FOLHETIM

Por Aloisio Villar

(Rio de Janeiro, RJ)
(2012)



















PERSONAGENS


RODRIGO
MARCELA (noiva de Rodrigo)
MILENA (amante de Rodrigo)
ALEXANDRE (primo de Rodrigo)
ELIOCÁRPIO (pai de Rodrigo)
SANTELMA (mãe de Rodrigo)
JACINTO (médico)
FÁTIMA (empregada de Eliocárpio)
ANANIAS (pai de Marcela)
NELSON (amigo de Rodrigo e Alexandre)

E ainda:

BÊBADO NO RESTAURANTE
VENDEDOR DE LOJA
MOÇA NO CONSULTÓRIO DE JACINTO
PADRE
MULHER VIZINHA DE MILENA
POLICIAL

ÉPOCA: ATUAL; LUGAR DO DRAMA: RIO DE JANEIRO.
   














(Cena vazia. Os personagens é que, por vezes, segundo a necessidade de cada situação, trazem e levam cadeiras, mesinhas, colchões , que são indicações sintéticas de múltiplos ambientes. Cenários simples, muitas vezes levando a platéia a imaginação. O bêbado entra em cena e de frente a platéia finge estar em um mictório, Rodrigo entra e para ao seu lado fingindo o mesmo.)

BÊBADO – Não há prazer maior que o de uma mijada !! A mijada é santa !!

RODRIGO – Perdão?

BÊBADO – Eu disse que não há prazer maior que o de uma mijada!! Nem o sexo !! 

RODRIGO – Desculpe, mas das duas uma..ou eu não sei mijar ou você não sabe o que é sexo.

(Os dois se encaminham a uma pia imaginária, Rodrigo lava as mãos enquanto o bêbado se olha em um espelho também imaginário)

BÊBADO – Uma mijada quando estamos muito apertados é divina. Dá aquela sensação de alívio, de prazer. O sexo não, o sexo muitas vezes pode acabar com um homem!! A foda entorpece, inebria e mata!!

(Vira-se para Rodrigo e dá um tapinha em seu rosto)

BÊBADO – O poder da xana !! Tome muito cuidado com o poder da xana !!

(O bêbado sai de cena)

RODRIGO (Passa a mão no rosto devagar e depois faz cara de nojo) – O filho da mãe nem lavou as mãos !!    

(A luz apaga e acende sobre uma mesa, é um restaurante. Nela estão o pai de Marcela, os pais de Rodrigo e o primo Alexandre. Rodrigo sai do banheiro e vai de encontro a eles)

ELIOCÁRPIO – Finalmente voltou, achei que tivesse preso no banheiro.

SANTELMA – Ora Eliocárpio, pare de implicar com o menino.
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ANANIAS (Levantando) – Eu queria falar algumas palavras nesse momento tão especial.

MARCELA –Ai pai, olha o vexame.

ANANIAS – Que vexame minha filha? Onde há vexame para falar de amor?

ELIOCÁRPIO – Por favor Ananias, prossiga.

ANANIAS – Obrigado meu caro homem. Eu queria aqui na frente de um casal que eu tenho tanta estima, um homem que eu valorizo tanto quanto o senhor Eliocárpio Ferraço, um dos maiores cirurgiões do Rio de Janeiro dizer o quão me emociono e me sinto feliz com o enlace deste jovem e belo casal.   

ALEXANDRE – Apoiado !!

ANANIAS – Como todos sabem nasci em berço pobre, com dez anos de idade tive que trabalhar duro para ajudar a sustentar minha mãezinha. Mas venci!! Venci na vida!! Eu que comecei como caixa de supermercados hoje tenho a maior rede de supermercados do país e criei sozinho essa linda menina depois que perdi minha querida esposa para o câncer.

SANTELMA – Doença maldita.

ANANIAS – E hoje me sinto orgulhoso de entregar minha filha em noivado a um rapaz tão estudioso, batalhador, grande advogado. Rodrigo, saiba que com muita felicidade entrego minha filha para ser sua noiva e meus mais sinceros desejos de felicidade !!       

ELIOCÁRPIO (Enchendo o copo de todos) – Vamos Brindar!! Brindar a esse casal e que essa união seja eterna!!

ALEXANDRE – Boa tio, já estou com a garganta seca.

ANANIAS – Um brinde !! Um brinde a Marcela e Rodrigo!! Felicidades aos nubentes!!

TODOS – Felicidades !!
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(Todos confraternizam e bebem enquanto o bêbado passa pelo salão)

BÊBADO – Tem mijada que é santa e tem mulher que é o diabo!! Viva a mijada!!

(Ele sai e todos se olham de forma desconfortável)

ALEXANDRE – Vamos beber gente!!

(O clima melhora e voltam a rir e conversar, A luz se apaga e acende sobre Eliocárpio e Santelma que estão deitados em um colchão sob cobertas)

SANTELMA – Ai Eli, não sei se é o certo..

ELIOCÁRPIO – O que foi Santelma?

SANTELMA – Esse casamento do Rodrigo.. não sei se é o certo, nosso filho é tão jovem, com uma vida toda pela frente.

ELIOCÁRPIO – Que jovem? Eu na idade dele já estava casado com você !!

SATELMA – Ora Eliocárpio, mesmo assim, os tempos são outros o Rodrigo é um menino, outro dia mesmo surfava no Arpoador e ganhava dinheiro como DJ e agora é obrigado a ficar enfurnado em escritórios de terno e gravata, não vê como ele está triste?

ELIOCÁRPIO – Triste? Meu Deus do céu, como ele pode estar triste? A menina é linda e o sogro?? E o sogro?? O homem é trilhardário, é uma anta, aquele jeito de pobre, cara de pobre do tipo que sai do subúrbio, mas o subúrbio não sai dele!! Mas é rico!!

SANTELMA – Não fale assim do sr Ananias, ele é um homem muito bom e gosta realmente de nosso filho.

ELIOCÁRPIO – Mas é um novo rico e odeio essa raça que ganha um dinheirinho e já se acha igual a gente, mas fazer o que, a classe C foi ao paraíso, temos que aturar e é um grande negócio para o Rodrigo.

SANTELMA (indignada) – Não é um negócio, é a vida de nosso filho!!
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ELIOCÁRPIO – Sempre são negócios minha filha, sempre..já tomou o remedinho?

SANTELMA – Já sim, hoje meu estômago doeu menos.

ELIOCÁRPIO – É assim mesmo minha filha, doutor Jacinto Leite disse que você melhoraria com esse remedinho e teria um sono profundo, agora durma bem e sonhe com os anjos e nosso filho entrando numa bolada.

SANTELMA – Está bem, durma bem meu marido.

ELIOCÁRPPIO (dá um beijo em sua cabeça) – Durma bem meu amor.

(A luz se apaga por um tempo e ele se levanta)

ELIOCÁRPIO – Mulher chata, achei que não dormiria nunca.

(A luz se apaga e acende com a empregada da casa com uma camisola pequena, bem sensual bebendo água em um local como se fosse em uma cozinha, Eliocárpio entra)

FÁTIMA (sensual) – Oi patrão, sem sono?

ELIOCÁRPIO – Sim e com esse calor fiquei com sede.

FÁTIMA (passando o copo pelo corpo) – Aproveite que a água está gelada.

(Eliocárpio tenta agarrar a empregada que se desvencilha)

ELIOCÁRPIO – O que há Fátima?

FÁTIMA – Ai patrão, hoje não estou com cabeça, estou muito triste.

ELIOCÁRPIO – Por quê minha flor do campo?

FÁTIMA (dengosa) – Não quero lhe atrapalhar com meus problemas.

ELIOCÁRPIO – Deixe de bobagem meu bombom, eu sou seu analista, se abra comigo.
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FÁTIMA – Minha geladeira não está boa, gela muito pouco, o congelador então parece um fogão, tudo vira água. 

ELIOCÁRPIO (acariciando os cabelos da empregada) – Isso é muito triste.

FÁTIMA – Estou juntando dinheiro, graças a Deus tenho um bom salário que o senhor me paga..mas não consigo comprar a geladeira (finge choro) estou até pensando em fazer uma besteira o dono do mercadinho de minha rua vive me assediando e até dinheiro me ofereceu..

ELIOCÁRPIO (indignado) – Que canalha !!

FÁTIMA – Demais, eu pedi pra Nossa Senhora de Fátima me dar uma luz e sabe o que ocorreu?

ELIOCÁRPIO – Não.

FÁTIMA – Eu vi uma promoção de geladeiras no shopping, 800 reais, linda!! Branquinha, que desgela sozinha e..

ELIOCÁRPIO (aflito) – E?

FÁTIMA (resignada) – É justamente o valor que ele me ofereceu, a santinha quer que eu me deite com ele.

ELIOCÁRPIO – Canalha !! Patife!!

FÁTIMA (triste) – Ele é gordo, parece um barril, careca e sua muito, dá nojo de ver aquele homem me comendo com os olhos e suando em bicas, mas é o que tenho em mãos.  

ELIOCÁRPIO (decidido) – Você não irá se deitar com esse gordo com sudorese!! Nunca !!

FÁTIMA – Mas não há jeito..

ELIOCÁRPIO – Há sim !! Eu lhe darei esses 800 reais !!

FÁTIMA (Olhos brilhando) Jura??
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ELIOCÁRPIO – Sim, não quero aquele dono de mercadinho de subúrbio tocando em você, amanhã lhe dou o dinheiro.

FÁTIMA (fazendo carinho no rosto de Eliocárpio) – Obrigado meu patrãozinho lindo, você fez minha noite quase que totalmente feliz.

ELIOCÁRPIO – E o que falta pra ela ser completamente feliz?

FÁTIMA – Agora falta que eu me concentre e consiga arranjar o dinheiro pra comprar o tênis do meu filho, o Miguel.

ELIOCÁRPIO – Miguel é aquele que tinha vermes?

FÁTIMA – Sim e que o senhor como um anjo me ajudou e arranjou um médico para ele. Pois é, ele está com tênis rasgado coitadinho, os amiguinhos na escola ironizam e lhe chamam de favelado.

ELIOCÁRPIO – E quanto estaria um par de tênis?

FÁTIMA – Ah patrão, acho que um de nível como os coleguinhas usam uns duzentos reais, por quê?

ELIOCÁRPIO – Amanhã lhe dou mil reais, compre a geladeira e o tênis.

FÁTIMA (abraçando Eliocárpio) – O senhor não existe!! Obrigada !! Muito obrigada!!

ELIOCÁRPIO – Tudo para fazer minha delicinha feliz.

FÁTIMA (insinuante) – Eu sei como te agradecer...

ELIOCÁRPIO – Sabe é?

FÁTIMA (no ouvido de Eliocárpio) – Paulo Victor, Aldo, Vica, Duílio e Branco..

ELIOCÁRPIO (com cara de tesão) – O time do Fluminense tricampeão carioca..

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FÁTIMA (andando em direção a coxia e deixando cair uma alça da camisola) – Jandir, Delei e Assis..

ELIOCÁRPIO (seguindo Fátima muito excitado) – Não para, continua..

FÁTIMA – Romerito, Washington e Tato ..(cantando) Sou tricolor de coração, sou do clube tantas vezes campeão..(falando) vem meu pó de arroz, vem meu tricolor..

ELIOCÁRPIO (Gritando) – Nense !!! (falando baixinho) Ops..

(A luz se apaga e acende com Rodrigo e Marcela se beijando sentados na sala)

MARCELA – Para Rodrigo..

RODRIGO – Só mais um pouquinho..

MARCELA (ainda beijando) – Para, já falei !!

RODRIGO – Ta, eu vou parar..

(continuam se beijando até que Rodrigo pega no seio de Marcela que se desvencilha abruptamente e levanta)

MARCELA – Eu mandei parar Rodrigo!!

RODRIGO (irritado e sentado) – Assim não dá Marcela, eu não agüento mais (mostra a mão para Marcela) Olhe o estado da minha mão !!

MARCELA – Passa creme que melhora, não adianta você insistir eu já falei que só casando.

RODRIGO – Pare de bobagem Marcela, nos casaremos em poucas semanas não há problema nenhum de brincarmos um pouco.

MARCELA – Não, sem brincadeiras, eu vou casar virgem e de branco como minha mãe, minha avó, minha bisavó e todas as mulheres de minha família.

RODRIGO – Besteira, eram outros tempos.
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MARCELA – Não interessa quais tempos estamos, são minhas convicções e você tem que respeitar.

