VILA ISABEL EM CINCO CARNAVAIS
Prosseguindo
com a série “cinco carnavais” chegamos a uma tradicional, querida, respeitada e
que sim, demorou pra ser impor como campeã. Mas quando foi campeã também..
É a
Vila de Martinho..A Vila de Noel (mesmo que esse tenha morrido antes do começo
da escola). A Unidos de Vila Isabel de cores azul e branca que teve sua fundação
em 4 de abril de 1946 por Antonio Fernandes da Silveira (conhecido por seu
China).
Seu
China, oriundo do morro do Salgueiro, se mudou para o morro dos Macacos em Vila
Isabel e encontrou no bairro um bloco formado por Ailton Pinguim chamado
“Acadêmicos da Vila” com cores vermelho e branco.
Vendo
o bloco desfilar seu China teve a ideia de montar a escola de samba. Conversou
após o carnaval com integrantes do bloco que aceitaram de pronto e também
concordaram em mudar as cores para azul e branco em homenagem a antiga escola
de seu China. A Azul e Branco do Salgueiro.
Também
houve apoio dos integrantes do bloco de Dona Maria Tataia.
Começou
a desfilar em 1947 com apenas cem componentes. Em 1948 Paulo Brazão
representando a escola se tornou o 1° cidadão samba. Em 1961 o lendário
compositor David Corrêa assumiu a ala de compositores da Vila e instituiu a
carteira de compositor com retrato. Em 1966 foi o responsável por trazer
Martinho para a Vila quando esse já estava com um pé dentro do Império Serrano.
Vila Isabel
dona de um dos mais fantásticos acervos de samba do carnaval brasileiro. Campeã
em 1988, 2006 e 2013.
Vila
Isabel de seu China, Tuninho Carpinteiro, Paulo Brazão e Osmar Mariano. De
David Corrêa, Aluisio Machado, Rodolpho e Luiz Carlos da Vila. De Evandro
Bocão, Rute, Mestre Mug, Leonel, Tunico da Vila e André Diniz. De Russa,
Moisés, Martinália, Gera e Tinga. De Max
Lopes, Oswaldo Jardim e Rosa Magalhães.
Vila
de Martinho da Vila. Vila de Kizomba.
Vila
Isabel de “Quatro séculos de moldes e costumes” 1968, “Yayá do cais dourado”
1969, “Onde o Brasil aprendeu a liberdade” 1972, “Pra tudo se acabar na
quarta-feira” 1984, “Gbala, viagem ao templo da criação” 1993, “Muito prazer!
Isabel de Bragança, ou Drummond Rosa da Silva, mas pode me chamar de Vila” 1994,
“Soy loco por ti América: A Vila canta a latinidade” 2006, “Noel: A presença do
poeta na Vila” 2010, “Você sembo lá..Que eu sambo cá! O canto livre de Angola”
2012.
Vila
Isabel de tantos sambas consagrados que alguns desses citados acima não estão
entre os cinco com tristeza minha. Mas como desde a primeira crônica digo são
os cinco que me moldaram como sambista e compositor.
Então,
vamos a eles.
SONHO DE UM SONHO 1980
Samba
de Martinho da Vila, Rodolpho e Graúna.
Contei
na coluna sobre a Mocidade que a escola perdeu o carnaval de 1992 porque
colocou cerca de dez vezes a palavra sonho e suas derivações. O que dizer então
de um samba que começa com “Sonhei / Que estava sonhando um sonho sonhado/ O
sonho de um sonho magnetizado.”?
Jurado
de hoje em dia provavelmente tiraria pontos e por isso ele é jurado e não
artista porque só artista é capaz de criar algo diferente. Algo fora do senso
comum. Uma boa parte das pessoas poderia dizer que “se fosse de um compositor
comum achariam ridículo”. Mas que pessoa comum pensaria nisso? Provavelmente
acharia redundante, mas da redundância também pode vir a genialidade como no
caso desse samba.
Definitivamente
não é um enredo fácil. Olhando a letra sem ver sinopse se imagina que é alguém
falando de sonhos que tem, coisas que gostaria de realizar ou ver. Mas a letra
é profunda, rebuscada e passa a impressão, como muitas músicas dos anos 70 e
80, que quer passar mais do que está escrito.
O
verso “a prisão sem tortura” é ousado. Tudo bem que era 1980 e o regime já não
era mais tão feroz e vivíamos a abertura. Mas não custa lembrar que em 1981
teve um atentado no Riocentro no dia do trabalhador feito por militares
mostrando que nem tudo ainda eram flores. Esse verso foi o mais forte em
samba-enredo do período militar se referindo ao regime e mostrando uma
realidade que poucos conheciam. A que havia tortura nas prisões do Brasil.
