MÁSCARA NEGRA
*Conto publicado no blog Ouro de Tolo em 6/10/2012
Máscara
negra é o nome de uma antiga marchinha de carnaval de Zé Kéti e Pereira Matos.
Ela expressa todo o sentimento de um arlequim que se apaixona pela colombina em
uma noite de carnaval.
“Quanto riso! Oh! quanta alegria!
Mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão”.
Mais de mil palhaços no salão.
Arlequim está chorando
Pelo amor da Colombina
No meio da multidão”.
Esses são versos da canção de
carnaval. Marcelo não era um arlequim. Gracinha não era uma colombina, mas o
amor deles explodiu na folia de momo.
Marcelo era um garotão do interior
de Bauru, interior de São Paulo que veio estudar medicina no Rio de Janeiro e
se apaixonou pela cidade. Mal voltava a terra natal nas férias e planejava
fixar residência na cidade maravilhosa.
O carnaval se aproximava, o
primeiro de Marcelo na cidade e os pais mandaram dinheiro para que ele pegasse
um ônibus e passasse a data em Bauru. Marcelo chegou a arrumar suas coisas e se
encaminhar para a rodoviária, mas na hora de entrar no ônibus ouviu ao fundo um
bloco passando e anunciando o carnaval. Pensou duas vezes, pediu desculpas ao
motorista e foi embora. Mais tarde ligou para os pais dizendo que passaria o
carnaval no Rio e que na quarta-feira de cinzas devolveria a eles o dinheiro da
passagem.
Comunicou ao amigo Beto que
passaria o carnaval no Rio de Janeiro e perguntou qual seria o roteiro. O amigo
mandou que ele se preparasse porque cairiam na gandaia.
Marcelo naquela sexta-feira
assistiu o desfile das escolas de samba de São Paulo na tv comendo pipoca,
bebendo cerveja e dormiu quase de manhã. Dormiu uns quinze minutos apenas e
socaram a porta, foi atender e era Beto com bermuda, camiseta branca de bolinas
pretas, óculos escuros e chapéu numa animação de dar inveja.
Marcelo tentou argumentar que
estava cansado, mas Beto sentou no sofá e deu dez minutos para que o amigo se
arrumasse e fosse com ele ao Cordão do Bola Preta.
O Cordão do Bola Preta é o mais
antigo bloco de
carnaval do Rio de Janeiro fundado em 1918. Em 2011,
segundo dados da PM, tornou-se o maior bloco carnavalesco do mundo ao arrastar
cerca 2,3 milhões de pessoas pelas ruas do centro da cidade. Superando assim o
não menos famoso Galo da
Madrugada, que desfila na cidade de Recife.
O Bola Preta sai tradicionalmente
todo sábado de
carnaval na Avenida Rio Branco no centro do Rio de
Janeiro. O desfile começa por volta das 9h da manhã e vai até as
14h. O Bloco também sai na sexta-feira imediatamente anterior à abertura do
carnaval, no mesmo local.
Suas cores são o branco
e o preto, e o uniforme oficial é qualquer roupa branca com bolinhas pretas.
Muita gente vai fantasiada e até monta alas.
O Bloco possui uma
marchinha muito conhecida, a Marcha do Cordão da Bola
Preta, composta por Vicente Paiva,
conhecido músico brasileiro, que faleceu em 1964. É considerado o hino
da agremiação e mundialmente conhecido. Os desfiles do bloco são abertos com
esta marchinha e encerrados com a não menos famosa música Cidade Maravilhosa.
Marcelo se
deslumbrou com aquele ambiente cheio de pessoas bonitas e felizes. Beto foi
logo dando tequila ao amigo que depois de três doses já se encontrava bem
“alegre”. Naquele momento, sambando e pulando a alegria de estar no carnaval do
Rio de Janeiro que ele notou a morena vestida de chapeuzinho vermelho.
Com a coragem de
quem já enchera a cara Marcelo chegou na menina e perguntou quantas caras já
haviam chegado nela dizendo que queriam ser o lobo mau. Ela respondeu que uns
doze. Marcelo sorriu e disse “que bom” porque detestava ser original. A menina
sorriu e se apresentou como Gracinha.