RODRIGO (levanta irritado) – E me respeitar? Você me respeita? Acha justo que um homem feito como eu, adulto, se acabe na punheta??

MARCELA – Olhe o palavreado..  

RODRIGO – Que foi? Problemas com a palavra? Sim, é punheta!! Punheta!! Eu sou obrigado a me masturbar, a bater punheta, descabelar o palhaço, usar de covardia do cinco contra um porque a minha noiva não é capaz de me aliviar!!

MARCELA – Quando casarmos isso acaba..

RODRIGO – Quando casarmos? Então até lá terei que continuar fudendo sozinho?

MARCELA – Não dá..definitivamente não dá pra conversar com você.

(Alexandre entra na sala)

ALEXANDRE – Que foi? Dá pra ouvir a discussão de vocês lá de dentro.

MARCELA – Eu vou embora..Alexandre tente colocar um pouco de juízo na cabeça do seu primo que eu não estou mais em condições de ficar aqui.

ALEXANDRE – Ih caramba..

MARCELA – Quando você parar de fogo no rabo e decidir me respeitar ligue.

(Marcela sai de cena)

RODRIGO (gritando pra coxia) – Isso!! Vai embora mesmo e me deixe na mão, Madre Marcela de Calcutá!! A mais Santa das frígidas !!

ALEXANDRE – Que isso cara, calma.

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RODRIGO – Como calma Alexandre? Porra como calma?? A Marcela não deixa fazer nada, nem tocar nos peitinhos!!

ALEXANDRE – Nem naqueles peitinhos que parecem pêras? Que judiação..

RODRIGO – Qual é Alexandre !! Olha o respeito !!

ALEXANDRE – Desculpa, prossiga.

RODRIGO – Porra Alexandre, quanto tempo namoro a Marcela? Três anos? É, três anos e três anos sem sexo!! Sem nada só beijando.

ALEXANDRE – Ah para Rodrigo, você só pode estar brincando comigo, nem umas puladinhas de cerca?

RODRIGO – Nada, nadinha, eu sou fiel..

ALEXANDRE – Ah para..

RODRIGO – Sim Alexandre, fiel, nunca traí a Marcela, nem em pensamentos, até minhas punhetas são pra ela. 

ALEXANDRE – Não existe tara maior que tocar punheta pra própria namorada, isso já é o ápice da perversão.

RODRIGO – Sim, três anos me masturbando pensando nela..não é possível, será que ela não sente tesão também? Como consegue ser tão fria, só pensa nesse casamento e entrar no altar virgem.

ALEXANDRE – Como diria Nelson Rodrigues todo moralista é pervertido.

RODRIGO – Não foi o Nelson que disse isso, foi o Felipe, nosso professor de psicologia na faculdade, aquele barbudo que tinha cara de tarado e chamava as alunas pra sair em troca de notas altas.

ALEXANDRE – Ah é? Não lembrava, jurava que tinha sido o Nelson, mas foda-se, o Nelson repetia toda hora aquela frase que atribuía ao Otto Lara Resende quando ele nunca disse.

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RODRIGO – O mineiro só é solidário no câncer.

ALEXANDRE – Isso, Otto Lara Resende disse (imposta a voz) O mineiro só é solidário no câncer e Nelson Rodrigues disse (voz soturna) Todo moralista é pervertido.

RODRIGO – Ok, supondo que a Marcela seja pervertida e daí? Ela só quer transar depois do casamento, como vou me resolver antes?

ALEXANDRE – Só há uma solução, aquela velha solução de desde que mundo é mundo, que há milhares de anos tira o atraso de meninos punheteiros ao redor do planeta.

RODRIGO – Qual?

ALEXANDRE – Casa de tolerância, zona de baixo meretrício, casa da jacutinga, casa da luz vermelha, cabaré, boate, termas, casa de massagem, bordel..puteiro!!

RODRIGO – Ah Alexandre, para, nunca fui a um puteiro antes.

ALEXANDRE – Por isso é assim, se tivesse perdido o cabaço num puteiro com uma puta enorme de gorda que tivesse subido em cima de você em troca de trinta reais não estava agora se flagelando porque namorada não quer dar.

RODRIGO – E puteiro vai me ajudar?

ALEXANDRE – Claro homem, você vai lá se alivia, fica tranqüilo e leva na maciota com a Marcela até o casamento e depois com essa tranqüilidade fará a noivinha ter uma noite de núpcias maravilhosa, é batata !!

RODRIGO – Não sei, não sei se é uma boa..

ALEXANDRE – Como não? O que você tem a perder? É um contrato, um negócio, você paga para ter prazer e ela pra lhe dar esse prazer, não tem amor na história, é só o carnal, aplacar os desejos da carne!!

RODRIGO – Valeu a tentativa Alexandre, mas não dá, eu sou fiel.  

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ALEXANDRE (desdenhando) – Fiel..vai catar coquinho com essa história de fiel, não existe homem fiel isso é uma  lenda como o saci pererê, o boitatá e a mula sem cabeça. Cadê aquele Rodrigo que tirava onda no Arpoador surfando, tocando violão, fumando maconha e comendo todas as ripongas da praia?

RODRIGO – Cresceu e se tornou um homem fiel.

ALEXANDRE (sério e olhando o primo) – Não existe homem fiel, existe homem frouxo e você não cresceu, virou um bolha.

RODRIGO – Primo, fale com a minha mão.

(Rodrigo sai de cena, Alexandre fica sozinho)

ALEXANDRE (gritando) – Bolha !! Bolha !!

(Fátima entra em cena)

FÁTIMA – Oi seu Alexandre, falando sozinho?

ALEXANDRE – Estava falando com o idiota do meu primo, ele me irrita..mas você está com um olhar triste,  o que foi?

FÁTIMA – Ah seu Alexandre, não quero importunar o senhor com os meus problemas.

ALEXANDRE – Pode falar..

FÁTIMA – É o fogão lá de casa..tadinho,  não esquenta mais nada, parece um freezer.

ALEXANDRE – Ok Fátima, já entendi, não precisa contar a historinha triste..quanto custa um novo?

FÁTIMA – Mil reais.

ALEXANDRE – Vamos fazer o seguinte..vamos ao seu quarto e me conte como é esse fogão que você quer.

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FÁTIMA (sorrindo) – Safado..

ALEXANDRE – Me chame de pervertido..

FÁTIMA – Safado !! Pervertido!!

ALEXANDRE – Isso, pervertido, eu sou o pior dos pervertidos, o pior dos canalhas..

FÁTIMA – Canalha !! Pervertido !! Vem que te conto tudo sobre o fogão.

(A luz se apaga e acende com Marcela e um vendedor conversando animadamente, ele mostra produtos imaginários a ela, a platéia vê nada, Rodrigo desolado está sentado em uma cadeira)

VENDEDOR – Minha senhora..

MARCELA – Senhorita ainda, mas só por mais algumas semanas.

VENDEDOR – Perdão senhorita, enfim, a senhorita veio no lugar certo, aqui é o lugar ideal para tudo que precisa para o seu lar.

MARCELA – Que bom, caso em semanas e quero tudo do bom e do melhor em minha casa, não é Rodrigo?

RODRIGO (entediado) – Uhum..

(Rodrigo está perdido em seus pensamentos e além dele falando surgirá em off sua voz como se fossem seus pensamentos)

RODRIGO (Em off) – Saco, não podia estar agora jogando futvoley na praia? Bebendo uma cerveja?

VENDEDOR – Olhe essa geladeira que linda, ela é um refrigerador duplex frost free com a maior capacidade da categoria para armazenar seus alimentos, tem prateleiras mais profundas na porta e freezer maior.

MARCELA (eufórica) – Olhe amor, não é linda?

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RODRIGO – Muito.

RODRIGO (em off) – Quanto estará o jogo do Fluminense? A essa hora já começou, ruim que o time está desfalcado e o técnico é uma mula, mas acho que dá pra ganhar.

VENDEDOR – A geladeira utiliza o gás R-600a, que não agride a camada de Ozônio, pois não contribui para o efeito estufa, sendo considerado um produto 100% ecológico. Além de tudo isso, é muito fácil de limpar! Com um design único e diferente, vai incrementar a sua cozinha, embelezando ainda mais o ambiente. 

MARCELA – Olha que bacana !! Ainda protege a camada de Ozônio Rodrigo!!

RODRIGO – Verdade.

RODRIGO (em off) – Quero que a camada de Ozônio se foda, por mim  derrubava toda a floresta Amazônica e fazia ali um grande estacionamento.

VENDEDOR – E as formas de pagamento podem ser bem facilitadas..

MARCELA – Pago a vista, dinheiro não é problema, papai paga.

RODRIGO (em off) – Que enfie o dinheiro no..

VENDEDOR – Quer ver fogões?

MARCELA – Claro, quero cozinhar pro meu maridinho (faz carinho em Rodrigo) Não é amor?

RODRIGO – É sim.

RODRIGO (em off) – Cozinhar pra ela é pegar telefone e ligar pra pizzaria.


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VENDEDOR – Olhe Esse !!  Clean BF706. Além de ter seis bocas com dois queimadores rápidos e quatro semi-rápidos e espaço suficiente para acomodar melhor as panelas, conta com forno autolimpante para você ter mais tempo para a sua família! Tem ainda acendimento automático, grades individuais e tampa de vidro temperado.

MARCELA – Uau !! Que espetáculo !!

RODRIGO (em off) – Será que se eu der um tiro na cabeça dela me livro desse martírio?

VENDEDOR – Conta ainda com válvula de segurança, prateleiras deslizantes e iluminação central. Tudo para garantir qualidade no preparo das suas refeições!   

RODRIGO (em off) – Melhor eu dar um tiro na minha cabeça !!

VENDEDOR – Com o acabamento em inox, seu fogão de piso vai dar um ar de modernidade à sua cozinha, além de garantir maior durabilidade do produto. 

MARCELA – Eu quero!! Vamos comprar Rodrigo!!

RODRIGO – Está bem.

RODRIGO (em off) – Vou dar um tiro nela, um nele e outro em mim depois, acho que Deus me perdoa.

VENDEDOR – Venham comigo que mostrarei lavadoras de roupas de grande qualidade.

MARCELA – Sim, vamos Rodrigo.

(Rodrigo se levanta e dá a mão a Marcela)

RODRIGO – Pra tudo que aturo pelo menos devia ter sexo.

MARCELA – Oi? Falou alguma coisa?
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RODRIGO – Nada amor, pensei alto.

(A luz se apaga e acende com Rodrigo e Marcela sentados em cadeiras, Rodrigo mexe as mãos como se estivesse pegando em um volante, estão em um carro)

MARCELA (Entusiasmada) – Nossa, muitas compras hoje, muitas sacolas, mas valeu a pena.

RODRIGO – Eu achei exagerado, não precisava gastar tanto.

MARCELA – Dinheiro não é problema, papai tem dinheiro.

RODRIGO – Papai, papai, a vida não é só isso Marcela, um dia ele morre e aí?

MARCELA – Aí eu herdo o dinheiro, os supermercados e continuo rica.

RODRIGO – As coisas não são assim, você nem estrutura tem pra comandar negócios. Largou faculdade de direito, não trabalha, dinheiro vai embora.

MARCELA – Ai Rodrigo, começa de novo com esse papo chato não (se espreguiça) to muito cansada e quero curtir as coisas que comprei.

RODRIGO – Também estou cansado, tudo que quero é tomar um banho e chamar o Alexandre pra tomar um choppinho.

MARCELA – Alexandre? Choppinho? Endoidou?

RODRIGO –Por quê? Qual o problema?

MARCELA – Hoje tem o jantar que meu pai dará lá em casa. Temos que ir direto pra lá.

RODRIGO – Jantar? Que jantar?

MARCELA – Jantar por aceitarem papai no Country club, que foi Rodrigo? Não tem prestado atenção em nada que falo. Tem andado no mundo da Lua?
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RODRIGO – Antes fosse..

MARCELA – Bem, vamos pra casa, lá você toma um banho e pega alguma roupa que deixou em meu armário pra colocar.

RODRIGO – Está bem Marcela, tudo como você deseja.

(A luz se apaga e acende na sala de Ananias, estão em cena Ananias, Eliocárpio e Dr Jacinto Leite)

JACINTO – Vocês tinham que ver o caso que chegou ontem no hospital.

ELIOCÁRPIO –O que ocorreu Jacinto?

JACINTO – Uma menina, devia ter uns quinze anos, foi currada..bom esse croquete hein? Tem mais?

ANANIAS – Que horror !!

