Capítulo IV - Ericka

Eu continuava a minha sina, mas essa sina ganhava contornos de dramaticidade. Rodrigo namorava Fabíola, Gustavo tinha conseguido perder a virgindade e eu continuava na mesma, pior, tudo de ruim a fama ia pra mim. Ganhei o apelido de “o doido da cabra epilética”, todo mundo ria de mim no colégio, eu sempre fui um pára raio de confusões e muitas vezes sem ter culpa.
Mas seguia minha vida, na esperança que um dia conseguisse resolver “meu problema”, não tive mais coragem de voltar na zona, nenhuma menina queria nada comigo. Mas as coisas sempre podem mudar.
Um dia, estávamos na sala de aula quando entrou uma menina nova para a turma, linda demais, branca, cabelos negros, altura mediana, seios empinados, bundinha arrebitada e uma manchinha verde perto de uma das orelhas que era um charme. Perguntou ao professor se poderia entrar, era aluna nova transferida pro nosso colégio, se chamava Ericka.
Ericka, esse nome nunca mais saiu de meus pensamentos, um bálsamo pros meus ouvidos. Entrou e sentou na mesa do lado da minha, meu coração disparou, nunca havia sentido nada parecido. Balbuciei com toda timidez e nervosismo possível um “bem vinda”, ela sorriu e agradeceu.
Meu coração disparou ainda mais como se tivesse próximo de um enfarte, que situação louca, nunca havia sentido, não conseguia mais prestar atenção na aula. Em um momento ela me pediu a borracha emprestada, peguei e entreguei na sua mão, o momento em que nossas mãos quase se tocaram, separadas apenas por uma borracha pareciam não ter fim, eu não queria que tivesse fim..Ericka..Ericka...
Fato, não conseguia mais parar de pensar nela, fui pra casa com a menina nova em minha mente. Passei pela sala meus familiares falaram comigo e eu nem respondi, deitei na cama ainda com a roupa do colégio e fiquei pensando nela, no seu olhar, sua voz, seu sorriso. Quando eu gostava da Manoela era muito pequeno, claro que era um sentimento verdadeiro, mas era de criança ainda, agora não, aquele era um sentimento adulto. Talvez nem tão adulto porque eu mesmo ainda estava me transformando em um, mas era meu primeiro amor.
Mais tarde, de noite, como fazia todos os dias encontrei com meus amigos de fé na praça, de um lado dela ficava a igreja, do outro a prefeitura e ali era o ponto de encontro dos jovens da época. Não consegui disfarçar a minha empolgação e contei para eles tudo o que havia ocorrido, tudo o que eu sentia e olhe que eu sempre fui um rapaz tímido até com meus amigos, mas daquela vez não consegui segurar. Contei e no fim Gustavo perguntou se a moça que descrevi não era aquela que se aproximava.
Gelei, olhei para trás e vi a Ericka, linda com um vestido azul, aquele sorriso que já marcara a minha vida. O problema que do lado dela estava o George, um almofadinha da cidade com o qual nunca me dei bem. Ela me cumprimentou, respondi com meu nervosismo peculiar e o George provocou perguntando se ela já conhecia o “doido da cabra epilética”, ela respondeu que não, ele a pegou pela mão, saíram andando e ele disse, rindo, que contaria, assim os dois foram se afastando e meu coração diminuindo.  
Meus amigos se irritaram, levantaram do banco da praça e perguntaram se eu não faria nada. Eu respondi que não havia nada a ser feito, mas eles insistiram dizendo que ela era linda e não podia ficar com um idiota como o George, que eu tinha que lutar por ela. Abaixei a cabeça e falei que não tinha como lutar, não sabia como lutar.
