles.

O rapaz pensou melhor, guardou a arma e mandou os irmãos Granata subirem com ele.

Luigi e Ricardo subiram atrás do rapaz que devia ter uns quinze anos, sem camisa e que guardava uma arma no short. O retrato daquela favela não era muito diferente das favelas que Pepe frequentava nos anos trinta atrás de samba e capoeira ou o cortiço que Salvatore foi com Manolo no fim do século anterior.

Casas muitas vezes de madeira, extrema pobreza, porcos e galinhas sendo criados para servir de comida, crianças brincando ou chorando de fome, muitas com barrigas grandes que representavam verminose. Era incrível como o cenário da pobreza no Brasil não mudara em quase oitenta anos.

A diferença que as favelas começavam a ter donos, chefes. Pessoas que com bandos dominavam a região e ali estabeleciam seus negócio. O tráfico de drogas.

Chegaram em um barraco e um homem negro, gordo, barbado com mais ou menos quarenta anos e camisa aberta cheirava um pó que se encontrava sobre a mesa. O rapaz disse que ali estavam os dois que queriam falar com ele. O homem parou de cheirar, levantou, virou-se para eles e perguntou o que queriam.

O homem tinha dois revólveres trinta e oito na cintura e apenas três dentes na boca o que lhe rendeu o bonito apelido “Boca do inferno”.

Luigi pegou uma cadeira, sentou-se e respondeu que estava ali para tratar de negócios. Boca deu uma gargalhada expondo aqueles três dentes podres e perguntou o que um moleque como aquele tinha
para propor.

Luigi respondeu que muitas coisas. Primeiro porque era o herdeiro mais velho de Pepe Granata e muito em breve seria o maior banqueiro de bicho do país e segundo porque foi até ele recomendado por Birigui, perguntou se ele sabia quem era Birigui.

Boca puxou uma cadeira, sentou e respondeu que sim, Birigui era irmão dele e estava em um reformatório. Luigi contou que estava até poucas horas antes nesse reformatório com ele e Boca exclamou “você é o italianinho que ele contou que mandava no lugar e ajudou meu irmão quando quiseram lhe matar!!”.

Luigi respondeu que sim. Boca agradeceu e comentou que o “italianinho” chegava com ótimas credenciais, perguntou que negócios Luigi tinha para propor e o rapaz respondeu “primeiro que eu não sou italianinho, nunca estive na Itália, segundo que eu quero vender seus produtos na zona Sul, tenho muito conhecimento lá”.

Boca achou interessante. Luigi contou que tinha muitos amigos, conhecia muita gente e faria os negócios crescerem. Boca seria seu fornecedor, ele venderia no lugar e rachariam o lucro. Boca pensou um pouco e respondeu “é, a proposta é boa e amigo do Birigui é meu amigo, negócio fechado”.

Os dois apertaram as mãos firmando o negócio e Luigi perguntou se o traficante não liberava um papelote daqueles para comemorarem.

Chegou com Ricardo completamente drogado na festa que Pepe organizara para boas vindas. Quando entraram na mansão Pepe levantou-se e perguntou por onde o rapaz andara. Luigi fora de si gritou que celebrara a liberdade e subiu as escadas cantando o hino da Independência.

Luigi realmente era muito bem relacionado e começou a vender cocaína pela zona Sul do Rio de Janeiro. Vendia para ricaços, para filhos de ricaços, netos de ricaços, para muita gente com grana. Levava diretamente aos grandes apartamentos da Avenida Atlântica e Vieira Souto para que os mesmos experimentassem.

Levava para empresas. Chegava nas secretárias pedindo para falar com seus chefes dizendo ser de uma empresa terceirizada que trabalhava com grupo. Apresentava-se como Luigi Marcondes, sobrenome da mãe. A secretária anunciava ao chefe que já sabendo do que se tratava rapidamente mandava entrar.

Luigi, de terno e gravata entrava com uma maleta na sala do empresário, apertava sua mão e abria a maleta para mostrar seu produto. Sacolés e mais sacolés de cocaína que o rapaz garantia ser 100% puro e “made in Colômbia”. Sempre dava uma amostra grátis ao empresário que se interessava e comprava grandes quantias.

