AMAR DE NOVO: CAPÍTULO XII - RENASCIMENTOS


Meu telefone tocou de madrugada, quando dormi e era Samuel aflito. Demorei para entender e quando consegui pedi que se acalmasse que estava indo ao hospital.

Novamente hospital. Era minha rotina.

Cheguei e encontrei Samuel e Anderson. De tão revoltado meu amigo mal conseguia falar e perguntei a seu companheiro o que ocorria. Anderson me contou tudo e realmente era revoltante. Um dos frentistas decidiu contar tudo a polícia que estava averiguando câmera de segurança.

Homofobia. Em pleno século XXI pessoas apanhando por opção sexual, nem dele era e mesmo que fosse isso não dava direito a ninguém de se meter em sua vida, de bater. Parece que vivemos na era das cavernas onde tudo era resolvido com tacapes e violência. Vivíamos uma era de intolerância e falta de respeito .Uma era onde mercadores da fé usavam nome de Jesus para propagar o ódio e a falta de amor.

Não entrava na minha cabeça, não entra. Se cada um cuidasse de suas vidas o mundo seria muito melhor. Com o perdão da má palavra cada um tem sua própria bunda e é pra cuidar dela. O que alguns querem fazer com a própria só devia interessar a elas.

Sem sentir na pele imaginava a revolta de Samuel. Ele mostrava ódio no olhar enquanto era amparado por Anderson. Samuel não era gay em nossa juventude, pelo menos não mostrava ser, e acabou se descobrindo com o tempo.

Junto com Anderson lutou pela adoção de Francisco, fez de sua opção sexual uma causa e dessa causa virou um dos melhores deputados de nosso país tão achincalhado pela classe política. Defendendo com unhas e dentes as minorias e por causa disso sendo desrespeitado e não levado a sério pela classe dominante.

O status quo morre de medo de gente como Samuel e por isso faz essas atrocidades.

Mas Samuel mesmo ferido continuava um lutador. Conversava com os policiais exigindo providências enquanto os mesmos pediam calma e relatavam que estavam olhando as câmeras de segurança. Samuel bradava “Calma?? Meu filho entre a vida e a morte por causa de marginais e vocês me pedem calma?”. Eu assistia a tudo com a certeza que Samuel não deixaria aquilo barato.

A situação de Francisco era difícil. Em coma lutava pela vida enquanto era operado. Fiquei a noite toda ali ao lado de meu amigo dando toda força e suporte necessário. Enquanto isso Gabriel vivia a sua felicidade.

Gabriel e Thais decidiram passar lua de mel em Buenos Aires e curtiam tudo que a cidade tem de melhor. Foram até o museu de Carlos Gardel, conheceram o túmulo de Evita Perón, comeram bife de lomo e chorizo no bairro de Boca assistindo casais dançando tango e de noite passearam pelo Caminito.

Abraçados curtindo a noite portenha Gabriel comentou "Meu pai diz que minha mãe falava que não existia felicidade e sim momentos felizes". Intrigada Thais pediu que ele explicasse e meu filho o fez "Nossa vida é feita de momentos. Felicidade e tristeza são passageiras e cabe a cada um de nós saber tirar o melhor
delas". Thais comentou que tinha sentido e ele continuou "Se a vida é feita de momentos felizes posso dizer que esse é um dos meus mais felizes". Thais sorriu e beijou o marido.

Ficaram mais um tempo em silêncio até que ele comentou "Queria que meu pai voltasse a ter seus momentos felizes também". É..Falaram de mim. Thais perguntou se eu não esquecera Camila e meu filho continuou "Não e nem vai. É o amor da vida dele, mas queria que ele fosse feliz novamente, se apaixonasse de novo". Thais comentou sobre Fernanda e Gabriel comentou "É a que mais mexeu com ele até hoje, mas é muito difícil competir com minha mãe".

Gabriel suspirou e disse que gostaria de ter conhecido melhor sua mãe, devia ser uma mulher fantástica. Thais falou que pelo menos essa felicidade ela teve já que a mãe morreu quando era adolescente. Gabriel continuou "Ela morreu e eu era muito pequeno. É estranho isso porque não era pra sentir falta de algo que nunca tive, alguém que mal conheci, mas eu sinto".