Os dias foram passando e meu amor platônico não só continuava como fortalecia. Acordava pensando nela, ia dormir pensando nela, mal prestava atenção nas aulas e sofria ao ver sua proximidade com George. Me alimentava mal, Ia para a praça todas as noites na esperança de vê-la, receber um cumprimento mesmo ao lado dele, sentava na cadeira na sala de aula e torcia para ninguém sentar ao meu lado para que ela sentasse. Torcia para que ela não levasse a borracha e me pedisse emprestado. Meu dia acabava quando alguém que não era ela sentava na mesa ao lado, estava apaixonado.
Até que uma noite passei mal, dor de garganta, febre, mal conseguia dormir, diz minha mãe que a febre chegou aos 40° e eu delirando falava “Ericka”. De manhã perguntou quem era e eu respondi que era ninguém, acabou que não fui ao colégio, insisti muito, implorei à minha mãe, mas ela não deixou que eu fosse. Fiquei triste na cama, deitado, pensando que não a veria naquele dia, meu dia não tinha nenhuma graça sem ela, minha vida não tinha nenhuma graça sem a Ericka.
Peguei no sono, até consegui ter um sono pesado quando minha mãe mexeu no meu ombro, sonolento acordei e perguntei o que acontecia, minha mãe respondeu que a menina do meu delírio estava na sala, não entendi nada, ela então contou que eu tinha uma visita e que eu fosse na sala ver quem era.
De pijama, sonolento ainda, fui até a sala e tomei um susto, a Ericka estava sentada no sofá me esperando. Olhei, fiquei branco, gelei, parecia que iria morrer, minha mãe ao lado se preocupou e perguntou se eu estava bem, balbuciei um sim. Ericka levantou do sofá disse “Oi Doido, está melhor?” e me deu um beijo no rosto, um suave beijo no rosto, um beijo doce capaz de tirar toda febre e dor que ainda pudesse ter no meu corpo.
Papeamos a tarde toda, me contou que ficou preocupada porque eu não fui e decidiu ir à minha casa ver como eu estava, encontrou com meus amigos no colégio e eles responderam onde eu morava. Que era época de provas e eu não podia ficar sem a matéria, então levara para mim para que eu pudesse copiar.
Sentamo-nos à mesa que tinha na sala e comecei a copiar. Ela me olhava, eu sabia que ela me olhava e isso me deixava nervoso, mão trêmula, em um momento ela levantou, colocou a mão na minha testa para ver se eu ainda tinha febre, mas minha testa estava gelada, eu suava frio, queria que aquele momento acabasse nunca.
Ela foi embora, me deu outro beijo no rosto e partiu. Eu parecia que flutuava ao voltar pro quarto, me deitei e só pensava nela, dormi, sonhei com ela. No dia seguinte fui pra aula e ela ao meu ver sorriu, tirou sua mochila da mesa ao seu lado e disse que tinha guardado o lugar para mim, se era um sonho eu não queria mais acordar.
Assim fomos criando um laço de amizade, andávamos sempre juntos, o que gerou ciúme do George. Ela me disse que tinha nada com ele, gostava dele, mas só como amigo, isso dava grande esperança para o meu coração.
Virou minha melhor amiga, minha confidente, confidenciava tudo, menos o meu amor, ela virou presidente da nossa comissão de formatura e me chamou pra fazer parte do grupo. Claro que aceitei para poder ajudá-la e pra não ficar longe dela.  Ela foi a primeira pessoa a ler as coisas que eu escrevia. Crônicas, poesias, pensamentos que eu tinha e a história de um herói atrapalhando que sempre tentava salvar uma princesa, mas se dava mal.
Ela adorava essas histórias, gargalhava, nunca contei que essa princesa era inspirada nela e o herói atrapalhado eu, mas eu me sentia assim mesmo, um herói atrapalhado diante de uma princesa.