Genialidade
de Martinho e seus parceiros que conseguiram fazer um samba de tema difícil
usando palavras rebuscadas como “grimpas” que provavelmente nunca usei na vida
com uma grande naturalidade. Conseguindo passar a mensagem que queriam e
eternizando o samba de original e criativa redundância.
Não
foi o primeiro grande samba da Via Isabel, mas foi o primeiro “O samba” da
Vila.
RAÍZES 1987
Samba
de Martinho da Vila, Ovídio Bessa e Azo.
Um
fato curioso é que quando disse no twitter que estava escrevendo o “Vila Isabel
em cinco carnavais” alguns citaram seus cinco e não citaram esse.
Acho
curioso sim porque foi um grande desfile de um samba fantástico.
Revolucionário.
E por
quê digo isso? Olhem a letra no site “Galeria do samba”. Olharam? Não repararam
em nada diferente?
Sim...A
letra simplesmente não tem rimas!! Para alguns isso pode parecer bobagem, mas é
muito difícil para um letrista fazer uma letra sem rimas. Naturalmente o verso
seguinte pede a rima e a parceria conseguiu construir uma letra inteira dessa
forma. Além disso, para quem coloca melodia é um martírio. A melodia pede uma
letra “que feche”. Dão essa denominação ao fechamento da rima.
O
enredo é sobre uma lenda (compositores amam temas afros e lendas) da criação do
Sol, Lua e estações do ano. Tipo de temas que infelizmente não vemos mais no
grupo especial. Todo ser humano tem inveja de alguma coisa e confesso que morro
de inveja desse samba.
Meu
sonho como compositor é fazer um samba sem rimas e já tentei algumas vezes não
dando certo porque os parceiros de melodia não conseguiram encaixar as mesmas,
mas vou continuar tentando e uma hora consigo.
O samba da Vila é tão bonito que ninguém percebe não ter rimas. Uma
história é cantada com princípio, meio e fim. Uma história musicada, uma
história sem rimas.
A Vila
fez um grande desfile, a altura do samba e chegou na apuração como a maior
favorita. Era tão “pule de dez” a conquista de seu primeiro campeonato que a
torcida da Mangueira levou uma faixa de apoio a Vila.
Mas de
uma forma surpreendente quem levou foi a própria Mangueira ganhando do também
fabuloso “Tupinicópolis” da Mocidade e a Vila ficou apenas em quinto.
Mas
com ou sem rimas as raízes do primeiro campeonato da Vila estavam fincadas e os
frutos não demorariam a chegar.
KIZOMBA, FESTA DA RAÇA 1988
Samba
de Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila.
Vila
já tinha um sonho sonhado e fincado raízes para o campeonato. Podia ter sido em
1987, devia ter sido em 1987, mas não foi.
Mas
não estava distante o dia da conquista. Tinha que ser em um momento mágico,
inesquecível, uma festa da raça. Não apenas a sede, mas a vitória era sua sede.
Tinha que ser em um evento “que congraça gente de todas as raças”.
O ano
de 1988 representava o centenário da abolição da escravatura no Brasil. Com
isso a maioria das escolas de samba decidiu homenagear a data trazendo o negro
em seus enredos. Em 1988 ainda existia o Apartheid, um regime de segregação racial
adotado na África do Sul entre 1948 e 1994 em que os direitos da grande maioria
da população, a negra, era cerceado pela minoria branca. Sistema que provocou
situações como a prisão de Nelson Mandela, um dos líderes da causa negra e que
em 1988 estava na cadeia.
O que
se viu na Sapucaí em 1988 foi um festival de homenagem aos negros com desfiles
e sambas inesquecíveis. Carnavais eternizados como o da Mangueira que pra mim e
já disse isso aqui, desfilou com um dos melhores sambas da história.
Só que
a Vila não desfilou com um samba-enredo, desfilou com um canto de guerra. Uma
música que por sua beleza podia sim ser cantada com alegria, podia ser sambada.
Mas que também permitia cantar com raiva, com coragem, luta, “sangue nos
olhos”. Que podia ser sambada, mas também marchada com mão batendo no peito e
dizendo “Anastácia não se deixou escravizar”.
Kizomba
é épica. É um dos maiores momentos da história do nosso carnaval, de nossa
cultura. Uma hora e meia de catarse com uma escola que não estava tão bonita
visualmente, mas estava linda de emoção, incorporada, negra. Dava pra ver todos
os Orixás lá, dava pra ver Zumbi e Anastácia desfilando com seus quilombolas.