Thais apenas olhava Gabriel que disse "Sabe..Eu entendo meu pai. Eu também não saberia viver sem você. Acho que morreria se algo acontecesse contigo". Thais sorriu, passou a mão em seu rosto e respondeu "Você nunca mais vai me perder. Sou sua pra sempre".

Gabriel comentou que não sabia porque, mas dera medo nele de repente. Thais lhe deu um beijo, mandou novamente que não se preocupasse e pediu que curtissem a lua de mel. Meu filho riu e respondeu "Vamos sim, até porque não pretendo casar de novo".

Thais puxou Gabriel e disse “Quero aprender a dançar tango”.

Gabriel começou a rir sem entender enquanto sua esposa passava o desejo para um casal que dançava e ele decidiram ensinar Gabriel e Thais.

Não conseguiram aprender, mas deram boas risadas e ganharam mais uma história para contar.

História de amor enquanto a de Francisco ganhava contornos de drama.

Fiquei a noite toda com meus amigos, mas tinha que ir trabalhar de manhã e deixei os dois para ir a empresa. Francisco ainda era operado quando saí. Trabalhava tentando pensar em meus assuntos quando recebi a visita de Fernanda.

Perguntou como eu estava e contei que passara a noite acordado. Ela relatou que sabia da situação e que estava na hora do almoço. Argumentei que tinha muito trabalho e ela insistiu que era apenas uma horinha de conversa no almoço e que ela pagaria. Topei.

Fernanda me levou para a praia, estendeu uma tanga e em cima colocou sanduíches. Eu ri enquanto ela comentava que era o que dava pra pagar com o dinheiro que tinha. Agradeci e falei que era o melhor almoço do mundo.

Fernanda comentou que eu estava cansado e respondi que viver cansava. Ela perguntou "a vida não vem sendo fácil pra você né?". Respondi que não e que agora tinha esse problema de meu amigo. Ela me mandou ter fé, orar que daria tudo certo. Olhei o horizonte e comentei que estava cansado de hospitais e que quando morresse fosse por algo que não me levasse a hospitais.

Fernanda riu e disse que eu demoraria muito para morrer ainda e eu perguntei "Será? Será que já não estou morto?".

Fernanda pegou minha mão, olhou nos meus olhos e disse "Você não está sozinho, tem a mim agora. Serei pra sempre sua amiga". Sorri de volta e em silêncio permaneci segurando sua mão.

Nem percebi quando de tão cansado adormeci em seu colo.

Francisco continuava sua luta. Sua cirurgia durou mais de doze horas e continuou em coma no fim. Anderson saia para trabalhar, mas Samuel em nenhum momento se distanciava do filho esquecendo do mundo do lado de fora. Eu olhava aquilo e me impressionava e enchia de orgulho do meu ex-companheiro DJ.

Determinado momento eu estava com Fernanda lá quando Anderson comentou que a imprensa continuava do lado de fora. Me prontifiquei a dispensá-los dizendo que era especialista nisso quando Samuel segurou minha mão e disse "Não, ta na hora de encarar". Anderson perguntou se ele tinha certeza e andando em direção ao lado de fora meu amigo respondeu "Nunca fujo de lutas".

Ele estava coberto de razão.

Saiu comigo e Anderson a tiracolo. Os flashes começaram a pipocar e todos os jornalistas juntos quiseram fazer perguntas. Samuel levantou a mão pedindo calma e que responderia a todos, mas que se organizassem.

Os jornalistas se organizaram e fizeram as perguntas. Samuel, como prometera, respondeu um a um e aproveitou para fazer um pronunciamento. Ele falou:

"Meu filho está em coma e nem sei se acordará novamente. Cheio de vida, jovem, com um grande futuro pela frente está entrevado em uma cama como vegetal. Todos os dias me angustio quando o telefone toca ou o médico se aproxima temendo pelo pior”.

"Menino que junto com meu companheiro adotei criança ainda. Criança mais velha, do tipo que ninguém quer adotar e mesmo assim tivemos imensa dificuldade por sermos um casal do mesmo sexo. Nos trataram como anomalia e que faríamos de nosso filho anomalia. Curioso. Nós só quisemos, como casal do mesmo sexo, salvar o futuro de uma criança jogada fora por casal abençoado pela sagrada igreja e as tradições conservadoras desse país".