Depois ele saía da sala, dizia “passar bem” para a secretária e ia embora com uma bolada no bolso. A cena se repetia várias vezes ao dia podendo ser em pequenas empresas ou multinacionais.

As festas na zona Sul no fim dos anos 70 eram regadas de uísque, cerveja, vinho e cocaína, oferecidas por Luigi. Não era raro o mesmo garçom que passava com bandeja oferecendo uísque passar depois com uma cheia de “listas brancas” e com a cara mais normal do mundo oferecer “madame?” “senhor?”. E a pessoa agradecer pegando um canudo e mandando ver com o nariz.

Luigi Granata foi um dos responsáveis por democratizar a cocaína no Rio de Janeiro. Ricos, pobres, negros, brancos, homens, mulheres, todo mundo cheirando por causa dele.

Desde a prisão no reformatório de Luigi quem começou a trabalhar mais com Pepe foi Ricardo. Depois da soltura do rapaz Pepe imaginou que as coisas fossem mudar e teria o neto mais velho ao seu lado, mas em vão. Luigi estava mais preocupado com os ganhos que tinha, a grana era muito boa e rapidamente o rapaz comprou um carro do ano e roupas novas.

Pepe perguntou a Luigi onde ele arrumara dinheiro para tudo aquilo e o rapaz respondeu que trabalhando, como toda pessoa devia fazer. Pepe disse “espero que seja trabalho honesto” e Luigi respondeu “fique tranquilo nono, é tão honesto quanto o seu”.

Em um dia de 1979 Luigi vendia seu produto numa empresa quando a polícia invadiu e levou todos presos.

A casa do rapaz caía. Luigi cresceu com seus negócios, se sentiu imponente, invencível, forte e nunca imaginou que algo daquilo pudesse ocorrer. Quando percebeu já estava sendo colocado na traseira de um carro da polícia algemado. Assustado viu aquela multidão de repórteres se aproximarem para fotografar e para não demonstrar fraqueza sorriu.

A manchete do dia seguinte era “Os Granata ampliam seus negócios” e a foto de Luigi sorrindo.

Pepe furioso foi ver Luigi e perguntou o que significava tudo aquilo. Luigi respondeu que eram seus negócios apenas e ninguém tinha nada a ver com aquilo. Pepe irritado comentou que a partir do momento que o sobrenome Granata estivesse envolvido ele teria sim a ver com tudo. Luigi irônico pediu desculpas por manchar o sobrenome da família com atividades ilegais e Pepe se levantou chegando bem perto dele.

“Você é debochado, se acha o mais esperto de todos, o mais forte, eu já te disse. Essa vaidade ainda vai acabar com você”. Disse Pepe.

Luigi foi levado para o presídio da Ilha Grande enquanto esperava julgamento. Uma noite sonhou que estava em um lugar escuro e via Gilmar. Aproximava-se do rapaz feliz, acariciava seu rosto e quando iria lhe beijar em vez dele surgiu Alice lhe chamando de viado. Luigi no sonho deu um grito desesperado enquanto várias pessoas surgiam no sonho. Alice, Gilmar, Leonardo, Isabela, Ricardo, Boca do Inferno, Pepe, até Pepino lhe chamando de viado.

Luigi acordou gritando e um preso sentado ao seu lado que fumava maconha perguntou se ele tivera um pesadelo.

Luigi suando respondeu que sim e o homem rindo respondeu que era normal passando o baseado para Luigi dar uma “puxada”. Enquanto Luigi se acalmava apresentou-se como Marreco.

Luigi fumou, devolveu ao Marreco que comentou “você é um cara sagaz, turma aqui quando você chegou comentou tudo que você fez lá fora e de quem você é neto”. Ressabiado Luigi perguntou aonde o homem queria chegar e ele respondeu.

“Se liga, a gente aqui forma uma família, um grupo onde um ajuda o outro, quem ta fora ajuda quem ta dentro e quem ta dentro sai pra ajudar também, se junta a gente que você vai se dar bem.”

Luigi se interessou pela história e pediu para ouvir mais sobre ela.

Dessa forma entrava para o “Comando Vermelho”.

