UNIDOS DA TIJUCA EM CINCO CARNAVAIS


Dando prosseguimento a série “cinco carnavais” mostrarei hoje uma das mais tradicionais do Rio de Janeiro, que teve ao longo de sua história que se reinventar várias vezes e hoje é sinônimo de modernidade e surpresa. Falo da Unidos da Tijuca.
Fundada em 31 de dezembro de 1931 é uma das escolas mais antigas em atividade. A agremiação surgiu da fusão de vários blocos do Morro do Borel (Comunidades da Casa Branca, Formiga e Ilha dos Velhacos) em um sub-bairro da Tijuca chamado Usina. Mas do Borel sai a maior parte de seus componentes.
A escola amarelo ouro e azul pavão não demorou muito para ser campeã conquistando o título logo em 1936. Mas encarou um grande jejum de mais de setenta anos. Sofreu entre 1960 e 1980 desfilando fora do grupo principal, conseguiu voltar e teve um rebaixamento polêmico em 1998, para muitos resultado de vingança clubística e contra Eurico Miranda, presidente do Vasco da Gama.
Mas o rebaixamento teve seu lado bom. A escola se reinventou em 1999 em um desfile épico. Voltou com bons desfiles, sambas de qualidade preparando terreno para sua mudança mais radical em 2004.
Além de 1936 a Unidos da Tijuca foi campeã em 2010, 2012 e hoje é uma das mais fortes escolas de samba do Rio de Janeiro.
Unidos da Tijuca de Leandro Chagas, João de Almeida, Pacífico Vasconcellos e Tatão. De Gustavo da Costa Diamante, Laíla, Renato Lage e Sobrinho. De Oswaldo Jardim, Nego, Adalto Magalha, Serginho do Porto, Vicente das Neves, Carlinhos Melodia, Rono Maia e David do Pandeiro. De Milton Cunha, Lucinha Nobre, Rogerinho, Priscila Mota, Rodrigo Neri e Fábia Borges. De Bruno Ribas, Mestre Casagrande, Mestre Celinho, Giovanna, Marquinhos, Ricardo Fernandes, Julio Alves e Totonho.
Unidos da Tijuca de Fernando Horta. De Paulo Barros.
Unidos da Tijuca de “Sonhos delirantes” 1936, “No mundo encantado dos deuses afro brasileiros” 1976, “Macobeba: O que dá pra rir, dá pra chorar” 1981, “Lima Barreto, mulato, pobre, mas livre” 1982, “Brasil: Devagar com o andor que o santo é de barro” 1983, “cama, mesa e banho de gato” 1986, “E o Borel descobriu, navegar foi preciso” 1990, “Guanabaram. O seio do mar” 1992, “De Gama a Vasco, a epopéia da Tijuca” 1998, “Tijuca, com Nelson Rodrigues, pelo buraco da fechadura” 2001, “O Sol brilha eternamente sobre o mundo da língua Portuguesa” 2002, “Entrou por um lado, saiu pelo outro..Quem quiser que invente outro” 2005, “Essa noite levarei a sua alma” 2011, “O dia que toda realeza desembarcou na avenida para coroar o rei Luiz do Sertão” 2012.
Como sempre digo não são os cinco melhores sambas da história da Tijuca. Não são os cinco melhores desfiles. São os cinco carnavais que tenho mais afeto, mais me identifico e me moldaram como sambista e compositor.
Vamos a eles.

DELMIRO GOUVEIA 1980     



Samba de Adalto Magalha, Adriano, Clomar e Ronaldo.
A Unidos da Tijuca passou 20 anos fora do grupo principal de desfiles. Para uma escola que era uma das mais antigas de nosso carnaval e uma das primeiras campeãs isso era um martírio. O carnaval de 1980 encerrou essa situação e foi histórico por vários motivos. Além, é claro, de marcar a volta ao grupo 1A marcava a estréia de nomes que se tornaram importantes não só pra agremiação como para o carnaval carioca.
Era a estréia do cantor Sobrinho que além de por muitos anos ser o segundo de Jamelão na Mangueira é a voz oficial de alguns dos mais belos sambas tijucanos. Dono de um timbre diferente e cantar bonito Sobrinho fez história no nosso carnaval. Além dele temos dois pesos pesados dos desfiles atuais na ficha técnica.
Como diretor de harmonia Laíla. Sim, o mesmo que já foi de tudo um pouco no carnaval, oriundo do Salgueiro e hoje o principal comando de desfile da Beija-Flor sendo líder de uma comissão de carnaval vitoriosa e Renato Lage como carnavalesco. Renato hoje é considerado um dos maiores carnavalescos de todos os tempos tendo passagens vitoriosas por Mocidade e Salgueiro.
Esses nomes se uniram para fazer o enredo sobre Delmiro Gouveia.
Delmiro foi um dos pioneiros da industrialização do país, do aproveitamento de seu potencial hidroelétrico e construiu a segunda usina desse tipo do Brasil.
O samba é relativamente pequeno para os padrões atuais e mostra um formato diferente dos sambas-enredo de hoje para falar de personalidades. Em vez de se aprofundar contando detalhes do homenageado conta de forma sutil, em pinceladas sobre sua vida dando a entender perfeitamente quem ele é sem precisar ler as sinopses.
Uma coisa que tem nesse samba e particularmente me amarro é a palavra “vulto” para descrever uma figura histórica. Palavra que caiu em desuso nos sambas atuais.
Um belo samba que merece sempre ser relembrado.