Marcados, machucados pelo açoite do homem branco. Mas libertos.
Não
tinha como dar outra coisa. Não tinha como ser diferente. A Vila Isabel chegava
a seu primeiro e histórico campeonato. Um desfile tão único que não teve
desfile das campeãs naquele ano devido a chuva. Quem viu Kizomba só viu uma
vez. Quem sentiu Kizomba sente para sempre.
Acho
que se passarmos pela Sapucaí de madrugada, deserta nos períodos sem carnaval e
nos concentrarmos é capaz de vermos a Vila desfilando e ouvir num uníssono
“Valeu Zumbi, o grito forte dos Palmares”.
O
grito forte dos Palmares, da África do Sul que se libertou da segregação, o
grito forte de Vila Isabel.
Valeu
Vila.
DIREITO É DIREITO 1989
Samba
de Jorge King, Serginho Tonelada, Fernando Partideiro, Zé Antônio e J.C.Couto
Em
todas as crônicas coloquei algum samba ou desfile que não estão no pensamento
da maioria. Acredito que nessa seja esse samba que vão perguntar “Com tantos
grandes sambas, por quê esse?”.
Porque
é lindo, simples.
Como
já disse inúmeras vezes 1989 é o ano que não acabou. Grandes sambas, grandes
desfiles que seriam campeões em qualquer ano, menos em 1989 e esse da Vila é um
bom exemplo.
Como
podem ver, assim como a Mocidade, botei a Vila em três anos seguidos pra
mostrar a grande fase que ela passou. A escola continuou em 1989 na luta
social, mas em vez de negros decidiu falar sobre a declaração universal dos
direitos humanos.
A
declaração foi promulgada em 10 de dezembro de 1948 num mundo que ainda
cicatrizava do horror da segunda guerra mundial. Essa declaração veio com itens
primordial para a condução da vida humana como direito a vida, a liberdade, a
não ser submetido a tortura e sermos iguais perante a lei.
A Vila
então comemorou na avenida os quarenta anos dessa lei com mais um grande
desfile e pra variar um ótimo samba. O samba principalmente é que mexe comigo e
me faz colocar aqui.
O
samba começa bonito. Dando recado, contando que a liberdade ainda não raiara,
depois os fortes versos “viver com dignidade / Não representa valor” e continua
chegando ao auge em seu refrão do meio.
“Clareou
/ Despertou o amor / Que é fonte da vida / Vamos dar as mãos e lutar / Sempre
de cabeça erguida”. Isso é bonito demais não só na letra contundente, mas
melodicamente lembrando a melodia de guerra de Kizomba. A batida da bateria
também na gravação do disco lembrando o rufar de uma marcha de guerra também
entrou na minha mente pra sempre. O início melódico da segunda do samba também
é linda e foi muito copiada ao longo dos anos.
Fez um
belo desfile, de bicampeonato. O problema é que Imperatriz, Beija-Flor e União
da Ilha fizeram os desfiles de suas vidas ocupando as três primeiras posições então
a Vila ficou bem em quarto voltando ao desfile das campeãs.
A
liberdade ainda não raiou infelizmente. Mas não podemos nunca perder o direito
de pedir por ela como fez a Vila.
Afinal.
Direito é direito.
A VILA CANTA O BRASIL CELEIRO DO
MUNDO – ÁGUA NO FEIJÃO QUE CHEGOU MAIS UM...2013
Samba
de Martinho da Vila, Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Tunico da Vila.
A Vila
já fizera um bom desfile e um grande samba em 2012. Poderia ter sido campeã,
mas foi a Tijuca e não podemos dizer que foi injustiça. Poderia ter ganho todos
os prêmios de samba, mas no caminho tinha o “Barcelona dos sambas”. Apelido que dei ao fantástico
samba da Portela do ano.
Hoje,
passado tudo, posso dizer que a Vila 2013 é o “Bayern de Munique” do samba.
Assim como a escola de samba o Bayern ficou no quase em 2012 em tudo. Assim
como a escola de samba o clube alemão ganhou tudo em 2013, inclusive do
Barcelona.
O
enredo não chamou muito atenção e logo associaram ao agronegócio. A Vila
realmente começou a chamar atenção nos preparativos da disputa de samba graças
a uma parceria montada.
André
Diniz, maior vencedor de sambas da agremiação, se juntou a Arlindo Cruz, um dos
mais importantes artistas do nosso tempo e ao histórico Martinho da Vila em uma
mesma parceria. Fechando o grupo o campeoníssimo Leonel e o talentoso Tunico da
Vila formando um “dream team” ou como o meu amigo Pedro Migão apelidou
“galácticos”.
