Capítulo III - Início da vida adulta

Os anos se passaram e Lucas cresceu. O menino agora era um rapaz que podia frequentar os bailes funks.

Formou-se no segundo grau e largou os estudos. Junto com Léo trabalhava como pedreiro dando duro debaixo de Sol forte construindo o sonho dos outros. O irmão Jonas trabalhava como cobrador em kombis de lotação no trajeto “Bananal x Bonsucesso” e Jéssica assim como a mãe trabalhava como diarista.

Apenas Balão não botava dinheiro em casa continuando a beber, farrear e bater em Jurema.

Lucas batalhava muito e com o suor de seu rosto botava comida em casa e com o que sobrava comprava roupas, tênis e perfumes. Era um rapaz vaidoso.

E sua diversão era o baile funk de todas as sextas-feira. Contava os dias para que sexta chegasse e pudesse com os amigos beber, dançar e paquerar. Lucas já estava na idade dos hormônios a flor da pele.

Quando a sexta chegava Lucas cercava Inácio, o responsável pela obra pedindo dinheiro. O pagamento costumava sair apenas na segunda de propósito, para que os rapazes não gastassem em farras, mas Lucas era insistente e seu sorriso irresistível. Inácio quando via o menino já sabia o que ele queria e não tinha como negar o pedido.

Naquela sexta Lucas e Léo saíram do serviço direto a uma sapataria. Lucas viu no dia anterior um tênis lindo em exposição no vidro e pediu ao dono da loja que o segurasse por um dia prometendo voltar para comprar.

Lucas cumpriu a promessa. Com sorriso no rosto disse ao gerente boa tarde e que estava lá pra cumprir o prometido.

Em poucos minutos estava com o tênis no pé experimentando e perguntando a Léo o que ele achava. O amigo disse que era lindo. Lucas ficou de pé e andou um pouco para testar, sorrindo disse que não machucava e falou ao dono que iria levar.

Subiu o morro dando boa noite a todos como a mãe ensinara. Lucas era muito respeitado e querido na comunidade. Entrou em casa e deu um beijo na irmã que escolhia feijão na mesa e perguntou pela mãe. Jurema ainda estava no trabalho mesmo tão tarde.

Entrou no quarto e ligou o som. No cd tocava Claudinho & Buchecha, seus artistas preferidos. Ao som de “naquele lugar, naquele local era lindo o seu olhar..” Lucas entrou debaixo do chuveiro, passou xampu na cabeça e cantou junto.

Cantou e se imaginava em um baile funk cantando “nosso baile não vai terminar, desse jeito que você faz..”. Imaginava um clube lotado e ele com microfone na mão levando a multidão ao delírio. As pessoas pulavam, meninas nos ombros de acompanhantes, amigos fazendo trenzinhos e fazendo passos marcados e ele lá no palco sendo o rei do baile.

Despertou do sonho com o pai batendo na porta dizendo que ele não era artista, no máximo autista e que saísse logo do banheiro.

Lucas terminou o banho e com toalha amarrada na cintura disse que seria famoso, importante e o pai ainda lhe veria na televisão.

Balão entrou rindo no banheiro e contou que pobre só aparecia em televisão quando fazia merda.

Antes de entrar no quarto Lucas encontrou Jonas que chegara em casa do trabalho e lhe perguntou se iria pro baile. Lucas riu e perguntou ao irmão se já tinha visto padre deixar de dar missa e perguntou se o irmão iria também. Jonas respondeu “já é” e cumprimentou o irmão.

Lucas trancou a porta e no quarto era o rei, o rei do funk, o rei da black music. Colocou Michael Jackson ao som de “Bilie Jean” enquanto escolhia a roupa.
De frente ao espelho apenas de cueca escolheu a roupa e colocava peça por peça dançando enquanto botava no corpo. Nas paredes pôster de Claudinho & Buchecha, Mister Catra, Mc Marcinho e Michael Jackson.

Acabou de colocar a blusa, primeira vez que usava aquela e depois passou o perfume. Colocou o cordão e deu um sorriso dizendo ao espelho “você é muito gato Lucas”. Sentou na cama e colocou o tênis novo.

Sua mãe já chegara há algum tempo e o cheiro de comida já entrava no quarto. Jéssica bateu na porta chamando o irmão pra mesa e Lucas abriu a porta perguntando se estava bonito. Jéssica sorriu e respondeu que o irmão sempre estava bonito lhe dando um beijo no rosto.

Família toda se reuniu à mesa. Balão, Jurema, Jéssica, Jonas e Lucas. Jurema puxou a oração agradecendo a Deus por aquela comida, por todos estarem com saúde e pedindo proteção à Mariano no presídio.

Todos responderam amém e começaram a comer com Balão soltando um risinho. Jurema perguntou qual era o motivo e Balão respondeu que ela tinha que pedir também pra ele ganhar o concurso de samba-enredo na União da Ilha.