Marcelo emendou que
muitos também já deveriam ter dito que ela fazia jus ao nome. Gracinha sorriu
de novo e disse que gostara dele. A coisa estava boa para Marcelo.
Ficaram
conversando, pulando e se divertindo juntos. Nem sabia mais aonde estava Beto e
nem queria saber, só curtir aquela “gracinha” que conhecera.
Jogavam confete e
serpentina um no outro, spray com espuma e Gracinha tentou ensinar Marcelo a
sambar, até que tocou “máscara negra”. Foi o momento que Marcelo tomou coragem
e beijou Gracinha.
De lá foram para a
Banda de Ipanema, outro grande point do carnaval carioca e depois assistiram o
pôr do Sol no Arpoador.
Marcelo tentava
descobrir mais sobre a menina, mal conhecera e estava completamente apaixonado.
Gracinha desconversava e respondia para que
eles curtissem o carnaval e só pensassem nisso quando ele acabasse. Ele aceitou
o argumento e a moça perguntou se ele já desfilara em alguma escola de samba.
Marcelo respondeu
que não então Gracinha pegou o celular e ligou para um amigo diretor da União
da Ilha perguntando se tinha como arrumar fantasia para o desfile. Ela desligou
e pegou a mão de Marcelo mandando que lhe acompanhasse. Ele perguntou para onde
e ela respondeu “Cidade do samba”.
Chegando lá Marcelo
ficou deslumbrado com aqueles barracões todos que fabricavam sonhos e com as
manobras cuidadosas e tensas dos carros em direção a Marquês de Sapucaí, local
dos desfiles.
Gracinha apresentou
Marcelo ao diretor que lhes apresentou a uma chefe de ala que contou que tinha
duas fantasias sobrando. Mostrou a eles que gostaram e pegaram as fantasias
para desfilar no dia seguinte.
Marcelo que nunca
passara carnaval fora da Bauru agora estava no domingo de carnaval numa
concentração de escola de samba na Sapucaí para desfilar na União da Ilha.
Desfilou ao lado de sua amada em oitenta minutos que nunca mais sairiam de sua
mente.
No dia seguinte se
encontraram em blocos e na terça também. O carnaval chegava ao fim e Marcelo se
preocupava com o futuro deles, Gracinha mandou que não se preocupasse e pediu o
número do celular do rapaz que passou. Marcelo também pediu o dela, mas
Gracinha respondeu que estava sem telefone. Mas que ligaria para ele.
Marcelo perguntou quando veria
a amada de novo e Gracinha lembrou que o Monobloco saía pelas ruas do centro da
cidade no domingo e pediu que ele fosse para lá, que ligaria e eles se
encontrariam.
Marcelo aceitou e Gracinha lhe
deu um beijo apaixonado partindo e deixando seu amado com uma dor no peito e sensação
de perda.
Sensação que se confirmou
domingo quando Marcelo foi com Beto no Monobloco e enquanto Beto se divertia o
rapaz não parava de olhar o celular esperando que Gracinha ligasse. A moça não
apareceu, nem ligou.
Também não ligou na semana
seguinte, nem na outra, nem na outra..não ligou nenhuma vez.
Marcelo deprimiu. Não conseguia
mais comer, dormir. Passava o tempo todo olhando o celular na esperança de
receber uma ligação de Gracinha. Faltava as aulas e quando ia se encontrava
disperso,vagava pela cidade em busca de Gracinha e até na Cidade do Samba foi
para ver se alguém sabia dela, mas o barracão da Ilha estava fechado.
Os amigos começavam a se
preocupar, principalmente Beto que era seu melhor amigo. Um dia Beto foi até a
casa de Marcelo insistir para que o amigo saísse com ele, Marcelo relutou, não
queria sair de casa, mas Beto insistiu tanto que não teve outro jeito. Perguntou
aonde iriam e Beto respondeu que comprar presente de aniversário de um primo
seu.