"País hipócrita que exalta o machismo, o adultério, a pornografia, a sedução infantil e trata gays como aberração. Meu filho apanhou da sociedade, está em coma por causa da sociedade e eu não vou descansar enquanto não lhe fizer justiça. Não só a ele, mas a todos que são gays, tem parentes gays e simplesmente só querem ser felizes. A sociedade não pode ficar impune acobertada por sua hipocrisia. Está na hora de limpar esse país e eu serei o detergente”.

Acabou de falar e todos ficaram atônitos com suas palavras. Puxei os aplausos e todos acompanharam, inclusive os jornalistas. Tirei meu amigo dali dizendo "Você não só não foge de brigas como compra umas muito boas". Bem sério Samuel me respondeu “Você ainda não viu nada meu amigo”.

A opinião pública se dividiu enquanto Samuel decidiu que era hora de voltar ao congresso, Foi recebido com aplausos por todos os deputados, mas a coisa logo virou e se tornou dividida quando no plenário meu amigo discursou contra o preconceito, a homofobia, culpou a sociedade  por tudo que ocorreu com seu filho e outras vítimas de preconceito e por fim disse que estava na hora de dar a crimes o peso que eles tem relatando que iria entrar com uma emenda agravando o crime contra homossexuais.

Desceu do púlpito recebendo reclamações e protestos da bancada evangélica, ignorando a todos e dizendo "Se vai contra as leis de Deus que o próprio venha debater comigo. Não falo mais com seus franqueados”.

Com os dias apareceram os suspeitos pela surra em Francisco. Os mesmos foram presos, mas logo soltos porque os frentistas ficaram com medo de acusar em delegacia já que eram oriundos de classe média alta. Nesse meio tempo Thais e Gabriel voltavam ao Brasil e tomavam conhecimento de toda a tempestade que poupei de saberem enquanto curtiam a viagem.

Encontrei com os dois ao lado de Fernanda e estávamos tão estarrecidos com toda a situação que eu e Thais não percebemos o desconforto entre Gabriel e Fernanda. O casal ouviu a tudo atentamente e Gabriel perguntou porque eu não falara nada já que considerava Francisco como um irmão. Respondi que não queria atrapalhar a viagem e depois de respirar fundo comentei que ainda tinha o pior para contar.

Thais, assustada, perguntou o que poderia ser pior e eu respondi. “Seu primo, Igor, era um dos suspeitos”.

Thais pôs as mãos na cabeça não querendo acreditar e Gabriel comentou "Igor é desses pitboys, lutador de jiu jitsu que adora fazer confusão em boate, infelizmente não duvido disso".

Enquanto ele falava Thais se levantou e Gabriel perguntou aonde iria. Thais respondeu "Isso não vai ficar assim" e começou a caminhar. Gabriel tentou acompanhar, mas a moça impediu dizendo que tinha que fazer sozinha.

Thais foi até a casa do pai.

João abriu a porta e ela entrou imediatamente. O homem perguntou o que ela fazia ali, não considerava mais sua filha desde que se juntou a um devedor da justiça e ela contra argumentou "É? E o Igor é o que?". João se fez de desentendido e perguntou o que tinha Igor.

Thais disse "Não se faça de desentendido pai. Igor, seu adorado sobrinho, filho do seu amado e idolatrado irmão está envolvido nesse crime sórdido contra o filho do deputado Samuel. O senhor passou anos acusando o Gabriel. Fez pressão psicológica sobre mim até onde pôde, até na véspera do meu casamento com Ronaldo quando eu quis desistir alegando que o Gabriel era um criminoso.  E agora? Aquele que você vive dizendo que é o filho homem que sempre quis ter. Que muitas vezes me pôs pra baixo pra exaltar está envolvido em crime e é até mais criminoso que o Gabriel".

João respondia que não tinha nada provado contra ele e Thais rebatia "Por enquanto porque os frentistas estão com medo, mas ele aparece na fita de segurança e será indiciado. Eu tinha que vir aqui te ver depois dessa pai. Ver a ironia que a vida faz."

