SONHANDO COM A UNIÃO DA ILHA




É uma tarde do fim de 2008. Estou sonolento em uma van indo da Ilha do Governador para o centro da cidade. Uma tarde de verão como outra qualquer em que lamento estar numa van, não numa cama quando vejo duas pessoas conversando, duas senhoras.

Estamos nos aproximando do carnaval e uma delas pergunta “E a União da Ilha?” a outra responde “Acho que acabou”.

Aquela resposta me revolta. Tudo bem que a escola se aproxima de oito anos no acesso. Enfrenta graves problemas, esquecida no sábado de carnaval, quadra vazia, nem é mais citada entre as favoritas do acesso e olha que em 2008 reeditou um de seus grandes sambas. Não passou do quinto lugar do acesso.

Mas há de se respeitar a União da Ilha. Ela não morreu, continua viva como o maior orgulho da Ilha do Governador, uma das maiores entidades culturais desse país, dos mais famosos e contagiantes sambas de enredo e continua produzindo sambistas e cultura.

Podia ter discutido, falado tudo isso, mas preferi ficar na minha. Estava com muito sono. Pensei “Modinhas. Somos uma ilha cercada de modinhas. 
Depois a escola sobe, faz bons carnavais e todo mundo volta a frequentar a agremiação e se dizer torcedor da escola. Esse povo que deixa a quadra vazia pra ir aos sábados em ensaios da Grande Rio no Monte Líbano vai se dizer comunidade”.

Achei melhor dormir, estava longe do meu ponto. Dormi e dormi profundamente. Acabei justamente sonhando com a União da Ilha.

Sonhei que ela dava a volta por cima. Bem administrada surpreendeu todo mundo e voltou ao grupo especial. Quadra cheia na comemoração, muita gente que passava longe da sua quadra foi na festa da vitória beber cerveja de graça. O bairro feliz respirava seu maior orgulho.

O sonho continuou. Sonhei com o ano prosseguindo e todos numa mistura de preocupação e desconfiança com seu futuro, até porque todos sabem que quem cai desce imediatamente.

Mas também sonhei que a União pisou na avenida e respondeu “Não comigo, me respeite que eu sou a União da Ilha”. Sonhei que ela fazia um grande desfile, não um desfile de escola que vinha do acesso, mas de escola que retomava seu lugar e que pasmem, permanecia no grupo, coisa que raramente ocorre.    

Meu sonho continuou. Sonhei que no ano seguinte ninguém mais cogitava sua  queda e ela preparava um carnaval grandioso, mas seu barracão pegou fogo. Sonhei com sua gente chorando, eu mesmo chorando vendo as cenas pela televisão, mas que o choro durava apenas cinco minutos, afinal a União da Ilha era a escola de samba da alegria.    
  
Sonhei que aquele desfile que não valia nada valeu muito para a União da Ilha. Que ali em definitivo ela mostrava que voltara pra ficar. Qque tinha raça, alegria, felicidade. Sonhei que ali a União da Ilha mostrava que nem o fogo apagava seu amor.

Por falar em fogo apagando amor sonhei que no ano seguinte numa grande loucura a escola misturava chá com cachaça, no seguinte perguntava onde estava o poetinha e enquanto inaugurava sua nova quadra, uma das melhores quadras de samba do país se consolidava como uma das principais agremiações da cidade em nada lembrando a citada na van.

Um grande carnavalesco, uma comunidade apaixonada, uma quadra linda, uma administração séria. O que faltava pro grande desfile?

Por sorte não acordei e deu tempo do grande desfile passar. Aparou arestas, acabou com vaidades, fez escolhas certas e que  comunidade queria.

Misturou o profissionalismo e a beleza plástica recém adquiridas com o resgate de sua espontaneidade e alegria em um enredo que era a sua cara. Brincou na avenida, emocionou, se emocionou, mostrou beleza e saiu da Sapucaí aclamada.

A mesma escola declarada morta, a escola que arrebatou corações e multidões lançando perfume no cangote da menina, dando porres de felicidade, atravessando mar fazendo perguntas a espelho, perguntou para a cigana seu futuro gritava na avenida que seu carnaval era o quintal do amanhã.

Se a União da Ilha fosse uma pessoa naquele momento seria Cristiano Ronaldo e mostraria para as pessoas que lhe aplaudiam e gritavam por ela “eu estou aqui” apontando para a si.   
  
Porque ela é foda. Ela é a União da Ilha rapá.

Ainda deu tempo de sonhar com a apuração. Que ela fazia uma apuração brigando o tempo todo em cima. Em nenhum momento ameaçada de ficar de fora das campeãs, brigando quase o tempo todo por título e no fim metendo dois pontos de frente em Beija-Flor e Mangueira.

No fim da apuração sonhei que encontrava as mulheres da van e gritava “chupa”!!

Aí acordei.

Acordei com todos me olhando na van. Eu realmente tinha dito o “chupa”. Dei um sorriso sem graça e me encolhi em meu canto. As mulheres já tinham descido da van.

Lamentei tudo ser um sonho. Me perguntei “Como tudo pode ter sido apenas um sonho? Parecia tão real”. Olhei pela janela, de novo para a frente e ali percebi um casal entrar com uma criança e a mesma estava com camisa da União da Ilha.

Sorri e comentei comigo mesmo. “A União da Ilha não morreu, nem vai morrer. Ainda vai levantar poeira”.

Naquele instante me aconcheguei com o coração mais aliviado quando atrás de mim duas pessoas começaram a conversar sobre samba e uma perguntou:

“O Boi da Ilha acabou?”


Voltei a dormir.


Comentários

  1. Obrigado gente. A título de curiosidade, o papo na van foi real.

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  2. As vezes me perguntam por que eu escolhi torcer para a União da Ilha mesmo não sendo morador da Ilha do Governador, mesmo eu morando a quilometros de distancia da Ilha. Mesmo com a grande maioria do povo daqui torcendo para Beija-Flor e Grande Rio.

    Acho que não foi bem eu que escolhi a União, acho que foi ela que me escolheu.

    Muito mais que torcer por ela, é uma escola que mexe comigo.
    E como eu era muito novo na época em que ela foi rebaixada, quando comecei a torcer, ela já estava no acesso.

    Só lamento não poder estar presente na União como eu gostaria...

    Parabéns pelo texto Aloísio!!!

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    Respostas
    1. Torcer pela União não é fácil Tiago, mas acho que por isso nos dá tanto orgulho porque mesmo com tanta dificuldade se manteve grande e querida

      abração e obrigado

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