JACINTO – Tinham que ver a menina, linda, cara de anjo e parecia muito bem cuidada.

ELIOCÁRPIO – Mas e aí?

JACINTO (falando naturalmente, como se fosse nada demais) – Chegou muito machucada, pelas informações cinco homens cercaram a moça depois do colégio e levaram a um terreno baldio..(em transe, parecendo gostar do que conta) Cinco !! Cinco homens e uma pobre inocente que foi violada!!

ANANIAS – Que absurdo, em que mundo vivemos?

JACINTO – Pela forma que ela chegou no hospital lutou muito, mas como uma menina vai lutar contra cinco homens? E assim ela foi currada, um por um penetrando nela e tirando sua alma.

ELIOCÁRPIO – E como ela está?

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JACINTO (bebendo de um copo que está em sua mão) – Morreu.

ANANIAS – Nossa!! Morreu!! Mas como?? Por quê?

JACINTO – Ah Ananias, ela apanhou muito, ainda bateram com barra de ferro em sua cabeça, parte do crânio ficou exposto, uma pena, tão bela menina.

ELIOCÁRPIO – Que tragédia, estou estarrecido.

JACINTO – Tinham que ver a menina depois de morta na mesa do legista.. que coisa mais linda aquela pele branca, aquela expressão suave na face, parecia que dormia, o sono dos inocentes.

ANANIAS – Pobre moça.

JACINTO – O legista examinava a moça e eu lá olhando aquela cena que transbordava poesia, eu ali..só olhando..enquanto a moça se despedia da vida.

ELIOCÁRPIO – Desculpe Jacinto, mas eu não entendo como consegue ver a morte de uma menina de quinze anos dessa forma.

ANANIAS – Nem eu, parece tara.

 JACINTO –Amigos, ora meus amigos, não há nada de tara na morte, a morte faz parte da vida e todos nós temos que vê-la como coisa natural.

ANANIAS – Desculpe Jacinto, mas nunca verei a morte como algo natural, ainda mais de uma moça de quinze anos currada por cinco homens.

ELIOCÁRPIO – Isso é degradante, nojento.

JACINTO – É a morte !! É a vida!!

ANANIAS – Falando em morte vamos falar de algo mais leve ... e o Botafogo?

JACINTO – Prefiro falar da menina violada.
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ANANIAS – Ora, só por quê perdeu para meu time?

ELIOCÁRPIO – Realmente, o Botafogo está muito mal, ao contrário de meu time que só me dá alegrias.

ANANIAS – Mas que irá perder para o meu como o Botafogo perdeu hoje.

JACINTO – Por favor, vamos falar das violadas, eu desisti do Botafogo faz tempo.

ANANIAS – Prefiro prestar uma homenagem a você, já venho.

(Ananias sai de cena)

JACINTO – E como passa dona Santelma?

ELIOCÁRPIO – Ah bem melhor graças a suas consultas e medicamentos, graças a Deus.

JACINTO – Ela não veio?

ELIOCÁRPIO – Veio sim, está na cozinha ajudando a administrar as empregadas de Ananias, já que ele infelizmente é viúvo.

JACINTO – Sim, eu sei, o câncer.

ELIOCÁRPIO – É, essa doença maldita.

JACINTO – Deve ter sido um belo enterro.

(De repente ouve-se o hino do Vasco e Ananias volta à cena)

ANANIAS (cantando) – Vamos todos cantar de coração !! A cruz de malta é meu pendão !!

ELIOCÁRPIO (rindo) – Maldade.

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ANANIAS (cantando) – Tu tens o nome do heróico português, Vasco da Gama sua fama assim se fez (falando) cante comigo Jacinto.

JACINTO – Não obrigado, já basta a goleada que tomamos de seu time.

(Santelma entra em cena carregando bandeja)

SANTELMA – Estão servidos? Fiz questão de trazer eu mesma para vocês.

(os três se servem e agradecem)

ANANIAS – Venham amigos, vamos até a outra sala que lhes mostrarei quadros que comprei em minha última viagem a Europa.

JACINTO – Vão indo, antes quero ver como está minha paciente.

ANANIAS – Está bem, mas não demore.

JACINTO – Ah e por favor, tirem esse hino, não agüento mais.

(Ananias e Eliocárpio saem de cena e o hino para de tocar)

JACINTO (sensual) – Então, como está minha paciente preferida?

SANTELMA – Bem, mas com saudade de suas consultas.

JACINTO – Por quê não vai lá essa semana? Precisamos fazer aquele exame.

SANTELMA – Ai meu Deus!! Aquele?

JACINTO – Sim, aquele.

(ele se aproxima e vai até seu ouvido)

JACINTO (falando no ouvido de Santelma) – Endoscopia.

SANTELMA – Ai, fala de novo..
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JACINTO (de novo no ouvido) – Endoscopia..

SANTELMA – Fico toda arrepiada.

JACINTO – Então vá lá.

SANTELMA – Eu vou sim, agora ta mais fácil, o idiota do Eliocárpio está de quatro por nossa empregada e acha que não percebi.

JACINTO – Que idiota, você é melhor que qualquer empregada doméstica.

SANTELMA – Enquanto o babaca faz as vontades dela posso me consultar com você.

JACINTO – Ótimo.

SANTELMA – Agora vamos ver os tais quadros antes que o novo rico deslumbrado e o idiota do meu marido desconfiem de algo.

(Eles saem de cena e Rodrigo e Marcela entram, cada um por um lado)

MARCELA – Só tinha essa roupa? Ela é horrível!!

RODRIGO – Não, tinha mais, mas eu gosto dessa, você sabe que é uma de minhas preferidas.

MARCELA – Mas eu não gosto e você sabe disso, parece um garoto bobo com ela.

RODRIGO – Talvez porque eu realmente seja um garoto bobo.

MARCELA – Impressionante como você não faz nada que eu quero.

RODRIGO – Que coincidência, você também não faz nada que eu quero, inclusive sexo.

MARCELA – Esse assunto de novo? Haja paciência.
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RODRIGO – Sim, esse assunto de novo e ele sempre voltará à tona porque ele me revolta!!

(Ananias, Eliocárpio, Jacinto e Santelma voltam a cena)

ANANIAS – Algum problema? Estão discutindo?

MARCELA – Não papai, nada demais.

ANANIAS – Ótimo, porque eu quero aproveitar que estão todos reunidos e falar uma coisa.

ELIOCÁRPIO – Conte, estamos curiosos.

ANANIAS – Bem, nossos filhos irão se casar em algumas semanas e me lembrei que dei nada ainda pra esse casamento.

RODRIGO – Como não Dr Ananias, muitas das coisas que compramos foi com seu dinheiro.

ANANIAS – Sim Rodrigo, mas nada meu diretamente, então eu decidi dar um presente.

SANTELMA – E qual seria? Estou curiosa.

ANANIAS (pegando uma chave de dentro do bolso) – Marcela, Rodrigo, peguem.

RODRIGO – Mas o que é isso Dr Ananias?

ANANIAS – A chave do apartamento triplex aqui na Barra da Tijuca que comprei para vocês avaliado em dois milhões de reais.

MARCELA (entusiasmada abraçando o pai) – Nossa pai!! Que presente!! Muito obrigada!!

ANANIAS – Que isso minha filha, tudo pela felicidade de vocês.
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JACINTO – Realmente é um baita presente.

ANANIAS – E você Rodrigo? Não diz nada? Não gostou?

RODRIGO – Bem Dr Ananias, é um grande presente realmente, mas não vamos aceitar.

ELIOCÁRPIO – Como não?

SANTELMA – Que isso? Está louco filho?

JACINTO – Esse rapaz comeu merda.

RODRIGO – Dr Ananias, eu já aluguei um apartamento perto de meu trabalho e fiz os cálculos com o que ganho por mês e dá pra manter o imóvel tranqüilamente.

MARCELA – O quê? Aluguel? Rodrigo eu saí do subúrbio, eu pegava ônibus para ir ao colégio, você acha mesmo que eu vou querer morar em apartamento alugado? Meu pai tem dinheiro eu não preciso mais disso.

RODRIGO – Mas Marcela..

MARCELA – Aceitamos sim papai, muito obrigada.

ANANIAS – Então vamos brindar!!

(Ananias enche o copo de todos que brindam felizes, menos Rodrigo que está sério)

RODRIGO – Bem já que está tudo resolvido, me dêem licença um instante.

(Rodrigo sai de cena)

ANANIAS – Acho que ele não gostou.

MARCELA – Relaxa papai, isso passa.
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(A luz se apaga e acende com Rodrigo sozinho em cena)

RODRIGO – Incrível, essa varanda é o único lugar respirável da casa.

(Fátima entra em cena)

FÁTIMA – Oi seu Rodrigo, falando sozinho?

RODRIGO – É, as vezes faz bem, serve para refletir.

FÁTIMA (rindo) – Pra mim é coisa de doido.

RODRIGO – Mas o que fazes aqui?

FÁTIMA – Sua mãe pediu que eu ajudasse no evento, aproveitei que deu uma parada na cozinha e vim fumar.

RODRIGO – Ta com cigarro aí? Me arruma um.

FÁTIMA – Oxe e desde quando o senhor fuma?

RODRIGO – Há dez anos, mas escondido de todos.

FÁTIMA (pega o maço e entrega o cigarro a Rodrigo) – Do jeito que lhe reprimem deve fazer muita coisa escondida dos outros ou pelo menos ter vontade.

RODRIGO – Como assim Fátima? Não entendi.

FÁTIMA – Quanto tempo trabalho na casa de vocês? Seis anos? Pois é, o senhor mudou muito.

RODRIGO – Não sei aonde quer chegar.

FÁTIMA – Reprimido.. essa moça lhe reprime, me desculpe senhor Rodrigo, mas é como se ela tivesse lhe cortado os bagos fora e guardado numa caixinha.
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RODRIGO – Fátima!!

FÁTIMA – O senhor era cheio de vida antigamente, acordava cedo, pegava a prancha e saía todo contente, chegava em casa animado com os discos novos que havia comprado, eu via a cara do seu pai irritado pela vida que levava, mas o senhor era feliz.

RODRIGO – As coisas mudam.

FÁTIMA – Mas pra pior? Só vejo o senhor agora saindo cedo de cara amarrada combinando com o terno e gravata..

RODRIGO – Não é assim!!

FÁTIMA – Aceitando tudo que dona Marcela lhe impõe pra felicidade do seu pai que finamente lhe colocou cabresto..

RODRIGO – Olha como fala..

FÁTIMA – E aquele rapaz saudável, surfista, feliz morreu e virou um bundão.. 

RODRIGO – Fátima!!

FÁTIMA – Me desculpe, mas eu tinha que falar, essa moça lhe faz mal e ser infeliz é o câncer da alma, a tristeza lhe corrói as entranhas até matar.

RODRIGO (desolado) – É, pode ser..

FÁTIMA – Já escolheu o epitáfio?

RODRIGO – Como assim?

FÁTIMA – O que estará escrito em sua lápide quando morrer?

RODRIGO – Não fale besteiras.


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FÁTIMA – A tristeza mata seu Rodrigo, mais do que o cigarro, mas os cientistas não dizem isso, aproveitam pra vender antidepressivo.

RODRIGO – Vocês às vezes me assusta.

FÁTIMA – Não sou eu que tenho que lhe assustar seu Rodrigo, sim a vida que leva.

(Marcela entra em cena)

MARCELA – Rodrigo estava lhe procurando..o que é isso na sua mão?

RODRIGO (se livrando do cigarro) – Não é nada não amor.

FÁTIMA – É um cigarro e ele fuma há dez anos, com licença que tenho trabalho.

(Fátima sai de cena)

MARCELA – Que história é essa de cigarro? Fumante há dez anos?

RODRIGO – Não amor, que isso, é história da Fátima.

MARCELA – Que coisa nojenta Rodrigo!! Eu não vou virar fumante passiva, que você pare imediatamente com esse vício!!

RODRIGO (irritado) – Quer saber? Sim!! Eu fumo há dez anos e gosto pra cacete de cigarro!! Nicotina!! To pouco me lixando se faz mal, se causa câncer!! Eu quero um câncer !! Eu quero morrer de câncer!!

MARCELA- Que bobagem é essa?

RODRIGO – Mas câncer de pulmão, meus pulmões pretos por causa da nicotina com o tumor se espalhando por meu corpo!! Mas meu corpo, não minha alma!!

MARCELA – Você só pode estar bêbado.
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RODRIGO (gritando) – E outra!! Eu fumo maconha!!! Eu sou maconheiro!! Maconheiro!! E não vou permitir que você guarde meus bagos em uma caixinha !!