O tempo ia passando, o fim de ano se aproximava e com ele a minha angústia, era o último ano de colégio, não a veria mais todos os dias. Provavelmente não a veria mais, ela devia ir estudar numa cidade maior, fazer faculdade e eu também. Meu pai exigia que eu fizesse uma faculdade e virasse alguém, meu irmão mais velho Tadeu, já era militar e minha irmã Sandra professora, eu era o único ainda na escola, como seria depois? Como viver sem a presença da Ericka? Não podia deixá-la escapar assim pelos meus dedos, eu era tímido, mas era um homem, não um rato, tinha que enfrentar meu medo e me declarar.
Mas como me declarar? Eu não conseguia, por várias vezes a chamava pra conversar, ela perguntava o que eu queria, eu gaguejava e falava que era nada. Eu era um fraco, uma negação, uma vergonha pra classe masculina.
Pensei, já que não consigo falar, vou escrever. Em casa de noite sentei-me à mesa com papel e lápis pensando no que escreveria, teria que ser algo forte, profundo, que fizesse com que ela tivesse vontade de me namorar. Comecei a escrever, escrevi tudo que sentia, desde a primeira vez que a vi, o quanto ela era importante pra mim e quanto a amava.
No dia seguinte estava muito tenso no colégio, com a carta dentro da minha mochila. Aproveitei a hora do intervalo e coloquei dentro da sua, na volta para a aula eu não conseguia disfarçar mais a tensão, até ela me perguntou se eu estava com algum problema, respondi que não, só vontade de ir embora. Mal ela sabia o que tinha dentro da sua mochila, mal eu me cabia de tanta ansiedade, numa mistura de ansiedade e arrependimento por ter feito a carta e entregue, mas já era, já estava feito.
Não a vi durante o dia, fui pra praça de noite e ela não apareceu. No dia seguinte na aula ela estava um pouco mais séria que o normal e eu mais tímido, quase não nos falamos, eu pensava “será que ela não viu a carta?”. Fui pra casa, retirei meu caderno para fazer a lição e vi dentro da mochila uma carta.
Uma carta perfumada, escrita por uma letra bonita, era da Ericka. Nela agradecia tudo o que eu tinha escrito, mas pedia desculpas, porque só me via como amigo e não teríamos mais nada que amizade.
Meu chão sumiu, parecia que meu peito havia tomado uma facada, era uma sensação de morte, a mulher que eu amava só me via como amigo e não queria meu amor. Deu vontade de chorar, mas segurei o choro já que meu pai sempre falava que homem não chorava, Mas naquela hora não me sentia homem, apenas um menino que queria o colo da mãe.
Mais tarde nos encontramos com o conselho de formatura, nos cumprimentamos, demos um sorriso um ao outro, mas não era a mesma coisa. Ela chegava perto de mim e eu me distanciava, dava uma desculpa e saia de perto. Eu não conseguia, era demais pra mim ser amigo da mulher que amava, saber que ela não queria ser meu amor.
Já não sentava mais tão perto dela na sala de aula, nossos assuntos eram mais sobre a formatura. Aquela intimidade toda já não existia, sentia que fazia falta para ela, pra mim também, mas era mais forte do que eu. Naquele momento eu só queria que o ano acabasse logo e queria fazer faculdade no Rio de Janeiro, bem longe de Tremembé.
Um dia voltava da aula e vi uma grande aglomeração na frente da igreja, além das pessoas estavam polícia e uma ambulância. Saí correndo em direção a igreja para saber o que ocorria, a polícia não deixava ninguém entrar. Na porta da mesma encontrei Sandra chorando, perguntei o que ocorria e ela só conseguia dizer “a mamãe, a mamãe..”, fiquei nervoso e perguntei o que tinha a minha mãe, ela respondeu “ta morta, dentro da igreja”.
Não teve polícia que conseguiu me segurar, entrei na igreja e lá estavam meu pai e o Tadeu. Meu pai me viu e começou a gritar dizendo que a culpa era minha, que eu havia nascido e só trazido desgraça para a família, que eu sabia de tudo e havia escondido.  Entrei em direção ao altar sem entender nada, perguntava “ tudo o que? O que aconteceu?” quando cheguei perto do altar vi a cena que nunca mais esquecerei.  