O DONO DA TERRA 1999



Samba de Vicente das Neves, Carlinhos Melodia, Haroldo Pereira, Rono Maia e Alexandre.
Foi um marco. Um ano de mudanças na Unidos da Tijuca que se refletem até hoje. No ano anterior a escola ousara e decidira homenagear o clube de futebol Vasco da Gama na ocasião de seu centenário contando a história desde o navegador Vasco da Gama até chegar ao clube.
A Tijuca depois de doze anos foi rebaixada para o acesso. Apesar de não vir com bons desfiles no período exatamente em 1998 não merecia. Muito provavelmente com os jurados influenciados pelo enredo a escola do Borel deixava o grupo de elite.
Mas não deixou por muito tempo. Logo no ano de 1999 fez um grande desfile. Um dos maiores desfiles da história dos grupos de acesso que se estivesse no grupo especial provavelmente faria a agremiação voltar no desfile das campeãs.
O enredo era sobre uma lenda tendo o índio, no papel de filho da terra, lhe apresentando. Como eu já disse enredos afros e lendas são os sonhos de todo compositor já que as históricas são tão ricas que basta que eles não atrapalhem pra sair um grande samba.
E um grande, enorme, gigantesco samba saiu desse enredo. Um samba que apresentou a muitos, inclusive a mim, o grupo de acesso. O romântico samba com refrão melodioso, bonito, sem as obrigações explosivas de hoje em dia fez história.   
Um fato curioso aconteceu em 1999. Foi a última vez que uma escola do acesso participou do desfile das campeãs. A Tijuca desfilou e um dos compositores do samba entrou na justiça para receber dinheiro relativo a esse desfile. A LIESA não gostou argumentando que a festa era dela e as escolas do acesso eram apenas convidadas e nunca mais chamou a campeã do grupo.      
Uma pena porque muitas vezes a campeã do acesso teve mais a oferecer ao público que uma do especial que ficou em posição mediana e voltou no sábado das campeãs.
Mas pudemos ver duas vezes a pedra preciosa que foi aquele desfile tijucano.

AGUDÁS: OS QUE LEVARAM A ÁFRICA NO CORAÇÃO E TROUXERAM PARA O CORAÇÃO DA ÁFRICA, O BRASIL 2003


Samba de Rono Maia, Jorge Melodia e Alexandre Alegria.
 Depois do rebaixamento em 1998 a Tijuca resolveu criar enredos com forte teor cultural. Isso foi ajudado ainda mais com a chegada de Milton Cunha no ano de 2002 já que Milton sempre foi um especialista nesse tipo de enredo. No ano de sua chegada já fez um bonito sobre a língua portuguesa e para 2003 veio com enredo afro.
É como eu digo, não tem como errar com tema afro e os compositores da Tijuca mais uma vez ratificaram o que digo criando o samba do ano. O mais cantado no pré-carnaval, em ensaios de todas as escolas de samba, em bailes, pelas ruas. A melodia é cativante, bonita e a letra poderosa, parecendo de guerra com todas aquelas palavras difíceis de aprender da linguagem afro, mas ricas e que dão toda uma força especial a esse tipo de samba.
Ficou a expectativa para assistir na avenida. Considerado o melhor do século que se começava e com potencial para entrar pra história. O samba realmente ficou marcante, mas não apenas pelo motivo esperado.
Até hoje não se sabe qual foi o real motivo do problema, mas a impressão que se deu é que o samba não foi puxado no tom certo. Não se sabe se foi por conta do canto ou das cordas, mas acabou por isso não rendendo o esperado infelizmente. Mas “Agudás” não deixou de ser um grande samba por isso, nem de ser um dos grandes desse século, mas ficou a impressão que poderia ser mais.
Acabou sendo o marco também para mais uma reviravolta da Tijuca que se especializara ao longo dos anos como a escola de grandes enredos, bons sambas, mas colocações sofríveis. Isso iria mudar e já no ano seguinte.
Como? Abaixo eu conto.      