MARCELA – Para de gritar isso, ta maluco?

RODRIGO (Falando baixinho, nos olhos de Marcela e firme) – E quero fuder!!

MARCELA – Vamos voltar lá pra dentro, é melhor.

RODRIGO – Eu vou embora, é melhor.

MARCELA – Mas Rodrigo? O que eu vou falar lá dentro?

RODRIGO – Diz que eu fui comprar cigarros, de maconha!!

(Rodrigo sai de cena e a luz se apaga, acende com ele sozinho em cena)

RODRIGO (tentando com chave abrir uma porta de carro imaginária e desistindo) -  Vou pra casa não, vou ligar pro Alexandre.

(pega o celular no bolso e disca)

RODRIGO (no telefone) – Alexandre? Ta de bobeira? Precisando relaxar cara, beber alguma coisa, ver pessoas diferentes, conversar..pode me encontrar? Beleza, onde você está? Eu vou até aí..sei onde é a rua, qual o nome da casa? Ta, te encontro aí em meia hora.

(desliga o telefone)

RODRIGO – Vamos ver quem é o bundão.

(a luz se apaga e ao acender Rodrigo e Alexandre estão bebendo sentados e com garrafas na mesa)

RODRIGO – Eu não agüento mais!! Eu quero os meus bagos de volta!!

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ALEXANDRE – Que papo estranho Rodrigo..

RODRIGO – A Marcela me castra, me castra quando não me dá sexo, me castra na minha liberdade, na minha essência, esse não sou eu, é um pulha!! Um pulha!! Saca?

ALEXANDRE – Sim, saco, saco que você está bêbado.

RODRIGO – Bêbado? Nunca estive tão sóbrio.

ALEXANDRE – O seu problema é falta de sexo.

RODRIGO – Já disse, eu sou fiel.

ALEXANDRE – Você não é fiel, você é demente!! Falta de sexo causa problemas mentais sabia? Você quer virar um doente mental??

RODRIGO – Vou dar uma mijada, já me disseram que tem mijadas que são santas.

(Rodrigo levanta e sai andando)

ALEXANDRE (grita) – Não há tarado maior que o homem fiel !!!

(Alexandre bebe por um tempo sozinho e Rodrigo volta)

RODRIGO – Alexandre, que lugar estranho é esse?

ALEXANDRE – Como assim estranho?

RODRIGO (sentando) – Essas mulheres seminuas rebolando, esses homens esquisitos cheirando a cachaça.

ALEXANDRE – Ora Rodrigo, todo puteiro é assim.

RODRIGO (levava copo a boca e se engasga) – Como assim puteiro? Ta maluco? Você me levou a um puteiro? Isso aqui é um puteiro???

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ALEXANDRE – Porra Rodrigo!! Você disse que precisava desabafar, beber, se divertir e ver pessoas novas, queria que te levasse aonde? Na congregação dos meninos cantores de Petrópolis???

RODRIGO – Queria que você me levasse a qualquer lugar, menos a um puteiro!!

ALEXANDRE – Aproveite Rodrigo, olhe quanta beleza em volta, isso aqui é a Disneylândia do sexo!! Só não tem o Mickey e o Donald, mas garanto que eles não fazem falta.

RODRIGO – É inacreditável, essas meninas coitadas, tendo que aturar esses homens beberrões, sujos, feios, que poderiam ser seus avós.

ALEXANDRE – Meu caro, toda prostituta é uma santa não canonizada.

RODRIGO – É deprimente.

ALEXANDRE (levantando) – Bem, enquanto você formula um manifesto contra velhos tarados transarem com prostitutas vou atrás de uma pra que eu dê conforto e alguns reais.

RODRIGO – A Marcela vai me matar.

ALEXANDRE – Primo, ela vai te matar de qualquer jeito.

(Alexandre sai de cena e Milena entra)

MILENA – Posso me sentar?

RODRIGO – Claro, por favor.

(Milena senta)

MILENA – Nunca vi você por aqui.

RODRIGO – Nunca vim mesmo, fui enrolado por meu primo.

MILENA – Primos são assim mesmo.
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RODRIGO – É verdade.

MILENA – Tímido?

RODRIGO – Sim, mas constrangido acho que seria a resposta mais adequada.

MILENA – E por quê está assim?

RODRIGO – Por causa da minha noiva.

MILENA – Ela trabalha aqui?

RODRIGO – Marcela trabalhando num cabaré? Mais fácil o papa virar pai de Santo.

MILENA – Ela não gosta de sexo?

RODRIGO – Eu não disse isso.

MILENA – Acertei, ela não gosta, por isso você é tão tenso.

RODRIGO – Não sou tenso.

MILENA – Você é tão tenso sexualmente que ao mesmo tempo em que mal consegue formular uma frase não para de olhar meu decote.

RODRIGO – Não estou olhando seu decote.

MILENA – Todo moralista é pervertido.

RODRIGO – Não é a primeira vez que ouço isso.

MILENA – Nelson Rodrigues.

RODRIGO – Nelson Rodrigues nunca disse isso.

MILENA – Bem, vamos direto ao assunto, duzentos reais três horas.

RODRIGO – Pra quê?
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MILENA – Para que eu tire sua tensão.

RODRIGO – Desculpe, mas eu sou fiel.

MILENA – E o que faz aqui se é fiel?

RODRIGO – Já disse, fui enrolado pelo meu primo.

MILENA – Seja enrolado por mim então, por duzentos reais faço coisas que você nem imagina.

RODRIGO – Como o quê?

(Milena fala no ouvido de Rodrigo)

RODRIGO – É, acho que pode valer a pena.

MILENA (levanta) – Vamos?

RODRIGO (depois de olhar um tempo a moça) – Não vai prestar. 

(ele se levanta e os dois saem de cena, a luz se apaga e acende com os dois entrando em cena, um colchão ta no chão, é um quarto de motel)

RODRIGO – Pelo preço cobrado no quarto ele podia ser melhor.

MILENA – Não reclame que será recompensado.

RODRIGO – Não sei se isso é o certo.

MILENA – Pagamento adiantado ta?

RODRIGO (entrega o dinheiro) – Bem profissional você.

MILENA (guardando o dinheiro numa bolsa) – Acredite meu bem, não há mulher mais honesta do que a que recebe pra fuder.

RODRIGO – É..eu to meio perdido, eu nunca fiz isso.

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MILENA – Ah, que lindo..é virgem.

RODRIGO – Não, eu quis dizer que eu nunca fiz isso com uma..

MILENA – Prostituta..pode falar benzinho, acredite, nessa vida existem coisas que magoam muito mais que chamar de prostituta.

RODRIGO (nervoso) – É..prostituta.

MILENA – Tudo bem, eu também nunca saí com uma puta (chega próxima e diz em seu ouvido) mentira..

(Milena empurra Rodrigo no colchão)

MILENA (cantando e desabotoando a blusa) – Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim, por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim.

RODRIGO – Folhetim, amo folhetim..

MILENA (cantando) – E se tiveres renda, aceito uma prenda, qualquer coisa assim, como uma pedra falsa, um sonho de valsa ou um corte de cetim.

RODRIGO (maravilhado) – Continua.

MILENA (cantando) – E eu te farei as vontades, direi meias verdades sempre à meia luz e te farei, vaidoso, supor que és o maior e que me possuis.

RODRIGO – Quero muito você.

MILENA (cantando) - Mas na manhã seguinte, não conta até vinte, te afasta de mim, pois já não vales nada, és página virada, descartada do meu folhetim.

(acaba de cantar, tira a blusa ficando de sutiã e se jogo sobre Rodrigo com a luz apagando logo a seguir, a luz se acende e eles estão sob lençóis)

RODRIGO (extasiado) – Nossa!! Que loucura!! Melhor transa da minha vida!!
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MILENA – Que bom bebê.

RODRIGO –Deus do céu, quanto tempo eu perdi sendo fiel? Que loucura, nossa.  

MILENA – É, pelo jeito gostou mesmo, enfim, ta na minha hora.

(Milena se levanta de calcinha e sutiã e coloca a roupa)

RODRIGO –Mas já?

MILENA – Três horas bebê, o combinado nunca é errado.

RODRIGO – Tempo passou rápido.

MILENA – Faz o seguinte, amanhã você me dá mais duzentos reais e pode contar toda sua vida, desde bebezinho até o dia de hoje...Bem to indo, beijinhos.

(ela se vira para sair)

RODRIGO – Espera!! Você nem me disse seu nome.

MILENA – Qual nome quer que eu tenha?

RODRIGO – Eu que escolho? Bem, eu não tinha pensado nisso..tem um filme que eu gostava de ver quando era moleque, Emanuele.

MILENA – Então me chame assim, Emanuele, beijinhos.

(Milena sai de cena)

RODRIGO – Você não quer saber meu nome?

MILENA (da coxia) – Amanhã você me conta.

RODRIGO (falando sozinho) – Emanuele..
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(a luz se apaga e acende na sala da casa de Eliocárpio, ele e Santelma estão em cena)

SANTELMA – Ai meu Deus, esse menino nunca foi de chegar de manhã em casa.

ELIOCÁRPIO – Ele com certeza está aprontando..

SANTELMA – E se foi seqüestrado Eliocárpio?

ELIOCÁRPIO – Que seqüestrado mulher? Está louca? Vire essa boca pra lá, isso chama azar!!

SANTELMA – Ah, mas eu vejo tantos casos de violência por ai, eu vi no jornal ontem caso de um menino seqüestrado que os bandidos mandaram sua orelha para os pais.

SANTELMA – Pare de falar em desgraças Santelma!! Ninguém vai arrancar as orelhas do Rodrigo.

SANTELMA – Coitado do Rodrigo, suas orelhas são tão lindas..

(Rodrigo entra em cena)

SANTELMA – Graças a Deus!! Deixe ver suas orelhas!!

(pega nas orelhas de Rodrigo)

RODRIGO – Que isso mãe? Está louca?

SANTELMA – Te fizeram mal? Te violaram??

RODRIGO – Que isso mãe??

ELIOCÁRPIO – Onde você estava?

RODRIGO – Nas nuvens pai, agora me deixe dormir que estou com sono.
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ELIOCÁRPIO (gritando) – Rodrigo não saia assim!! Eu exijo saber onde você estava!!

RODRIGO (sorrindo) – Todo moralista é pervertido!!

(Rodrigo sai de cena)

ELIOCÁRPIO – Não me venha com Nelson Rodrigues moleque!!

SANTELMA – Que bom, está tudo bem com ele.

ELIOCÁRPIO (indignado) – Tudo bem? Você chama isso de tudo bem? Olhe a hora que esse moleque chegou!! Ele está noivo Santelma!!

SANTELMA – Ah, deixe o menino se divertir um pouco.. Bem, estou indo.

ELIOCÁRPIO – Aonde vai?

SANTELMA – Tenho exame com o Dr Jacinto Leite.

ELIOCÁRPIO – Ah sim, mande um abraço meu para ele.

(Santelma dá um beijo e Eliocárpio e sai de cena, a luz se apaga e acende no consultório de Dr Jacinto, ele examina uma moça)

JACINTO (com estetoscópio no peito da moça) – Diga trinta e três.

MOÇA – Trinta e três.

JACINTO (sentando) – A princípio está tudo bem, tire a roupa.

MOÇA – Mas meu problema é de estômago.

JACINTO (levanta) – O que há? Não confia em mim? Desobedece minhas ordens? Eu sou um médico minha filha!!

MOÇA- Eu sei doutor, é que..
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JACINTO – É  o que minha filha? Quer ser tratada ou prefere morrer? Quer parar na mesa de um legista? Num frigorífico como uma galinha?? Eu sou um médico e um médico é como um padre, exerço meu sacerdócio para o bem da ciência!!

MOÇA – Sim doutor..

JACINTO – Então abra a blusa e mostre os peitinhos..

MOÇA – Como?

JACINTO – Eu sou um sacerdote!! Obedeça agora o sacerdote!!

(a moça começa a abrir a blusa quando o celular do Dr Jacinto toca)

JACINTO – Espere!!

(a moça para de desabotoar a blusa enquanto ele atende)

JACINTO (ao telefone) – Sim? Oi dona Santelma, como? Está aqui na recepção e não tem atendente? A minha secretária deve ter ido à banca comprar revistas de fofoca..espere..entre agora não calma, estou despachando paciente, beijos, quer dizer, até logo.