João tentava se esquivar dizendo que era diferente. Repetia a todo o momento que era diferente. Thais perguntou em que e ele disse que a freira era uma santa. Thais disse que Francisco era um ser humano igual a ela e João respondeu que não. Thais começou a gritar, exigir que ele dissesse porque era diferente até que João não aguentou e respondeu.

Porque era filho de gays.

Thais então se silenciou, olhou um tempo o pai e disse "Era essa a resposta que eu queria". Começou a andar em direção a porta com João perguntando aonde ela iria. Thais respondeu:

"Para algum lugar bem distante de você".

Thais chegou em casa e encontrou Gabriel esperando por ela preocupado. Ela entrou chorando e ele perguntou qual era o problema. Thais pediu "Apenas me abrace forte, minha família agora é você".

Infelizmente Francisco continuava na mesma e a vida tinha que continuar. Estava no apartamento vendo filme com Fernanda deitado no chão quando senti mexerem na porta. Abriram. Era Guga com uma mala na mão.

Perguntei o que ele fazia ali e como ainda tinha a chave. Guga respondeu "Ainda bem que ainda tenho né? Você aí namorando nunca me ouviria tocar a campainha". Retruquei que não estava namorando, Fernanda era minha amiga e perguntei o que ele fazia na sala com aquela mala. Guga abriu os braços, um largo sorriso e disse "Voltei amigão!!".

Fernanda começou a rir e eu tentava entender o que ocorria. Guga naturalmente contou "Sua irmã me botou pra fora". Perguntei o motivo e ele respondeu "Besteira, essas bobagens de mulher. Só porque ela me pegou na cama com outra". Nesse momento Fernanda gargalhava e eu sem acreditar falava "É..Nada demais". Guga carregando a mala perguntou se seu quarto ainda estava livre e comentou "Ela já está com outro também, um novinho. É safada, sei que é sua irmã, mas é safada". Largou a mala e me deu um abraço dizendo "Que saudades que estava daqui parceiro".

Olhou para Fernanda e perguntou "Tem certeza que realmente não te conheço?". Fernanda sorrindo jurou que não e ele pegou novamente a mala para levar ao quarto. O telefone tocou e antes que ele sumisse reclamou no celular "Que é Amanda? Já sentiu o cheiro de carniça?".

Eu e Fernanda rimos e a moça comentou que estava na hora de ir. Argumentei que era cedo e ela respondeu que tinha que acordar cedo pro mestrado. Me ofereci para levar em casa e Fernanda sorrindo respondeu "Melhor você ficar. Tem um maluco agora morando na sua casa". Me deu um beijo de lesma e foi embora.

Naquela noite sonhei novamente com Camila no Arpoador. Meu amor virou para mim e perguntou "Me ama?" respondi "Pra sempre"  e ela começou a andar dizendo "Agora não será apenas a mim". Retruquei que Fernanda era só minha amiga e ela sorriu e perguntou "Quem disse que estou falando de Fernanda?".

Antes que eu pudesse perguntar do que ela falava o despertador tocou. Era hora de acordar para o trabalho.

Levantei e na hora que abri a porta para sair ao trabalho dei de cara com Gabriel e Thais. Perguntei o que eles faziam tão cedo na minha porta e Gabriel, sério, pegou um papel e entregou na minha mão mandando que eu lesse. Fiquei preocupado perguntando o que era e ele insistiu.

Comecei a ler o papel e um sorriso tomou conta do meu rosto. Sorriso que há muito tempo não tinha. Olhei para Gabriel e perguntei  “É isso? É isso mesmo?". Gabriel respondeu com “Parabéns vovô”.

Nos abraçamos emocionados e chorando enquanto Thais nos observava também com lágrimas nos olhos.

Em outro canto da cidade Samuel dormia sentado na cadeira de um quarto de hospital quando ouviu fraco um "papai". Despertou na hora e gritou "Francisco!!" levantando e pegando sua mão.

Francisco despertara do coma.

Meu amigo e eu renascíamos naquela manhã.


CAPÍTULO ANTERIOR:

RECONCILIAÇÕES E INTOLERÂNCIA

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