Caídos no altar, os corpos de minha mãe e do padre Pinheiro. Cheguei devagar perto do corpo da minha mãe, me ajoelhei, abracei e comecei a chorar, chorar muito, nunca havia chorado tanto na minha vida, nunca tinha deixado que me vissem chorar em público, não entendia o significado daquela cena, o porque aqueles dois corpos no chão. Tadeu me puxou e me deu um abraço, os dois chorando, depois me entregou uma carta e pediu que eu lesse, era uma carta em conjunto de minha mãe e do padre Pinheiro.
Carta de minha mãe e padre Pinheiro
“Prezados familiares, amigos, comunidade
Vocês podem não entender o que aconteceu,  só nós dois sabemos o que nos motivou a cometer tal ato, um ato extremo que vai contra as leis de Deus, nos apaixonamos, um amor proibido, doído, que ia contra todos os nossos princípios, contra nossa vontade, mas um amor puro, intenso e como todo amor maravilhoso e não sujeito ao pecado. Pedimos desculpas a todos, aqueles que amamos e sofrem nesse momento com nossa atitude, que vocês nos perdoem, que Deus nos perdoe”
Li a carta, devolvi ao Tadeu e sentei espantado no banco da igreja, minha mãe e o padre estavam tendo um caso, se apaixonaram e não agüentaram conviver com esse amor proibido, fizeram um pacto de morte, o padre deu um tiro no peito da minha mãe e depois acertou sua própria cabeça, duas mortes instantâneas.
Meu pai esbravejava, falava os maiores impropérios sobre minha mãe e o padre, eu olhava pro vazio, olhava Cristo preso na cruz e via minha mãe ali, crucificada. Pensava na vida terrível que ela deve ter tido, minha mãe não casou com meu pai por amor, foi obrigada por meu avô, meu querido avô Ventania que com o tempo ficou mais doce, amoroso e se arrependeu de ter feito isso com minha mãe. Ela viveu em função desse casamento, dos filhos.
Minha mãe foi a mulher que mais amei na vida, a minha melhor amiga, minha maior companheira, a pessoa que esteve sempre perto de mim pra mostrar o quanto eu era bom, o quanto eu era importante, o quanto me amava. Lamento profundamente não ter vivido mais tempo com ela, sinto muita saudade de seu carinho, de seu afago em meu rosto, de seu beijo, do seu colo. Com a minha mãe partiu metade de mim, até hoje me emociono muito ao falar dela, só queria que ela aonde quer que esteja saiba que a amo muito, pra sempre, saudades imensas e melhor parar de escrever sobre ela que as lágrimas já teimam em surgir, obrigado por tudo mãe.
Com lágrimas nos olhos eu olhava pra Cristo na cruz, meu pai olhou pra mim e gritando perguntou o que tanto eu olhava. Me levantei, enxuguei as lágrimas e saí andando em direção a porta da igreja, ele gritava mandando que eu parasse, mas não ouvia nada, só queria sair dali. Ainda passei pela Ericka do lado de fora me perguntando se eu estava bem e precisava de algo, não lhe dei ouvidos, continuei andando até não ter mais ninguém por perto.
Fui pro meu local preferido, aquele que eu gostava de ficar sozinho meditando, a beira do rio onde eu pescava com meu avô. Sentei lá na beira, fiquei jogando pedrinhas pro seu fundo e depois parado, sentado, olhando pro nada, sozinho apenas com a minha dor. Fiquei a noite toda lá não queria ver ninguém, parecia que tinha morrido também, lá sentado olhando pro nada, mergulhado no vazio.    