(desliga o celular)

JACINTO – Bem minha filha, você está dispensada, vá até o primeiro andar e pague a consulta, são cento e vinte reais.

MOÇA (sendo empurrada por Dr Jacinto) – Mas e meu problema de estômago?

JACINTO – São gases minha filha, tome um remédio pra gases e pronto..passar bem e peça para a senhora que está aí fora entrar.

(a moça sai e Santelma entra)

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SANTELMA – Oi amor.

JACINTO – Saudades de você, pensei que não viesse.

SANTELMA – Bonita a moça.

JACINTO – Engravidou do namoradinho, aconselhei o aborto.

SANTELMA – Como?

JACINTO – O que aconteceu que chegou atrasada? Desconfiança do corno?  

SANTELMA – Não, meu filho que passou a noite fora e quase nos matou de preocupação, mas suas orelhas estão intactas.

JACINTO – Ora, só isso? De certa estava aproveitando os últimos dias de solteiro com algumas vagabundas.

SATELMA – Nunca, meu filho é batalhador, honesto e ama sua noiva.

JACINTO – Todo moralista é pervertido.

SANTELMA – Já vi que andou lendo Nelson Rodrigues.

JACINTO – Sim e por isso tive uma idéia fabulosa, vamos morrer.  

SANTELMA – Como?

JACINTO – Veneno, olhe que idéia maravilhosa, você bebe, eu bebo e morremos juntos para sermos amantes e livres para a vida eterna.

SANTELMA – Você está louco!!

JACINTO – Seria lindo, não há nada mais bonito que a tragédia, o suicídio é a poesia da violência.

SANTELMA – Não gosto desse assunto, prefiro falar de outras coisas.
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JACINTO – Como o que, por exemplo?

SANTELMA – Eu vim fazer o meu exame.

JACINTO (no ouvido de Santelma) – Endoscopia..

SANTELMA (excitada) – Isso, faça uma endoscopia em mim!!

JACINTO – Então vamos, a sala de exames está a nossa espera.

(eles saem, a luz se apaga e acende com Rodrigo e Alexandre no palco)

ALEXANDRE – Você sumiu ontem, liguei para seu celular e só dava fora de área.

RODRIGO – É que eu estava ocupado.

ALEXANDRE – Imagino com o que, você é danado mesmo, eu vi aquela putinha conversando com você.

RODRIGO – Cara você não tem noção, ela é demais, tempo que não me sentia bem assim.

ALEXANDRE – Eu falei com você que era bobagem essa história de ser fiel, o adultério não devia ser opção, devia ser obrigatório.

RODRIGO – É, eu estou bem mesmo, estou feliz, só preocupado com a Marcela.

ALEXANDRE – Por quê?

RODRIGO – Não sei qual será sua reação quando eu contar.

ALEXANDRE – Contar? Ta maluco? Bebeu xixi da privada?

RODRIGO – Tenho que contar, seria desonesto se não contasse.

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ALEXANDRE – Rodrigo pare de bobagens, o honesto não dorme tranqüilo!! Seja falso, minta e vocês terão uma vida feliz. 

RODRIGO – Você diz cada coisa.

ALEXANDRE – Foi bom, não foi?

RODRIGO – Foi sim, estou pensando em voltar lá hoje.

ALEXANDRE – Então vá, aproveite, descarregue seu furor sexual e volte feliz para sua noivinha.

RODRIGO – Batata?

ALEXANDRE (tocando o ombro do primo) – Batata!!

(a luz se apaga e acende com Milena sentada com uma mesa à frente, Rodrigo entra, é o puteiro)

MILENA – Olha só, não é que veio mesmo?

RODRIGO – Oi Emanuele, prometi e cumpri.

MILENA – Bom saber que é um menino de palavra.

RODRIGO – Tenho outras qualidades além da palavra.

MILENA – Me dê duzentos reais e mostre essas qualidades. 

RODRIGO – E quanto seria ficar a noite toda com você?

MILENA – Mil reais.

RODRIGO – Então vamos, três horas com você não são suficientes.

MILENA – Uau!! Assim que eu gosto. 

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(saem de cena, a luz apaga e acende com os dois deitados no colchão)

MILENA – Então, me fale de você.

RODRIGO – Meu nome é Rodrigo Ferraço, tenho vinte e cinco anos, filho do renomado cirurgião Eliocárpio Ferraço, sempre gostei de surfar, ganhava um trocado como DJ até que conheci na praia do Arpoador uma menina chamada Marcela, filha de um novo rico dono de supermercados que tem uma mega mansão na Barra da Tijuca com cascata que jorra água mineral..

MILENA – Deve ser legal ter uma cascata com água mineral..

RODRIGO – Namoro há anos e nesse período terminei faculdade de direito e comecei a trabalhar no escritório de advocacia de um amigo do meu pai graças a pedido dele, odeio ser advogado e não sei se amo minha noiva com a qual casarei em semanas.

MILENA – Se tem dúvidas é porque não ama, o amor não gera dúvidas.

RODRIGO – Provável.

MILENA – E pra que time torce?

RODRIGO – Como assim?

MILENA – Qual time torce? Muito da personalidade de uma pessoa vem do time de futebol.

RODRIGO – Sou Fluminense como meu pai.

MILENA – Eu sou Flamengo, você é influenciado em tudo? Não faz nada que queira realmente?

RODRIGO – Mas eu gosto de ser Fluminense, o Fluminense é uma das maiores forças naturais desse planeta, morre o mundo, mas não morre o Fluminense.

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MILENA – Exagerado, a impressão que dá que você faz tudo que os outros mandam, por isso é todo retraído, todo certinho.

RODRIGO – Todo moralista é pervertido.

MILENA – Também gosto de Nelson Rodrigues.

RODRIGO – Já te disse que essa frase não é do Nelson, mas pensando nela tive umas idéias de perversões..

MILENA – Tarado.

(se beijam e a luz apaga, acende com Marcela e Rodrigo juntos na sala da casa dele)

MARCELA – Onde você se meteu Rodrigo? Há dias não me procura, ligo para você e só dá caixa postal, o que está acontecendo?

RODRIGO – Não tem nada ocorrendo, só ando ocupado com o trabalho, casos importantes chegaram a minha mão e eu tenho que resolver.   

MARCELA – Você não sabe mentir Rodrigo, alguma coisa está ocorrendo.

RODRIGO – É sério Marcela, apenas trabalho que vem me consumindo.

MARCELA – Está bem..hoje tem jantar lá em casa as oito, avise aos seus pais.

RODRIGO – Não sei se posso, tenho compromisso.

(Eliocárpio e Santelma entram em cena)

ELIOCÁRPIO – Ele tem compromisso nenhum Marcela, estaremos lá as oito sem falta.

MARCELA – Que bom, papai mandou dizer que sente saudade de todos.

ELIOCÁRPIO – E nós dele.
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SANTELMA – Marcela meu bem, venha até a cozinha que a Fátima preparou um daqueles bolos de tapioca que você ama.

MARCELA – Ai dona Santelma, adoro bolo de tapioca e estou azul de fome.

(elas saem de cena ficando Rodrigo e Eliocárpio)

ELIOCÁRPIO – Moleque, moleque..

RODRIGO – Que foi pai?

ELIOCÁRPIO – Tem mulher na jogada né? Sinto cheiro de piranha no ar.

RODRIGO – Não sei do que está falando pai, o senhor está delirando.

ELIOCÁRPIO – Eu sou homem Rodrigo e a mim você não engana. Eu entendo que você tenha suas necessidades, é garoto cheio de energia, eu velho tenho as minhas, mas a de casa é a de casa, é a nossa mulher e devemos respeitar, lanchinho serve apenas para lanche. 

RODRIGO – Essa conversa é um absurdo.

ELIOCÁRPIO – Filho, nós somos uma família de dinheiro, você é um rapaz endinheirado, bonito, tem bom carro, se veste bem, tem mulheres que por dinheiro são até capazes de gozar.

RODRIGO – Pai, na boa, esse papo já deu.

ELIOCÁRPIO – Eu vou provar o bolo de tapioca da Fátima, mas não esqueça, cuidado com o poder da xana.

(ele sai e Rodrigo fica só)

RODRIGO (falando sozinho) – O poder da xana.

(a luz se apaga e acende na sala de Ananias, estão ele, Eliocárpio, Santelma, Marcela e Rodrigo sentados)
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ANANIAS – Sabe que outro dia eu estava parado no sinal de trânsito distraído ouvindo as notícias e imaginem o que ocorreu?

SATELMA – O que Ananias?

ANANIAS – Um menino bateu na minha janela.

SANTELMA – Que horror!! Era assalto?

ANANIAS – Não, o moleque queria me vender chicletes, vê se pode? Vender chicletes para um homem como eu!!

MARCELA – Um absurdo papai!!

ANANIAS – O menino alegou que precisava vender os chicletes para sustentar a família, ele achou que realmente eu cairia nessa, com certeza ele devia ter uma arma e queria me assaltar.

MARCELA – Isso é lógico, aposto que era negro.

ANANIAS – Sim, um negrinho, devia ter uns dez anos, pronto para me assaltar e matar.

SANTELMA – Nossa!! Que perigo!!

ELIOCÁRPIO – Mas sabem de quem é a culpa? De nós mesmos que não somos capazes de votar em políticos que garantam nossa segurança.

ANANIAS – Concordo plenamente.

ELIOCÁRPIO – Temos que votar em quem atenda nossos interesses, alguém, por exemplo, que faça uma lei esterilizando favelados. Esses favelados colocam cinco, seis faveladinhos no mundo e não tem como sustentar, depois e que ocorre? Eles vêm para o asfalto nos assaltar!!

SANTELMA – Nossa, é assim mesmo.

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ELIOCÁRPIO – O que devia ocorrer? Uma lei que permitisse que favelados só tivessem um filho como é na China, se engravidasse de novo era forçado o aborto e deviam proibir que nordestinos viessem para nossa cidade tirar empregos de nossos jovens. 

ANANIAS – Brilhante Eliocárpio!!

MARCELA – O senhor devia se candidatar Dr Eliocárpio, aposto que se elegeria fácil.

ELIOCÁRPIO (sorrindo) – Quem sabe um dia.

RODRIGO (olhando o relógio) – Bem, está na minha hora, preciso ir, me desculpem.     

(ele sai de cena com os outros não entendendo nada, a luz se apaga e acende com Milena sentada da mesma forma da outra vez e Rodrigo entrando)

MILENA (levantando) – Oi Rodrigo.

RODRIGO – Me tira desse mundo, me leve para os sonhos.

MILENA (pegando a mão de Rodrigo) – Vem.   

(a luz se apaga e acende com eles deitados no colchão)

RODRIGO – Me fale de você.

MILENA – O que quer saber?

RODRIGO – Tudo.

MILENA – Dois mil reais.

RODRIGO – héin?


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MILENA – To brincando, me chamo Milena, tenho vinte e três anos e estou nessa vida há três anos.

RODRIGO – E por que entrou nela?

MILENA – Eu engravidei adolescente, meu pai não aceitou e fui morar com meu namorado. Ele era trabalhador, motorista de ônibus da linha Castelo – Madureira.

RODRIGO – Prossiga..

MILENA – Um dia ele estava muito cansado e dormiu ao volante. Atropelou três pessoas no ponto e bateu com violência no muro de uma floricultura, os atropelados e ele morreram na hora.

RODRIGO – Eu me lembro dessa história, a tragédia das flores.

MILENA – Sim, a história ficou conhecida assim, tive que sustentar meu filho sozinho. Com muito custo conseguia levar a vida, até que descobrimos que ele tinha leucemia.

RODRIGO – Que triste..

MILENA – Os remédios eram caros, procurei ajuda do meu pai e ele bateu com a porta na minha cara. Eu tinha que fazer algo, lutar pela vida de meu filho e.. 

RODRIGO – Só restou a prostituição.

MILENA (abaixando os olhos) – Sim.

RODRIGO – E o menino?

MILENA – Morreu ano passado.

(Milena começa a chorar e Rodrigo lhe abraça)

RODRIGO – Eu sinto muito.

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MILENA – Sabe Rodrigo, não existe dor maior para uma mãe que perder um filho, é como se sua alma fosse repartida e colocada em um liquidificador.

RODRIGO – Eu imagino.

MILENA – Mas a vida continua e eu levanto todos os dias e batalho todos os dias em homenagem a ele.

RODRIGO – E suavizado a conversa, como virou Flamengo?

MILENA (rindo) – Meu pai.

RODRIGO (rindo) – Depois fala de mim.