Marcelo não entendeu quando
Beto o conduziu para dentro de um sex shop. Beto respondeu que compraria um
presente de gozação para o primo. Enquanto Beto escolhia um consolo para o
primo Marcelo olhava a tudo na loja e achava bizarro. Viu umas bonecas
infláveis e perguntou a Beto se alguém conseguia ter tesão naquilo.
Até que se assustou na frente
de uma. Marcelo olhou fixamente a uma das bonecas infláveis e se espantou
dizendo baixinho “Gracinha..”
A boneca era a cara de
Gracinha.
Marcelo se perturbou com a
boneca e a incrível semelhança com Gracinha. Beto perguntou se estava tudo bem
e Marcelo respondeu que sim. Beto olhou a boneca e rindo disse “é muito feia”
chamando o amigo para ir embora.
Marcelo foi para casa e mais
uma vez não conseguiu dormir, mas agora o motivo era diferente. Ele não
conseguia esquecer a boneca e a incrível semelhança com seu amor. Quando
conseguia cochilar sonhava com Gracinha e com a boneca.
Logo cedo na manhã seguinte
Marcelo voltou ao prédio que ficava o sex shop e da vitrine ficou olhando a
boneca. A atendente perguntou se ele queria alguma coisa e Marcelo respondeu
que não.
Fez isso várias vezes durante
dias até que tomou coragem de entrar na loja. Chegou perto da boneca se
impressionando cada vez mais com a semelhança e quando atendente chegou perto
pegou um dvd pornô e disse que iria levar.
A fixação de Marcelo com a
boneca aumentava cada vez mais. Durante meses voltava quase todos os dias a
loja para olhar a boneca e arrumava alguma coisa para comprar. Comprou algemas,
cremes, joguinhos eróticos, óleos, dvds, tudo desculpa para ficar próximo a
boneca.
Um dia se assustou ao chegar e
ver um homem manuseando a boneca e lhe pegando para comprar. O homem levou ao
balcão, perguntou quanto era, a atendente respondeu e ele disse que iria levar.
Marcelo gritou “espera” e
ofereceu o triplo de dinheiro pela boneca. O homem se assustou e Marcelo pediu
desculpas contando que era coisa pessoal.
Levou em um caixote, sentou na
sala e encheu a boneca. Colocou em uma cadeira e ficou horas
olhando para ela.
Em determinado momento
levantou, pegou a boneca e começou a beijar, acariciar como se quisesse fazer
sexo e abaixou a calça. Naquele momento Marcelo caiu em si e gritou.
Foi até a cozinha, pegou uma
faca e rasgou a boneca pelo braço esquerdo. Ela esvaziou de forma acelerada.
Marcelo pegou o resto da boneca, levou até o Arpoador e jogou nas águas.
O carnaval chegou. Muito
rapidamente passou um ano do carnaval que Marcelo conheceu Gracinha e o rapaz
foi até o Bola Preta com Beto na esperança de encontrar Gracinha. Nada, foi até
a Banda de Ipanema e nada também.
Desolado foi sozinho até o
Arpoador e ficou sentado nas pedras lembrando Gracinha e finalmente chegando a
conclusão que nunca mais veria a moça.
Até que olhando o mar notou uma
pessoa nadando nele em direção as pedras. Achou estranha aquela cena e a pessoa
chegando mais próxima notou que era uma mulher.
A mulher saiu das águas e
escalou as pedras até o local que ele estava. Ela chegando próxima Marcelo
tomou um susto, era Gracinha!!
A moça sorriu para ele. Marcelo
reparou que Gracinha tinha uma enorme cicatriz no braço esquerdo. Lembrou-se da
boneca e gaguejou, não conseguia falar nada. Gracinha colocou o dedo na boca do
rapaz como para que ele não falasse nada e disse “vou beijar-te agora, não me
leve a mal, hoje é carnaval” dando um beijo apaixonado em Marcelo.
Amor não tem que ser entendido
tem que ser vivido em sua plenitude.
Quanto riso, quanta alegria.
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