Grandes
poderes trazem grandes responsabilidades já dizia tio Ben em “O homem aranha” e
a deles foi grande. Todo mundo esperava o samba que essa parceria iria produzir
e qualquer coisa menor que um samba fantástico seria muito criticado.
E eles
conseguiram fazer o samba fantástico. Alguns criticaram e torceram o nariz, mas
a grande maioria aprovou e aplaudiu o samba da super parceria que contou com
poesia e linda melodia com suaves mudanças melódicas o dia de um trabalhador do
campo.
Com um
samba muito superior ao enredo vimos em detalhes como é o dia desse trabalhador
desde que acorda até a noite. Somos de tal forma conquistados pelo samba que
até dá pra sentir o cheiro do café.
Esse
samba e o da Portela, assim como em 2012, dividiram a liderança de grandes
sambas do ano, mas só até as escolhas. O samba da parceria da Vila era muito
favorito e conquistou facilmente o concurso. O da Portela, também favorito,
venceu, mas foi modificado pela direção da escola perdendo força.
O da
Portela também foi prejudicado pelo desfile, que assim como em 2012, foi muito
abaixo da qualidade da obra. Com a Vila foi diferente.
A Vila
Isabel foi a última escola a entrar na avenida com um título encaminhado para a
Beija-Flor. Mas a Vila fez o que muitos chamam de “Kizomba caipira”. Um desfile
lindo, arrebatador, emocionante que conquistou a todos que ainda no meio da
apresentação já vaticinaram a conquista da escola.
O
samba rendeu demais, mostrou-se ainda mais lindo e a cada minuto que passava na
avenida garantia mais um pedaço de lugar na história do carnaval. Ao fim do
desfile o samba estava consagrado sendo uma das músicas mais tocadas no fim do
carnaval por ruas, bailes e blocos.
O
título veio, mas não foi tão fácil quanto esperavam. A escola teve que suar e
vencer o carnaval em um quesito esquecido pelo carnaval moderno. Samba-Enredo.
O
samba venceu, a Vila venceu e o povo de Noel cheio de orgulho fez “festa no
arraiá” para comemorar seu terceiro campeonato.
E a
Vila colheu felicidade ao amanhecer.
Bem aí
estão cinco carnavais da grande Vila Isabel que mudou bastante sua equipe para
o carnaval de 2014, mas se mantém forte e vai firme para a disputa do bi. Não
acredita? Vai nessa, eles adoram ser subestimados e surpreender.
Semana
que vem tem tradição e modernidade misturadas em uma fórmula de sucesso. Tem
Unidos da Tijuca.
FONTE
GALERIA DO SAMBA
www.galeriadosamba.com.br
ESCOLAS EM CINCO CARNAVAIS:
PORTELA
http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/04/portela-em-cinco-carnavais.html
MANGUEIRA
www.galeriadosamba.com.br
ESCOLAS EM CINCO CARNAVAIS:
PORTELA
http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/04/portela-em-cinco-carnavais.html
MANGUEIRA
http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/04/mangueira-em-cinco-carnavais.html
IMPÉRIO SERRANO
http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/04/imperio-serrano-em-cinco-carnavais.html
SALGUEIRO
MOCIDADE
BEIJA-FLOR
IMPERATRIZ
Antes de escrever a série sobre a Unidos da Tijuca ouça os sambas da escola de 1980 a 1984, bem ocmo o de 1976. Tenho os áudios se quiser
ResponderExcluirTranquilo, mas é como eu digo nos textos, são os cinco que tenho afeto, não os cinco melhores
ExcluirShow de bola a descrição sobre o momento KIZOMBA.
ResponderExcluirComo disse no Twitter senti falta das maravilhas de 1993 e 1994, mas nenhum dos citados está gratuitamente ou por enxerimento. Viva o povo de Noel, quantos sambas bons de verdade além das voltas por cima que escola deu.
Lembrar daquele desfile horrendo de 1998 e naquele instante ser quase impossível imaginar o que faria em 2009 quando merecia ao menos o vice.
O melhor de tudo é voltar a ser campeã tendo como carnavalesca a "fria" Rosa Magalhães que na segunda metade dos anos 2000 parecia ultrapassada e deveria se aposentar. A mestra conquistar o título numa agremiação quente em que o SAMBA prevaleceu assim como tinha ocorrido em 1982 no Império.
Obrigado VILA ISABEL por momentos tão magníficos. Obrigado Aloisio por fazermos viajar a tais momentos!
Pois é, 1993 e 1994 mereciam mesmo, mas como eu disse no texto foi complicado escolher só cinco, a Vila Isabel tem um acervo fantástico. Abração
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