Na manhã seguinte já estavam todos no enterro quando eu cheguei, roupa amassada, todo desgrenhado, cara funda. Entrei e todos me olharam, meu pai foi ao meu encontro dando bronca e perguntando onde estava, não respondi, abracei meus irmãos e depois meus irmãos da vida Rodrigo e Gustavo. Ericka me deu um beijo no rosto e limpou minhas lágrimas, peguei em uma das alças e começamos o cortejo.
Cemitério cheio, minha mãe era uma pessoa muito querida, mas não estava cheio apenas por causa do carinho que nutriam por ela, mas pela fofoca que aquela história causou. Mesmo com olhar fundo e mente vazia eu conseguia ouvir a mistura de choro e burburinho, mas não me importava, estava enterrando minha mãe. Pela segunda vez ia a um cemitério, segunda vez enterrando alguém que amava, algo que seria freqüente em minha vida.
Fui pra casa, me tranquei no quarto, não quis ver ninguém, Rodrigo, Gustavo, Ericka foram a minha casa e não atendi, a empregada perguntou se queria comer algo, também não quis, fiquei dias trancado, pensando, faltei aulas..
Um dia decidi voltar à vida, voltei ao colégio, sentia as pessoas falando às minhas costas, mas não reagia, o “doido da cabra  epilética”, tinha virado o “filho da mulher do padre”.
Isolei-me um pouco de amigos, família, fui ao conselho de formatura, comuniquei que não queria mais fazer parte, a Ericka ainda tentou me convencer a ficar, mas não havia mais clima. Meus dias eram da casa pro colégio e do colégio pra casa, parei de ir na praça de noite, preferia ficar em casa lendo meus gibis e escrevendo. Escrevia sobre as coisas que sentia, meus planos pro futuro, a saudade de minha mãe e de como eu gostava da Ericka, seguia escrevendo minhas historinhas, com o herói atrapalhado sempre se dando mal.
O fim das aulas se aproximava e eu me distanciava da Ericka, ela se sentava em um canto da sala e eu em outro completamente afastado. Ela voltou a andar com o George, o burburinho era que os dois estavam namorando, um dia no corredor do colégio encontrei os dois se beijando, ela notou que eu vi, mas ergui a cabeça e passei por eles como se nada tivesse acontecido, meu avô sempre falava “um homem nunca deve abaixar a cabeça”. Passei com a cabeça erguida e o coração chorando, já ansiava pelo fim das aulas, por ir embora.
Chegaram as provas finais, fui bem, passei em tudo. Como de costume na época meus amigos jogaram ovos podres em mim, bastante farinha, voltei a rir como há tempos  não fazia. Gustavo e Rodrigo eram como irmãos, passamos por muita coisa juntos, me perguntaram sobre a festa de formatura e eu disse que não iria
Ericka estava passando por nós e perguntou “como assim não vai?”, respondi que não iria porque estaria em Belo Horizonte pra na manhã seguinte prestar provas para uma faculdade. Era mentira minha, iria ficar em casa mesmo, mas precisava sair pro cima. Ela pareceu triste, disse que era uma pena e foi embora, nessa hora o Gustavo me disse “essa menina gosta de você”, respondi que era delírio dele, que eu já havia me declarado e ela recusado meu amor, ele reafirmou que ela gostava.
Procurei não ficar com aquilo na mente, aproveitar as férias pra fazer coisas que eu gostava, coisas que meu avô me ensinou a gostar, cuidava dos passarinhos nas gaiolas, saía pra pescar, mesmo sozinho, era uma ótima terapia mesmo nunca pegando nada, escrevia. Escrevia muito, bastante, saía com meus amigos também, pouco a pouco a minha vida voltava ao normal. Mas ao mesmo tempo completa indefinição sobre meu futuro, do que eu queria pra vida. Meu pai me cobrava uma decisão, que não estava ali para sustentar filho vagabundo e já que eu estava pra me formar teria que decidir se ingressaria numa universidade ou iria trabalhar.