MILENA – Ele sempre me levava ao Maracanã quando eu era pequena. Única boa lembrança que tenho com ele, sempre me levava ao Fla x Flu e dizia que a vida não era pra ser levada a sério, o Fla x Flu sim.

RODRIGO (rindo) – Ele está certo..e tem alguma coisa que você goste de fazer, acha que tem talento?

MILENA (envergonhada e abaixando os olhos) – Poesia, faço desde menina.

RODRIGO – Olha que bacana, declame uma.

MILENA (ainda envergonhada) – Ah, não sei..

RODRIGO – Vá, declame..

MILENA – Está bem.

RODRIGO – Isso.

(pigarreia a garganta e declama)



45


MILENA – Fico sentada em um canto, observando quem quer me possuir. Dê-me um trocado me leve pro quarto só não peça pra eu sorrir. Mas antes me pague um gim, um excitante, que torne minha vida um pouco menos sufocante. Assim não ficas sozinho, faço-te um carinho para que se sintas importante. Dois solitários dividindo uma cama não é meu nome que você chama nem meu corpo queria tocar. Mas to aqui pro que der e vier por isso sou a melhor do cabaré. A que todos querem pagar desejada, cobiçada triste, mal amada. Assim vivo minha vida possuem meu corpo, mas a minha alma está sempre vestida. Beijas meus seios fecho os olhos no alento de que falta pouco para acabar o tempo. Sou puta, sou louca, mas não lhe beijo a boca isso só meu amor. Espero o tempo que for ele há de chegar espero o tempo que for daqui ele vai me levar..

RODRIGO – Que lindo...

MILENA (envergonhada) – Está na hora, vamos.

RODRIGO – Está bem..Milena..posso te chamar assim?

MILENA (levanta) – Pode, claro.

RODRIGO (também levanta) – Eu me caso em poucos dias e queria lhe ver antes, posso?

MILENA (olhando para baixo e nitidamente triste) – Claro Rodrigo, sou puta, eu quero dinheiro, não importa o estado civil do cliente.

RODRIGO (decepcionado) – Está bem, eu te procuro então.

MILENA – Vamos.

(a luz se apaga e acende com Rodrigo e Alexandre na sala de Eliocárpio)

ALEXANDRE – Aê rapaz!! Chegou o grande dia!! Amanhã você casa e finalmente transa com a Marcela. 

RODRIGO (nada animado) – É mesmo, que bom.
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ALEXANDRE – Preparei uma despedida de solteiro que você nunca vai esquecer.

RODRIGO – Desculpe Alexandre, mas eu não vou.

ALEXANDRE – Como não? Despedida de solteiro cara!! Bebidas, putas, como não quer?

RODRIGO – Eu vou dormir cedo para me concentrar pro casamento.

ALEXANDRE – Você não está bem, o que ta acontecendo?

RODRIGO (irritado) – Nada porra!! Me deixa!!

ALEXANDRE – Puta que pariu!! Você se apaixonou pela putinha!!

RODRIGO (pegando Alexandre pelos colarinhos) – Se você falar assim dela de novo..

ALEXANDRE – Você vai me bater, porque está apaixonado por ela.

RODRIGO (soltando Alexandre) – O que eu faço?

ALEXANDRE – Você eu não sei, eu vou pra despedida de solteiro que preparei pra você au revoir.

(a luz se apaga e acende com Rodrigo encontrando Milena no puteiro)

MILENA – Oi Rodrigo.

RODRIGO – Me caso amanhã.

MILENA – Veio para despedida de solteiro.

RODRIGO – Não, vim para despedida da minha felicidade.

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MILENA – Vem comigo, mas vamos pra motel hoje não, te levarei em outro lugar.     

(a luz se apaga e acende em um lugar parecido com uma sala)

RODRIGO – É aqui que você mora?

MILENA – Sim.

RODRIGO (Pegando um porta retratos imaginário) – Seu filho..

MILENA – É, só me restaram as fotos e a dor na alma.

RODRIGO (pegando dinheiro na carteira) – Eu vou te dar um dinheiro a mais hoje, cinco mil reais.

MILENA – Por quê?

RODRIGO – Mil para passar a noite, um extra como agradecimento por nossas noites já que não nos veremos mais e mais um dinheiro porque hoje queria uma coisa que nunca fizemos.

MILENA – O que? Nós fizemos tudo.

RODRIGO – Eu sei que é regra de vocês, mas eu queria um beijo na boca, pelo menos um para que eu lembre pro resto da vida como é seu beijo. Então eu to botando um dinheiro a mais pra ver se você me dá esse beijo.

(Rodrigo entrega o dinheiro a Milena)

RODRIGO – Pode ser?

MILENA – Idiota!!

(Milena joga o dinheiro em Rodrigo, lhe dá um tapa na cara e o beija apaixonadamente. A luz se apaga e acende com o padre e os pais de Rodrigo no altar)
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PADRE - Mas cadê o noivo?

SANTELMA – Calma seu padre, ele já está chegando.

ELIOCÁRPIO – O moleque não atende ao telefone, assim que ele tem que ser chamado, moleque!!

PADRE – A coitada da noiva está dando voltas com o carro ao redor da igreja porque o noivo não chega.

ELIOCÁRPIO – Eu hoje mato esse moleque, eu juro que mato.

SANTELMA – Deve ter ocorrido algo grave Eliocárpio, ele pode ter sido seqüestrado!! Os seqüestradores podem arrancar as orelhas dele!! Ai meu Deus!!

ELIOCÁRPIO – Santelma, ele não foi seqüestrado e se foi tomara que arranquem o pau dele!!

PADRE – Olhe o palavreado!! O senhor está na casa de Deus!!

ELIOCÁRPIO – Desculpe seu padre, moleque filho da puta!!

(Rodrigo entra correndo no palco e chega ao altar)

RODRIGO – Perdão pelo atraso.

ELIOCÁRPIO – Moleque!!

(Marcela entra vestida de noiva de braço dado com Ananias ao som da marcha nupcial, o pai entrega a mão de Marcela a Rodrigo)

MARCELA – Depois você vai me explicar esse atraso.

(Marcela e Rodrigo ficam de frente ao padre)

PADRE – Estamos aqui hoje, com certo atraso, para selar a união de..
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RODRIGO – Desculpa, não dá..

PADRE – Como?

RODRIGO – Desculpe Marcela, mas eu não te amo.

MARCELA – Mas isso é um casamento Rodrigo, não tem nada a ver com amor.

RODRIGO – Desculpe a todos, mas não dá.

(Rodrigo sai correndo da cena)

ANANIAS – Moleque volte aqui!! Eu gastei horrores com esse casamento e o boufet!!

(a luz se apaga e acende com Rodrigo desesperado batendo em uma porta imaginária)

RODRIGO – Milena!!! Atende Milena!! Sou eu!! Rodrigo!! Eu não casei!!

(uma mulher entra em cena)

RODRIGO – Milena!! Milena!!

MULHER – Ta chamando a moça que mora aí?

RODRIGO – Sim, a senhora conhece?

MULHER – De vista, foi embora faz algumas horas.

RODRIGO – Embora? Como assim?

MULHER – Vi um caminhão de mudanças aí na frente e ela ajudando uns homens a carregar móveis.

RODRIGO (desolado) – Não acredito!!
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MULHER – Bem, me deixe ir, vou jogar no bicho. Sonhei com o desgraçado do meu ex-marido hoje e tenho certeza que vai dar veado!!

(a mulher sai de cena e Rodrigo senta no chão colocando as mãos na cabeça desolado. Depois de um tempo levanta, limpa as lágrimas e começa a andar em círculos pelo palco. A sonoplastia coloca som de ondas, mar, como se ele tivesse na praia. Rodrigo senta no palco, de frente ao público e joga pedrinhas imaginárias na platéia quando Milena entra em cena)

MILENA (espantada) Rodrigo!!

RODRIGO (se levantando rapidamente e feliz) – Milena!!

MILENA – O que faz aqui?

RODRIGO – Eu não casei!! Eu te amo!!

MILENA – Mas Rodrigo, eu sou puta.

RODRIGO – E é a mulher que eu amo e eu sou moralista e todo moralista é pervertido!!

MILENA – Eu te amo!!

(eles se beijam, a luz apaga e acende com Marcela e Ananias em cena com barulho de campainha, Ananias abre a porta imaginária)

ANANIAS – Ah, é você.

RODRIGO – Marcela está?

ANANIAS – Sim, entre. Vocês têm muito a conversar.

RODRIGO – Obrigado.

(Rodrigo e Ananias se aproximam de Marcela)

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ANANIAS – Eu vou deixar vocês a sós, qualquer coisa me chame Marcela.

(Ananias sai de cena)

RODRIGO – Como você está?

MARCELA – Querendo morrer, como você imagina?

RODRIGO – Desculpa Marcela.

MARCELA – Desculpa? Desculpa a gente pede quando pisa sem querer no pé de alguém, você me abandonou no altar.

RODRIGO – Eu sei, o que fiz foi imperdoável, mas foi o melhor para nós dois, eu não te amo.

MARCELA – Como não me ama? E esses anos todos juntos? Significaram nada pra você?

RODRIGO – Claro que sim, mas não era amor, nunca foi Marcela.

MARCELA – Amor, amor, você só sabe repetir isso.

RODRIGO – Vai ver porque o maior mal da humanidade é a falta de amor.

MARCELA – Isso não tem nada a ver com amor, está me deixando porque não fiz sexo com você.

RODRIGO – Não Marcela, estou te deixando porque sinto saudade de mim.

MARCELA (gritando) – Então vá seu patife, vá matar saudade de você e aproveite pra morrer!!

RODRIGO – Está bem Marcela, fique com Deus e saiba que sempre gostei muito de você.

(Rodrigo sai de cena)
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MARCELA (berrando e chorando) – Canalha !! Canalha!! Eu quero que você morra!!!

(A luz se apaga e acende na sala de Eliocárpio, em cena estão ele e Santelma)

ELIOCÁRPIO (Andando de um lado para o outro) – Eu ainda estou tentando entender o que esse menino fez!!

SANTELMA (Sentada em uma cadeira fazendo tricô) – Simples, ele não casou e saiu correndo da igreja.

ELIOCÁRPIO (cínico) – Oh!! Jura?? Mas se você não me conta eu iria jurar que ele casou com o padre!!

SANTELMA (Levanta-se indignada) – Não venha descontar em mim a frustração de não fechar seu negócio Eliocárpio!!

ELIOCÁRPIO (extremamente irritado) – É!! Meu negócio!! E esse bostinha pôs tudo a perder!! E agora? O que eu vou falar no hospital? Como eu vou encarar meus amigos? Pior, como eu vou encarar o Ananias??

SANTELMA – Só pensa em você, por isso acontecem essas coisas.

ELIOCÁRPIO (gritando) – E você queria que eu pensasse em quê? Na morte da bezerra?? E sabe de quem é a culpa? Sua!!   

SANTELMA (indignada) – Minha??

ELIOCÁRPIO – Sim!! Sua!! Mimou demais esse moleque, criou esse bostinha a base de leite em pó e moleque que cresce a base de leite em pó não tem culhões!!

SANTELMA – Não fale besteira e acho que ele foi muito homem em desistir do casamento.

ELIOCÁRPIO (gritando) – Pois eu preferia que não tivesse sido!!!

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(Rodrigo entra em cena)

ELIOCÁRPIO – Olha aí o bostinha.

(Santelma abraça Rodrigo)

SANTELMA –Como você está meu filho?

RODRIGO – Estou bem mãe.

SANTELMA (tocando no pescoço de Rodrigo) – O que é isso em seu pescoço Rodrigo? Chupão?

RODRIGO (se desvencilha da mãe) – Que isso mãe?

SANTELMA (radiante) – Sim, é um chupão!! Não há prova maior de felicidade que um chupão no pescoço!!

RODRIGO – Oi pai.

ELIOCÁRPIO – Só isso que você tem a dizer? Oi pai? Larga sua noiva no altar e diz oi pai? (aumentando a voz) Se apaixona por uma puta e diz oi pai?? 

RODRIGO – É pai, me apaixonei por uma puta sim, mas antes e acima de ser puta por uma mulher maravilhosa.

ELIOCÁRPIO – Ainda admite.

RODRIGO – Desculpe pai, mas eu sou muito forte para resistir às tentações.

ELIOCÁRPIO – É? E o que fará da vida agora?

RODRIGO – Vou me demitir do escritório e voltar a ser DJ, além de assumir oficialmente meu amor pela Milena. Não quero riqueza, não quero luxo, apenas viver como sonho e com a mulher que eu escolhi.