O SONHO DA CRIAÇÃO, A CRIAÇÃO DO SONHO. A ARTE DA CIÊNCIA NO TEMPO DO IMPOSSÍVEL 2004



Samba de Jurandir, Wanderley, Sereno e Enilson.
Aí veio a transformação da Unidos da Tijuca. Aí veio mais uma reinvenção, a reinvenção definitiva.
A equipe de carnaval foi mudada. O cantor Wantuir foi contratado para o lugar de Nego e o estilo de enredos e sambas também foi modificado. Os enredos com forte apelo cultural foram substituídos por enredos que mais na verdade eram temas. Uma idéia que surge e a partir dessa idéia ocorre um desenvolvimento, uma execução. Os sambas deixaram de ser o mais importante e passaram a servir ao enredo. Ao que a escola que passar na avenida. A Tijuca se modernizou, o visual passou a ser mais importante e tudo isso ocorreu devido a um nome que apareceu na escola.
Paulo Barros.
Paulo Barros era considerado o carnavalesco revelação. Vinha de bons trabalhos no Paraíso do Tuiuti como no ano que homenageou Cândido Portinari e usou soluções criativas como latas de tintas para fazer carros alegóricos.
Paulo foi alçado ao grupo especial e logo no primeiro ano surpreendeu o mundo do carnaval. Assombrou desenvolvendo o tema aparentemente abstrato sobre sonhos e a ciência usada para alcançá-los. Sonhos que o homem acumulou ao longo de sua história e usou soluções nunca vistas antes e que entraram para a história do carnaval como as “alegorias vivas”.
O carro do DNA, com pessoas realizando coreografias e nisso mostrando o desenvolvimento do carro, entrou para a história tal como o “Cristo Mendigo” guardadas as devidas proporções. Virou um símbolo do carnaval atual onde o visual, aquilo que é mostrado em alegorias e fantasias suplanta em importância o auditivo que sempre foi o predominante.
A Tijuca nunca mais foi a mesma. O carnaval nunca mais foi o mesmo.

É SEGREDO! 2010 



Samba de Julio Alves, Marcelo e Totonho.
Como eu disse a Tijuca nunca mais foi a mesma de 2004 pra cá. A escola virou habitante freqüente do pódio carnavalesco. Chegou novamente ao vice campeonato em 2005  podendo perfeitamente ser campeã nos dois anos de vice e em 2006 acabou em sexto, mas poderia também ser campeã. Mas foi na reta final de apuração alijada da disputa por boçalidade de jurados como o de harmonia que tirou ponto por cacófato em letra, coisa que nada tem a ver com seu dever de julgador.  
Paulo Barros e Tijuca se separaram por um tempo com o carnavalesco partindo para a Unidos do Viradouro e depois Vila Isabel, mas um nasceu para o outro. Podemos dizer que a relação nesse século de Paulo Barros com a Unidos da Tijuca se assemelha com a relação Joãosinho Trinta e Beija-Flor nos anos 70 e 80.
E essa semelhança fica mais forte quando pensamos que muita gente, principalmente os que não acompanham carnaval o ano inteiro, assistem desfiles só pra ver a escola do Paulo Barros, assim como antigamente minha avó colocava o relógio pra despertar para ver a Beija-Flor de João. Querem ver a inovação, a surpresa.
Outra semelhança é que os puristas torcem o nariz para Paulo assim como faziam para João. Mas não adianta, os dois são história do carnaval. Joãosinho Trinta e Paulo Barros fizeram Beija-Flor e Unidos da Tijuca. Beija-Flor e Unidos da Tijuca fizeram Joãosinho Trinta e Paulo Barros.
Isso nunca foi tão forte, tão latente quanto em 2010. O ano da volta de Paulo Barros a Tijuca. O carnavalesco vinha de momentos de baixa e a Tijuca não fizera um bom carnaval em 2009. Um precisava do outro e o casamento precisava ser refeito.
Casamento refeito em segredo. Segredo que era desvendado a cada passo da escola na avenida. Segredos que viraram impacto logo na comissão de frente.
A comissão de frente, queiram os puristas ou não, mais famosa da história do carnaval, a mais impactante. Dizem que o efeito de magia já era feito em casas de espetáculos americanas, mas pela primeira vez foi feita na Marquês de Sapucaí. Pessoas trocavam de roupa por passe de mágica, na frente de todo mundo e ninguém conseguia entender como. Todos viramos crianças na frente de um mágico tentando decifrar seus segredos sem conseguir.
Sabem aquela sensação que temos ao ver uma escola na avenida e logo falar “é a campeã”? É..Eu já tive essa sensação algumas vezes, tive nesse desfie da Tijuca e no exato momento dividi essa sensação em redes sociais dizendo que era a campeã. Falaram que eu estava exagerando, era apenas a terceira escola a desfilar e tinha muita coisa pela frente. Não deu outra.
Pela primeira vez na história do samba uma escola ganhou carnaval por causa de sua comissão de frente. Ela ficou pra Tijuca como o refrão do Ita ficou para o Salgueiro. Quando uma escola é campeã não precisamos ver as outras pra saber. Ela nos mostra isso.
Sem nenhum segredo a Tijuca foi consagrada campeã e acabou com o jejum.   

Bem..Estão aí os cinco carnavais da Unidos da Tijuca. A forte escola do Borel que entre sua tradição e modernidade constrói uma história de títulos e grandes carnavais.
Semana que vem vamos atravessar a poça. Olha a Viradouro chegando..  

FONTES:
GALERIA DO SAMBA

http://www.galeriadosamba.com.br/V41/

WIKIPEDIA


MOCIDADE


BEIJA-FLOR


IMPERATRIZ


VILA ISABEL




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