Era o início da organização oriunda da “Falange Vermelha”. Um grupo de presos comuns e políticos que cometiam o mais variado tipo de crimes pelo Rio de Janeiro como tráfico de drogas, assaltos à banco e mandavam uma espécie de “dízimo” para a cadeia. Dessa forma os presos da organização subornavam guardas por melhor tratamento e financiavam planos de fuga. Fugindo reiniciavam todo o processo com os presos e assim por diante.

Luigi rapidamente virou um de seus principais membros. Atacou inimigos de outras galerias espancando, incendiando. Liderou motins, subornou guardas e menos de um ano depois da prisão conseguiu fugir em um bote.

Nenhum dos Granata sabia de seu paradeiro. Pepe preocupado usava suas fontes para tentar achar o neto que se escondeu no bairro da Ilha do Governador. O rapaz junto com uma quadrilha começou a assaltar bancos, gritava para ninguém se mexer que só queria a grana do patrão e fazia a “limpa”.

Rapidamente se tornou um dos mais procurados do estado e seu rosto até no Jornal Nacional apareceu o que lhe fez comemorar bebendo uma cerveja e jogando pela janela do apartamento que se escondera. Quando reclamaram Luigi foi até a janela, sacou uma arma e deu disparos ao céu gritando que era Luigi Granata.

Graças a sua vaidade rapidamente descobriram onde ele estava escondido. Conseguiu escapar de cerco policial após troca de tiros e se refugiou com seu bando por vários lugares até que teve uma ideia.

Voltou a procurar Boca do Inferno na favela da Jibóia. Boca se espantou ao perceber o rapaz em sua porta e comentou “Cumpadi, a polícia toda ta atrás de você”. Luigi riu e respondeu que sabia e por isso foi até o morro, queria conversar com o amigo, sossegar um pouco, voltar a vender drogas na zona Sul e financiar os irmãos que estavam presos.

Boca do Inferno riu e contou que até era uma boa ideia, mas não podia mais ter o rapaz como sócio, estava muito visado então dessa vez ele estava fora. Luigi riu, os dois ficaram rindo e o rapaz perguntou às gargalhadas “e quem disse que você será meu sócio?”

Sacou uma pistola e acertou a cabeça de Boca do Inferno que caiu morto no chão. Marreco entrou no barraco e Luigi comentou “isso aqui agora é tudo nosso, vamos ganhar muito dinheiro”.

Luigi ficou escondido um tempo na favela enquanto Marreco fazia o trabalho de vender na zona Sul. Ganharam muito dinheiro, mas Luigi não conseguia ficar no anonimato muito tempo e rapidamente voltou à ativa vendendo para os empresários, socialites, festas e boates. A polícia dessa vez não lhe prendeu de cara, achou melhor esperar.

Seguiu seus passos e descobriu onde ele se escondia e de onde vinha a droga. Uma noite invadiu a favela da Jibóia e matou todo o bando, inclusive Marreco e sobrou apenas Luigi vivo. O rapaz colocou as mãos para o alto, disse que se rendia e estava desarmado.

O líder dos policiais chegou a engatilhar a arma para fuzilar o rapaz quando desistiu e comentou “você vale mais vivo”. Levou Luigi até um orelhão e obrigou a ligar para Pepe.

Luigi discou e antes que falasse o policial pegou o telefone e contou estar com o garoto, queria uma quantidade de dinheiro para deixá-lo vivo e entregar na delegacia. O policial fez o acerto com Pepe, pegou o dinheiro e levou Luigi para a delegacia, não antes avisando a imprensa da prisão.

Os policiais entraram na delegacia cheia de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos com Luigi algemado. Um deles disse no ouvido do rapaz “sorria que eu sei que você gosta”. Eles passaram por Pepe que olhou Luigi e de novo falou “essa sua vaidade vai acabar com você”. Luigi foi levado para a cela.

Transferido para o presídio de Água Santa foi condenado a quinze anos de prisão por tráfico de drogas e assalto.

Alguns meses depois da prisão de Luigi os corpos dos policiais que chantagearam Pepe foram aparecendo um a um.  

E Luigi na cadeia finalmente percebia que esperteza não combinava com raiva.


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