Minha relação com meu pai sempre foi tempestuosa. Por algum motivo eu acreditava que ele não gostava de mim, acho que nem era algo pessoal, porque com meus irmãos também era assim. Meu pai era um homem sério, quieto, amargo, incapaz de mostrar qualquer tipo de amor e carinho, não sei se foi devido sua criação, era do tipo de homens que pensava que seu papel na família era trabalhar e colocar dinheiro em casa, não era papel de homem mostrar afeto. Isso me incomodava, ainda mais perdendo meu avô e minha mãe que eram tão dóceis e amorosos comigo.
Mas mesmo com a pressão dele eu não conseguia decidir, queria dar um tempo de Tremembé, conhecer outros lugares. Eu era jovem, tinha um mundo inteiro lá fora para conquistar, mas ao mesmo tempo me sentia ligado à cidade, tudo que eu vivi estava ali, coisas boas, ruins, saudades..
No dia da festa de formatura fui à biblioteca da cidade e peguei alguns livros pra ler, estava decidido a passar a noite lendo sem pensar na festa que estava ocorrendo. Fui para meu quarto comecei a ler quando bateram na porta, era meu pai.     
Perguntou o que eu fazia em casa no dia da minha festa, respondi que não iria, ficaria em casa lendo uns livros. Ele me falou que eu estava errado, que aquela era a minha noite, a noite que havia batalhado tanto na vida para que chegasse. Mandou que me lembrasse dos dias e noites que perdi, que não me diverti, que dormi menos, de tudo que batalhei, que não era hora de ficar em casa lendo e sim de me divertir, que a minha mãe não iria gostar de me ver em casa.
Falou, saiu e eu fiquei sem entender nada, havia sido meu pai mesmo que falara aquelas coisas comigo? Que havia sido dócil, mandado me divertir e ainda citou a minha mãe? Pela primeira vez desde sua morta ele tocou em seu nome. Pois bem, fiz o que ele mandou, peguei a roupa que já estava separada pra ocasião, coloquei e fui embora.
Chegando ao baile parece que o mesmo parou, todos ficaram me olhando, ninguém acreditava na minha presença. Gustavo e Rodrigo vieram me abraçar entusiasmados e eu rindo mandei que tomassem cuidado com a minha roupa e o meu cabelo. Ericka parou de dançar, se aproximou de mim, me deu um beijo no rosto e disse “bem vindo”, eu agradeci e dei uma volta no salão, vi as pessoas se divertindo, isso me fazia bem.
Na presença dos meus amigos, dos meus colegas de classe, da música, da bebida, da diversão e também por estar no mesmo ambiente da Ericka esqueci por alguns momentos o quanto minha vida estava difícil. Ria como há muito tempo não acontecia, até me arrisquei a dançar, algumas meninas malucas toparam meu convite pra dança, uma das melhores noites da minha vida e eu só podia agradecer ao meu pai por ter me convencido a ir.
Em um determinado momento o apresentador pegou o microfone e disse que estava na hora de anunciar o rei e a rainha do baile, eu nem sabia que teria aquilo. Não percebi que tinha uma urna próxima a entrada em que as pessoas votavam, logo comentei com meus amigos que era barbada a escolha da Ericka e do George. Ele começou o anúncio pela rainha e deu o óbvio, anunciou o nome da Ericka, todos aplaudiram, ela linda como sempre subiu ao palco, recebeu a coroa e agradeceu a todos pela escolha, chegava a hora de anunciar o rei, o apresentador pegou um papel, abriu e anunciou..
Anunciou o meu nome !! Quando ele anunciou uma grande algazarra tomou conta do salão, todos aplaudindo e gritando meu nome, eu espantado, desde a ocasião das bolinhas de gude nunca mais havia vencido nada na vida e até então acho que aquela tinha sido minha única vitória e ainda por cima teria direito a uma dança com a Ericka. Gustavo e Rodrigo começaram a me empurrar pro palco, era a noite perfeita, era..