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ELIOCÁRPIO – Não quer luxo? Riqueza? (gritando) Pare com isso Rodrigo!! Não há pior canalha que o humilde!!

RODRIGO (gritando) – Então eu sou um canalha!! Porque a única coisa que quero em minha vida é a Milena!!

ELIOCÁRPIO (desolado) – Você está jogando tudo fora por causa de uma puta.  

RODRIGO (sereno) – Não pai, eu estou me jogando dentro do amor.

ELIOCÁRPIO – Amor, amor..você entende nada de amor, acredite em mim, o amor faz sofrer e ele vai te fazer sofrer.

RODRIGO – Que eu sofra de amor!! Eu quero sofrer de amor!! Porque o pior sofrimento que o amor pode causar é a ausência dele.

ELIOCÁRPIO – É isso então, essa é sua palavra final?

RODRIGO – É sim pai.

ELIOCÁRPIO – Pois bem, que seja longe daqui..Fátima!!

(Fátima entra em cena com uma mala)

SANTELMA – O que é isso Eliocárpio?

ELIOCÁRPIO – Eu mandei que a Fátima fizesse mala com roupas para ele, esse moleque não mora mais aqui, não é mais meu filho.

SANTELMA (gritando) – Você não pode fazer isso!!

FÁTIMA (Entrega a mala para Rodrigo) – Desculpa seu Rodrigo.  


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RODRIGO (faz carinho no rosto de Fátima) – Tudo bem, você não tem culpa (gritando) Eu não iria ficar pai!! Eu não quero dividir casa e sobrenome com um homem que acha que tem que esterilizar favelados!! Qualquer favelado tem muito mais dignidade que o senhor!!

ELIOCÁRPIO (gritando) –Moleque atrevido!!

(Santelma se ajoelha e pega nas pernas de Rodrigo chorando)

SANTELMA – Não Vá meu filho!! Eu te imploro!!

(Rodrigo se ajoelha e pega as mãos da mãe)

RODRIGO (carinhoso) – Eu sempre estarei com você mãe, amor de mãe e filho não acaba por nada.

(dá um beijo na testa da mãe e levanta)

RODRIGO – Adeus Fátima, adeus Dr Eliocárpio.

(Rodrigo sai de cena)

SANTELMA (ajoelhada com a cabeça nas pernas gritando) – Não!!!

ELIOCÁRPIO – Mas que moleque atrevido..

SANTELMA (se levanta e começa a socar o peito de Eliocárpio gritando) – Seu desgraçado!! Que você morra de câncer!!!

(Santelma sai de cena e Eliocárpio vai atrás)   

ELIOCARPIO (antes de sair de cena)- Me rogando praga? Está louca?

(Eliocárpio sai de cena, Fátima fica sozinha)

FÁTIMA (com sorriso) – É, o moleque pegou os bagos da caixinha.

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(a luz se apaga e acende com Milena sentada na mesa de sempre do puteiro, Rodrigo entra com a mala na mão e ainda com o terno do casamento)

MILENA (levanta e vai a seu encontro) – Rodrigo!! Não esperava te ver hoje, que mala é essa?

RODRIGO – Fui expulso de casa.

MILENA – Sinto muito, não queria que tivesse problema com sua família.

RODRIGO – Não se chateie, para unir um monte de gente que não se gosta e não quer ficar junto inventaram a família.

MILENA – E o que você vai fazer agora?

RODRIGO – Eu vou me demitir, ficar desempregado e me mudar pro quarto e sala que tinha alugado na Tijuca para viver com a Marcela. Ainda tenho algumas economias, dá pra me virar por um tempo enquanto busco voltar a minha vida de DJ.

MILENA – Não será fácil.

RODRIGO – Quer vir comigo?

MILENA – Como?

RODRIGO – Venha comigo, largue a prostituição, largue tudo e venha comigo. Vamos viver juntos no quarto e sala, passar por essas dificuldades juntos, passar forme se for preciso, mas venha comigo!!

MILENA (feliz) – Sim, eu vou!!

RODRIGO- Eu amo você Milena, só você me importa nessa vida, você estando comigo sou forte.      

MILENA – A vida me fez puta, o amor me fez mulher.

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(se beijam enquanto a sonoplastia toca folhetim)

MILENA – Ouça!! É nossa música, é folhetim!!

RODRIGO – Então vamos dançar.

(Rodrigo e Marcela dançam abraçados ao som de folhetim, a luz se apaga. A voz de Rodrigo entra em off enquanto eles dançam no escuro e o cenário da próxima cena é preparado)

RODRIGO (Voz em off) – Mudamos para o quarto e sala da Tijuca e passamos algumas dificuldades como previsto, mas menos do que eu pensava porque minha mãe nos ajudou nesse período. Voltei a ser DJ e deu pra ganhar uma graninha, Milena arrumou emprego em uma perfumaria e tudo caminhava bem.

(a luz se acende e tem pelo menos uma mesa e duas cadeiras com garrafa e copos sobre a mesa. Nelson e Alexandre jogam uma sinuca imaginária, não tem mesa, apenas os dois com tacos)

NELSON – Rapaz, tenho que lhe contar, conheci uma gordinha.

ALEXANDRE – Você é vidrado em gordinhas.

NELSON – Claro, gordinhas tem tudo ão, peitão, bundão, dá pra apertar gostoso e são carentes. 

ALEXANDRE – Ta bom, mas conte aí, como foi.

NELSON – Conheci a gordinha na internet, marquei encontro na confeitaria Colombo, tinha que impressionar a vítima.

ALEXANDRE – Você não existe Nelson.

NELSON – Quando ela chegou tomei um susto, tinha fácil uns cento e vinte quilos, na hora fiquei excitado, vi aqueles seios e quis ser um bebê.

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ALEXANDRE – Comeu?

NELSON – Calma, ouça a história. Conversamos, papo vai papo bem, ela comeu dois pedaços de torta de morango, um de kiwi.. kiwi cara eu nem sabia que existia torta de kiwi.

ALEXANDRE – Na Colombo tem.

NELSON – Aí falei pra gordinha pra gente dar uma volta de carro, que eu tinha acabado de comprar e queria lhe mostrar.

ALEXANDRE – E ela foi?

NELSON – Claro que foi!! Falou em carro mulher vibra, é batata!! Então, botei a gordinha no carango, rodei um pouco com ela e parei numa rua deserta, já anoitecia então aproveitei!!

ALEXANDRE – O que você fez?

NELSON – Ah, aqueles peitos!! Não resisti Alexandre, você sabe como eu sou!! Você sabe com eu sou moleque!! Abri a blusa dela e caí de boca naqueles peitos flácidos, parecia um bebezinho!!

ALEXANDRE – E?

NELSON – Aí bateram na minha porta. A polícia.

ALEXANDRE – Putz!! Que roubada!!  

NELSON – Espeto Alexandre!! Espeto!! Morri em cento e oitenta reais com o policial pra não parar em delegacia.

ALEXANDRE – Tudo isso porque tava de saliência num carro?

NELSON – A gordinha era menor Alexandre, quinze anos.

ALEXANDRE – Pela mãe do guarda!! Que derrota Nelson!!
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NELSON – É espeto meu amigo!!! Não confie em gordinhas de internet!!

(Rodrigo entra em cena)

ALEXANDRE – Aí Rodrigo, tem que ouvir a história do Nelson com a gordinha.

RODRIGO – Nelson, você tem que tomar vergonha na cara, quase quarenta anos e solteiro ainda, não se envergonha?   

NELSON – Rodrigo, vergonha eu teria se fosse corno, o chifre é a maior das vergonhas.

RODRIGO – O que você quer dizer com isso?

NELSON – Dizem que um a cada três homens é corno, eu não sou, o Alexandre também é solteiro.

ALEXANDRE – Pare com isso Nelson.

NELSON – Todo moralista é pervertido, já dizia Nelson..

RODRIGO (interrompendo) – Essa frase não é do Nelson Rodrigues e você tem que me explicar essa história agora!!    

NELSON – Eu não tenho que explicar nada, se tem alguma dúvida procure você a resposta e com licença que marquei com uma gordinha na internet e hoje vai rolar webcam.

(Nelson sai de cena)

ALEXANDRE – É um pândego.

RODRIGO – E se ele estiver falando a verdade? E se eu for corno?

ALEXANDRE – Pare de besteiras Rodrigo, evidente que você não é corno.

RODRIGO – Evidente por quê? Bota a mão no fogo?
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ALEXANDRE (reticente) – É..Não..Mas do que isso interessa? Você não é feliz com a Milena?  O pior cego é aquele que quer enxergar, não veja nada e seja feliz.

RODRIGO – Não dá, a semente da dúvida foi lançada, o Nelson sabe de algo.

ALEXANDRE – O Nelson? Pelo amor de Deus Rodrigo, o Nelson é um frustrado que não consegue arranjar um amor e procura gordinhas na internet. O Nelson é contínuo Rodrigo!! Nunca passarás de um contínuo!! 

RODRIGO – Não sei..

ALEXANDRE – Vai acreditar na palavra de um contínuo??

RODRIGO- Eu vou pra casa, não estou bem.

ALEXANDRE – Ta legal, mas nunca confie em um contínuo.

(a luz se apaga e acende com Rodrigo entrando em casa, Milena lava uma louça imaginária)

MILENA (lavando a louça) – Oi amor, chegou cedo.

RODRIGO – É, o bar estava vazio hoje.

RODRIGO (voz em off como um pensamento) – Com quantos será que ela me trai?

MILENA – To lavando umas louças aqui, mas o jantar está no forno, hoje tem lasanha a bolonhesa, seu prato preferido.

RODRIGO – Que bom amor.

RODRIGO (em off) –Pra quantos será que ela deu de comer enquanto me botava cornos?

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MILENA – To tão feliz hoje, fiz uma venda ótima que me dará uma grande comissão, quero ver se faço uma progressiva com esse dinheiro.

RODRIGO – Faz bem.

RODRIGO (em off) – Pra quem ela quer se arrumar?

MILENA – E bem que podíamos encomendar um filho, o que acha? Melhorou a situação financeira, está na hora de termos um filho.

RODRIGO – Concordo.

RODRIGO (em off) – Se nascer um negrinho ou japonês eu lhe mato e me mato depois.

MILENA – Que foi amor? Está quieto hoje.

RODRIGO – Nada não amor.

RODRIGO (em off) – Nada não adúltera.

(Milena para de lavar louças e vai de encontro a Rodrigo que lhe observava, tenta beijá-lo, mas ele vira o rosto)

MILENA – O que foi Rodrigo?

RODRIGO – Estou com bafo, deixe-me escovar os dentes primeiro.

MILENA (sorrindo e com as mãos no pescoço de Rodrigo) – Deixe de bobagem.

(ela tenta beijá-lo novamente, mas o celular de Rodrigo toca, ele se desvencilha de Milena e atende)

RODRIGO (no celular) – Alô? Oi mãe, o que houve? Como? Nas últimas? Estou indo aí!!

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(Rodrigo desliga)

MILENA – O que foi Rodrigo?

RODRIGO – Meu pai está morrendo, câncer.

MILENA – Ai meu Deus!!

RODRIGO – Eu preciso ir lá.

MILENA – Sim, vai lá, eu guardo a lasanha pra você.

RODRIGO (beijando Milena a testa) – Não precisa me esperar acordada.

(a luz apaga e se acende na sala da casa de Eliocárpio. Santelma está sentada em uma cadeira desconsolada enquanto Fátima lhe faz cafuné)

RODRIGO (entrando em cena) – Oi mãe.

SANTELMA (se levanta e abraça o filho) – Rodrigo!!

RODRIGO – Como ele está?

FÁTIMA – Mal, muito mal, branco como vela e cuspindo sangue, o sangue está negro.

SANTELMA – A praga Rodrigo, a praga que eu joguei pegou, ele vai morrer de câncer!!

RODRIGO – Eu quero vê-lo, mesmo que ele não queira.

SANTELMA – Mas ele quer te ver, ele que pediu que te chamasse, disse que tinha uma coisa pra lhe dizer.

FÁTIMA – Entre no quarto, Dr Jacinto está com ele.

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(Rodrigo caminha até a outra extremidade do palco onde Eliocárpio está deitado em um colchão e Dr Jacinto observa em pé inebriado)

RODRIGO – Como ele está Dr Jacinto?

JACINTO (com ar de felicidade) – Quase morto!! A morte é um dos maiores espetáculos da natureza!!   