Jurema pediu que o marido parasse com aquelas idéias que a escola nunca aceitaria um samba dele. Balão rindo respondeu que a mulher era louca, ele era o Balão, o melhor de todos e assim que os dirigentes da escola vissem qual era sua parceria e como era o samba aceitariam na hora e não teria pra ninguém.

Jonas ingenuamente perguntou ao pai qual seria sua parceria e Balão citou grandes nomes do samba que provavelmente nem sabiam de sua existência. Jonas maravilhado falou que era uma grande parceria e que com certeza venceriam o concurso da escola.

Lucas até então quieto entre uma garfada e outra disse que o pai devia parar de se iludir e arrumar um emprego. Balão irritado socou a mesa e perguntou quem ele pensava que era pra falar daquele jeito. Era um moleque, um merdinha.

Lucas não abaixou a cabeça e respondeu que era um merdinha que ajudava a botar dinheiro em casa desde os dez anos de idade, deixou parte da infância pra trás devido a isso para que a família não morresse de fome enquando o pai bebia.

Balão levantou da mesa e estendeu a mão ameaçando bater em Lucas quando Jurema começou a chorar pedindo que parassem.

Lucas levantou e abraçou a mãe pedindo perdão. Jurema chorando pediu que respeitassem a mesa pelo menos e não brigassem na hora da refeição. Lucas sentou novamente e disse que não brigaria mais.

Balão também sentou e mandou que Lucas ficasse quieto, pois, enquanto morasse na sua casa devia seguir as suas ordens. Lucas pensou em responder que a casa era do pai, mas quem botava comida na casa era ele, mas por respeito a mãe engoliu em seco.

A família ficou em silêncio alguns minutos e Jonas quebrou o silêncio afirmando que a comida feita por Jéssica estava deliciosa. A irmã envergonhada agradeceu e Lucas ratificou o que o irmão disse falando que a irmã estava cozinhando maravilhosamente bem.

Balão bebendo um copo de cerveja riu e ironicamente falou que eles estavam certos, a comida estava deliciosa só faltando sabor.

Todos ficaram quietos em um silêncio constrangedor e Balão falou que se Jurema desse mais atenção a casa em vez de só pensar em fazer comida e faxina para os outros estaria tudo melhor. Jurema não aguentou mais aquele clima e levantou chorando se trancando no quarto e ligando Roberto Carlos no cd.

Quando Jurema ligava Roberto Carlos era sinal de que não queria falar com ninguém.

Nesse momento gritos de “Lucas” vieram de fora da casa. Era Léo chamando para o baile. Lucas levantou e perguntou se Jonas iria junto. O irmão levantou e Lucas deu um beijo na cabeça de Jéssica parabenizando mais uma vez a irmã pela comida. Olhou com cara feia para o pai e saiu.

Do lado de fora Lucas, Léo e Jonas desciam o morro e Lucas furioso esbravejava contra o pai. Falava que o pai era um beberrão, mulherengo, aproveitador e só fazia mal a família. Léo pedia pro amigo se acalmar e Jonas reforçava o pedido dizendo que o pai faria samba com algumas feras pra Ilha e ganhariam a disputa botando dinheiro em casa.

Lucas pediu que o irmão acordasse que aquilo era tudo delírio do pai. Ele mal conseguia se manter sóbrio, não tinha como fazer um samba.

Chegaram à frente da quadra da escola de samba Acadêmicos do Dendê onde o baile era realizado. A frente estava cheia, pessoas batiam papo, bebiam, comiam salsichão, churrasquinho e esperavam a hora boa de entrar. A fila já estava enorme.

As coisas eram muito diferentes de quando Lucas tentou entrar no baile pela primeira vez. O rapaz que foi barrado quando ainda era menino agora era um dos mais conceituados e populares frequentadores. Encontrou amigos na porta do baile e no porta malas do carro de uma amigo pegou bebida pra misturar com energético.

Ficaram lá por um tempo e já se sentiam “calibrados” pra entrar no baile. O porteiro em vez de barrar como da outra vez gritou “fala rei” e deu um abraço em Lucas e sua comitiva dando boas vindas.

Lucas, Léo e Jonas entraram com mais uns dez amigos e Lucas parecia Moisés atravessando o mar vermelho. Um corredor foi aberto para que eles passassem e todos chamavam Lucas de “rei”. Ele realmente era o rei do baile.

O baile lotado e rapazes e moças de todas as classes sociais dançavam, bebiam e beijavam ao som da “Furacão 2000”.

O baile do Dendê era um dos mais famosos da cidade e a favela do Dendê é um morro conhecido do Rio de Janeiro tanto que recebeu um funk em sua homenagem do Mc Cacau que continha os versos “Sou Dendê da Ilha, do bairro do Cocotá..”.

O movimento funk começou no Rio de Janeiro nos anos 70, mas explodiu com a forma que é hoje na virada dos anos 80 pros 90 com o estouro do disco “Funk Brasil I”.

Hoje é o maior movimento cultural da juventude carioca levando milhões de jovens todas as semanas a seus bailes.  O funk há muito tempo deixou de ser um movimento de gueto, de favela alcançando todas as classes sociais, Zona Sul, Barra da Tijuca e outros estados como São Paulo.