Quando estava na escada para subir no palco fui empurrado pelo George que subiu na minha frente e tomou o microfone do apresentador. Começou um discurso dizendo que a escolha era um absurdo, que eu sempre fui um nada no colégio, um ninguém, que havia me envolvido em situações bizarras, com cabras, com ataques epiléticos em zona e que por fim tinha uma mãe adúltera que corrompeu o padre da cidade, que eu só merecia o desprezo de todos.
Bem, falar da minha mãe foi demais pra mim. Fui em disparada ao seu encontro e dei um soco em seu rosto tão forte que ele voou do palco e caiu em cima das pessoas, a diretora aos gritos me mandou embora. Saí do palco com a Ericka me puxando, mandando que eu esperasse, mas não quis saber, saí da festa enfurecido.     
Fui pro lugar de sempre, a beira do rio, uma mistura de raiva e tristeza, havia sido uma noite muito boa e ela acabou daquela forma, estava tudo acabado pra mim mesmo, eu não tinha mais espaço em Tremembé, a melhor coisa era ir embora. Chorava de raiva sentado na beira do rio quando ouvi uma voz me chamar.
Quando olhei pra trás era a Ericka, perguntei o que ela fazia ali, ela disse que saiu da festa me seguindo, que não queria me deixar sozinho. Agradeci, mas falei que não precisava da piedade dela, da piedade de ninguém, que bastava a minha auto piedade.
Ela se aproximou de mim, passou a mão no meu rosto e disse que não era piedade, era amor, falou e beijou a minha boca, meu primeiro beijo de verdade. Abracei aquela mulher com todo carinho e amor que eu sempre tive, um momento mágico, que sempre sonhei e queria que se eternizasse. Após o beijo eu falei que ela fez aquilo por pena, não me amava, tinha deixado bem claro na carta que me enviou.
Ela respondeu que não, que era amor e não conseguia mais viver sem mim, ainda perguntei pelo George, ela respondeu que ele significava nada pra ela, que o amor era pra mim. Tudo que sempre sonhei em ouvir tinha conseguido, a Ericka era minha, começamos a nos beijar, tirar nossas roupas, finalmente eu faria amor e com uma mulher que amava. Ela ficou apenas de calcinha e sutiã, eu ávido para que ela tirasse tudo, quando botou as mãos nas costas para tirar o sutiã uma imensa luz surgiu.   
Virei e a cena que vi poucos de vocês acreditarão, mas era a mais pura verdade. Um imenso clarão e do clarão surgiu uma nave espacial, descendo aos poucos, até descer no mato, eu olhava aquilo incrédulo, com mão nos olhos para poder enxergar, a porta da nave se abriu, olhei pra Ericka e perguntei “você está vendo o que estou vendo?”.
Ela não respondeu nada, estava paralisada, parecia hipnotizada por aquela cena, ainda perguntei “Ericka, você está bem?”, ela não me respondeu e começou a andar. Tentei segurá-la perguntar aonde ia, mas a impressão que dava é que ela não estava mais ali, seguiu andando, andando, em direção a nave, até que entrou nela, a porta se fechou e a nave subiu, subiu e num imenso clarão sumiu.
Pois é, a nave foi embora, com a Ericka dentro e eu fiquei ali embaixo, só de cueca, sapatos, é..a velha mania dos sapatos, sozinho, com cara de bunda. Depois de tudo que batalhei, na hora que iria conseguir o que mais sonhava do nada aparecia uma nave e os ETs levavam meu amor embora.
Pior que com a subida da nave minha roupa pegou fogo, estava só de cueca e tinha que voltar pra casa assim, sem roupa, sem a Ericka e ainda tendo que explicar o que aconteceu, o que evidente ninguém iria acreditar.
Me dei mal no fim como o herói atrapalhado das histórias que eu fazia pra ela, na boa, eu sou muito azarado.












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