RODRIGO – Tem como eu falar com ele sozinho?

JACINTO – Claro, ele queria mesmo falar com você, qualquer coisa me chame.

(Jacinto sai de cena e Rodrigo se aproxima do pai)

RODRIGO – Pai? Queria falar comigo?

ELIOCÁRPIO (voz fraca) – Sim, aproxime.

(Rodrigo senta no colchão)

ELIOCÁRPIO – Mais próximo..

(Rodrigo coloca o ouvido perto do pai deitado)

RODRIGO – Conte pai, que foi?

ELIOCÁRPIO (em um último esforço) – Sua mulher lhe trai!!

(Eliocárpio morre nos braços de Rodrigo)

RODRIGO (gritando desesperado) – Com quem Pai?? Com quem?? Não morra agora seu desgraçado!! Me conte com quem?? Não morre seu filho da puta!!

(Santelma e Fátima entram no quarto desesperadas, chorando, e se jogam em cima do corpo de Eliocárpio, Rodrigo se afasta andando de costas)
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RODRIGO (balbuciando catatônico) – Com quem..com quem..

(a luz se apaga e acende no velório. Eliocárpio está deitado em uma mesa, não está em caixão. Santelma chora abraçada por Fátima. Rodrigo, Alexandre e Jacinto apenas observam)

SANTELMA (chorando) – Ai de mim!! O que será agora de mim?

FÁTIMA – Pobre homem, semana passada me deu uma TV linda.

SANTELMA (virando para Fátima) – Fátima!! Somos viúvas agora!! Nosso homem nos deixou!!

FÁTIMA – Eu to sofrendo tanto!!

(elas se abraçam)

ALEXANDRE – Eu hein? Primeira vez que vejo sociedade em defunto.

JACINTO – E o meu amigo Eliocárpio se tornou um belo defunto, daqui a pouco estará debaixo da terra, sereno em sua última morada. A morte é fascinante.

ALEXANDRE – E você é louco..Está tudo bem Rodrigo?

RODRIGO (olhando para o vazio) – Ele não me contou quem era o patife..Aliás, onde está essa adúltera? De certa me botando cornos.

(Milena entra em cena e vai a direção a Rodrigo lhe abraçando)

MILENA – Estou aqui meu amor.

RODRIGO – E onde estava? Com quem?

MILENA – Trabalhando amor, tentei sair mais cedo e não consegui.

ALEXANDRE – Com licença Milena.
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(Alexandre puxa Rodrigo para frente do palco)

ALEXANDRE – O que há Rodrigo?

RODRIGO – Essa adúltera estava me traindo, com meu pai gelado em uma mesa!!

ALEXANDRE – Fale baixo Rodrigo, está louco? Não pode acusar sua mulher assim.

RODRIGO – De certa essa cretina me botava chifres, minha testa coça com os chifres novos.

ALEXANDRE – Pare de bobagem.. Olhe lá!! Milena abraçando sua mãe. Consolando, ela gosta de ti e de sua família.

RODRIGO – Não há mulher mais decente que a adúltera.

ALEXANDRE – Pare de chamar sua mulher de adúltera. Vai perdê-la agindo dessa forma.

RODRIGO – A gente procura a vida toda pelo amor e quando encontra não sabe o que fazer com ele.

(o celular de Rodrigo toca e ele atende)

RODRIGO (ao celular) – Alô!! Sim, já sei, você é a terceira pessoa que me liga pra isso hoje, passar bem.

(Rodrigo desliga)

ALEXANDRE – Quem era?

RODRIGO – Número restrito dizendo que sou corno, o terceiro hoje fora a carta anônima que chegou pela manhã com os dizeres “sua mulher lhe trai”.

ALEXANDRE – Espeto!!
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RODRIGO – Eu vou matar essa vagabunda.

ALEXANDRE – Não vai, nós vamos para um bar agora, vem comigo.

(Rodrigo e Alexandre saem de cena e a luz apaga, acendendo com os dois sentados em uma mesa de bar)

RODRIGO (depois de um gole de cachaça) – Só os idiotas se apaixonam, os inteligentes apodrecem sozinhos.

ALEXANDRE – Você tirou o dia pra falar bobagem.           

RODRIGO – É o poder da xana, o poder da xana me enfeitiçou, bem que o bêbado me alertou.

ALEXANDRE – Você bate na Milena?

RODRIGO (ofendido) – Claro que não !! Nem com uma flor!!

ALEXANDRE – Então é isso!! Isso é falta de tapa!! Mulher que não apanha não é feliz!!

RODRIGO – Alexandre, você entende tanto de mulher quanto eu entendo de física nuclear.

(Nelson entra em cena e Rodrigo levanta correndo da cadeira e agarra em seu pescoço)

RODRIGO (gritando) – Canalha!! Patife!! Eu vou matar você!!

NELSON – Calma Rodrigo, fiz nada.

ALEXANDRE (tentando soltar as mãos de Rodrigo) – Calma Rodrigo!! Enlouqueceu??

RODRIGO (gritando) – Você tirou minha paz!! Tirou minha vida!!

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NELSON – Eu não fiz nada!!
    
(Alexandre consegue soltar as mãos de Rodrigo)

RODRIGO (gritando) – Me conte canalha!! O nome do patife com quem Milena me trai!!

NELSON – Está louco? Em nenhum momento eu disse que Milena lhe traía!! Eu estava brincando!!

RODRIGO – Brincando uma pinóia!! Eu quero nomes !! Nomes!!

NELSON – Não tem nome nenhum porra!! Meu pescoço ta doendo, deve estar marcado, o que vou falar pra gordinha que tenho encontro daqui a pouco? 

RODRIGO (gritando) – Diga que você é um filho da puta!! 

ALEXANDRE – Vem Rodrigo, vamos voltar ao velório.

(Alexandre sai de cena puxando Rodrigo)

NELSON – Caramba!! Ta doendo!!

(a luz se apaga e acende com Rodrigo e Milena na mesa jantando em silêncio)

MILENA – Está quieto.

RODRIGO – Não estou com muitos assuntos.

MILENA – Você anda muito estranho.

RODRIGO – Meu pai morreu Milena.

MILENA – É verdade, me desculpe..Mas então, gostou do rosbife?

RODRIGO – Sim, muito bom..Por onde andou hoje?
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MILENA – Fui visitar uma colega da perfumaria, ela operou hérnia de disco.

RODRIGO – Tentei te ligar, mas o celular estava fora de área.

MILENA – É, a bateria acabou, esqueci de carregar.

RODRIGO – Tente manter o celular carregado.

MILENA – Está bem..O que acontece Rodrigo? E não é só a morte de seu pai.

RODRIGO – Terei que viajar.

MILENA – Quando?  

RODRIGO – Amanhã. Irei a São Paulo tocar, ficarei dois dias fora.

MILENA – Que pena, sentirei saudades.

RODRIGO – Eu também Milena, mas dois dias passam rápido.

MILENA – Eu te amo Rodrigo.

RODRIGO (pegando a mão de Milena) – Eu também Milena, eu também..

(a luz se apaga e acende com Rodrigo sentado sozinho em uma mesa de bar bebendo com uma mala ao lado, ele está ouvindo rádio)

RÁDIO – E um grande crime passional ocorreu hoje de manhã na Avenida Atlântica, em Copacabana..Um polonês dono de uma concessionária de carros chamado Pola Negri encontrou a esposa na cama com o porteiro!! Sim caros amigos, o porteiro do prédio !!

(Rodrigo olhando para o vazio bebe um gole e coloca mais no copo)


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RÁDIO – O polonês não titubeou amigos e ao encontrar sua dileta esposa nuazinha com o Ricardão não pensou duas vezes e descarregou o revolver trinta e oito nos amantes. A polícia foi chamada ao local e quando entrou no apartamento encontrou a cena macabra. Os dois amantes cobertos de sangue!!    

(Rodrigo bebe mais um gole e enche o copo)

RÁDIO – Chegando à cozinha os policiais encontraram o corpo de Pola Negri caído com um copo espatifado próximo e um vidro com veneno de rato sobre a mesa. Junto ao vidro encontraram um bilhete com os dizeres “A morte é conseqüência do amor”.

(Rodrigo bebe mais um gole, mas não enche o copo)

RÁDIO – Mais um caso de crime passional seguido por suicídio registrado na delegacia de Copacabana, o quinto apenas esse mês. O delegado Bibelô pediu através da imprensa pelo fim da violência e como em um apelo exclamou “quem ama não mata!!

(Rodrigo olha o relógio)

RÁDIO – Essa foi mais uma notícia da sua rádio, a rádio transcontinental, a rádio da família brasileira. Voltamos agora ao melhor da música!!

(Rodrigo pega a mala, levanta e sai de cena. A luz se apaga e acende com um colchão no chão e duas pessoas embaixo das cobertas, não dá pra ver quem são. Rodrigo entra em cena, pega um revolver da cintura e joga a mala no chão)

MILENA (se descobrindo assustada) – Rodrigo!!

ALEXANDRE (ao lado de Milena) – Calma primo!! Não é nada disso que você está pensando!!

RODRIGO (gritando) – Canalhas!!

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(Rodrigo dá dois tiros em Alexandre que morre na hora, Milena se levanta apenas de calcinha e sutiã) 

MILENA (chorando) – Por favor Rodrigo, não me mate, eu amo você.

RODRIGO (chorando) – Por que você fez isso comigo?

(Rodrigo dá dois tiros em Milena que cai no chão)

RODRIGO (gritando em desespero) – Milena!!!!

(Rodrigo senta no chão e bota a cabeça de Milena no colo)

RODRIGO (chorando, desespero) – Eu te amo Milena!! Me perdoa!! Me perdoa!!

(Rodrigo beija a boca da mulher morta e abraça forte apertando a cabeça da moça contra seu peito)

RODRIGO (como louco) – Durma meu amor, isso durma, tudo vai ficar bem, eu vou cuidar de você (cantando) Nana neném, que a cuca vem pegar, papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar..

(Rodrigo chora mais forte, pega a arma e aponta para a própria cabeça)

RODRIGO (gritando) – Milena!!!!

(Rodrigo atira em sua cabeça e cai desmaiado no chão. A luz se apaga e começa barulho de sirene. O barulho continua enquanto o cenário é recomposto. A luz se acende com duas cadeiras no palco, em uma está Rodrigo sentado com curativo na cabeça, a outra de frente a ele está vazia e tem um policial em pé)

POLICIAL – Rapaz você deu sorte, nunca vi alguém mirar a própria cabeça e só acertar de raspão, era pra estar morto agora.

RODRIGO – Um suicida fracassado não merece viver.
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POLICIAL – O ruim que vai puxar uns bons anos de cadeia, também..Matar dois!! E você me parece um cara sério, distinto, do bem mesmo, não sei como teve coragem de matar duas pessoas.

RODRIGO – Todo moralista é pervertido.

POLICIAL – Ah sim, Freud.

RODRIGO (parecendo despertar) – Como?

POLICIAL – Freud, quem disse essa frase foi Freud, muitos pensam que foi Nelson Rodrigues, mas foi Freud.

RODRIGO (sorrindo) – Então foi Freud quem disse..

POLICIAL – Bem, sua advogada está aí fora, vou chamá-la.

RODRIGO – Ei policial, eu já sei!! Já sei o que vou colocar como epitáfio!!

POLICIAL – Como?

RODRIGO – A minha lápide, já sei o que estará escrito (parece olhar a lápide) Aqui jaz Rodrigo Ferraço, um homem inteligente que tentou ser idiota e algumas vezes conseguiu.

POLICIAL – Você é louco.

RODRIGO – É o poder da xana!!

POLICIAL – Melhor eu chamar sua advogada.

(o policial sai de cena e entra a advogada, é Marcela. Ela anda até ficar próxima de Rodrigo que está espantado)

RODRIGO (Muito surpreso) – Marcela!!

(Marcela tira a calcinha e joga em cima de Rodrigo que pega sem entender)
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MARCELA (enquanto senta no colo de Rodrigo, de frente a ele e puxa sua cabeça para que olhe nos seus olhos) – Me come logo que só temos cinco minutos!!

(Marcela beija Rodrigo apaixonadamente, com ardor que nunca beijou e a luz se apaga. Com ela apagada e os dois se beijando toca folhetim)

RODRIGO (Voz em off enquanto o casal se beija com luz apagada e toca folhetim) – A vida é como um folhetim. A cada dia uma página é virada e a próxima pode ser surpreendente.


FIM
  





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