Nos anos 90 começou a frequentar a televisão tendo funks como trilha de novela e MCs se apresentando em programas de televisão. O divisor de águas é o “rap da felicidade”, aquele que diz “eu só quero ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci e poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”.

Marginalizado, muitas vezes associado ao tráfico de drogas, letras pobres e a libertinagem o funk se transformou numa voz da juventude oprimida da cidade. Um movimento de cultura e lazer pra jovens que não tinham muitas opções na vida.

E Lucas era um deles.

Lucas era um menino guerreiro, não teve brinquedos caros e muitas vezes nem recebeu presentes em aniversários ou Natais.  Em vez de brincar, jogar vídeo game tinha desde os dez anos que acordar cedo para trabalhar, garantir o pão nosso de cada dia de sua família, muito cedo conheceu o compromisso e a responsabilidade.

E o baile funk era uma forma dele extravazar, uma forma dele se sentir importante, ser chamado de “rei. No baile ele era “o cara”. Dançava bem, as meninas ficavam caídas com seu charme e beleza. O modo de se vestir bem e seu carisma fazia ter muitos amigos. Lucas era uma pessoa igual a todas que frequentava o baile, mas o seu jeito de ser, sua estrela pessoal lhe fazia diferente.

Léo se acabava na cerveja com energético e Jonas só queria saber de beijar as meninas, toda hora encontrava os amigos e aumentava sua conta de beijos. 

Naquela noite passou de vinte.

Enquanto Lucas só queria dançar, dançava tudo. Quando tocava funk de duplo sentido, quase sem letra, versões, remix, charme. Muitas vezes outras pessoas iam acompanhar seus passos. Quando se via já tinha uns vinte fazendo a coreografia que ele inventara na hora.

Ele, Léo e Jonas sempre estavam entre os últimos a ir embora e só saíam da quadra quando o dia estava quase raiando.

Do lado de fora os três amigos andavam abraçados e cantando. Felizes contavam um aos outros como tinha sido a noite e Lucas lamentava que não tinha baile também no sábado. Jonas lembrou que aos sábados era ensaio da escola de samba e eles faziam parte da bateria da agremiação.

Lucas respondeu que não esquecera e gostava dos ensaios, mas preferia o funk quando avistaram três meninas perto de um beco.

Meninas de apenas treze, quatorze anos que nas comunidades são “carinhosamente” chamadas de “mamadeiras”.

Recebem esse apelido porque praticam sexo oral nos homens em troca de dez reais. Dinheiro usado pra comprar drogas.

Os três viram as meninas e Jonas exclamou que eram “gatinhas”. Léo falou que era pra eles irem lá nelas e os três foram. Chegando nas meninas fizeram a negociação quando Lucas respondeu que “estava fora” e não iria com os amigos.

Léo perguntou qual era o motivo e Lucas respondeu que não gostava assim, elas eram novas demais e ele não se sentia bem.

Despediu-se dos amigos enquanto Jonas lhe chamava de “prego”. Lucas riu e respondeu que devia ser mesmo, mas não queria.

Afastou-se enquanto os amigos abaixavam as calças e as meninas se ajoelhavam.

Subindo o morro encontrou um grupo armado e no meio deles o Pachola. Chefe do tráfico no morro. Lucas tentou passar despercebido, mas não conseguiu ouvindo o grito de “qual é playboy, chega aí”.

Lucas sabia que não pegava bem não atender a chamado deles e foi até o grupo. Pachola era mais velho, devia ter uns vinte anos, mas seus “soldados” tinham em média a idade das meninas mamadeiras. Garotos ainda com fuzis na mão.

Pachola perguntou onde Lucas estivera com aquela “beca” e o rapaz respondeu que estava no baile. Pachola riu e falou que estava ligado que Lucas era o rei do baile, o cara mais famoso do morro.

Lucas sorriu constrangido e respondeu que não era bem assim. Era só um trabalhador que suava e tirava a sexta pra se divertir. Pachola falou que ele suava pra trabalhar porque queria, pois, no dia que quisesse tinha emprego na boca pra ganhar muito dinheiro.

Lucas agradeceu e pediu desculpas afirmando que não era a dele e contou que precisava ir embora porque estava cansado. Virou-se e começou a andar com Pachola falando que um dia o rapaz ainda precisaria dele.

Entrou em casa e estava tudo escuro. Ouviu um choro na sala, ligou a luz e era sua mãe com um olho roxo tentando esconder o machucado e o olho.

Lucas assustado sentou no sofá, abraçou sua mãe e com sua cabeça no peito perguntou o que ocorrera. Jurema respondeu que não era nada, só tinha tropeçado.

Lucas sabia que não era isso, mais uma vez o pai bateu em sua mãe.

O rapaz abraçou forte sua mãe que aumentou o choro molhando sua camisa.

Lucas então beijou a testa de Jurema e jurou que ela nunca mais tropeçaria.



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