MINHA VIDA, MINHA ESCOLA, MEU AMOR
*Conto publicado no blog Ouro de Tolo em 30/3/2013
“Que
vaca!!”.
Foi meu
pensamento logo que acabei de ouvir a história. Meu pai riu e continuei
“detonando” a Alice e aproveitando pra falar de todas as mulheres. Evidente que
pensava em Bia quando falava mal.
Perguntei
o que tinha ocorrido com Benito depois e Manolo mandou que eu perguntasse para
o próprio. Lá do alto o dono do bar viu Benito sentado com Tobias rindo e
bebendo cerveja embaixo.
Sem jeito
desci e me apresentei aos dois que me convidaram a sentar. Meu pai, conhecido
por todos os sambistas, recebeu toda a honraria da dupla e nos sentamos.
Eu fiquei
sem jeito pra entrar no assunto, mas Manolo, que fez questão de nos servir
pessoalmente, comentou com os amigos que contara uma história deles para que eu
colocasse em um livro sobre carnaval.
Curioso
Benito perguntou que história era e totalmente sem jeito falei “Alice”.
Benito e Tobias
riram e eu nada entendi. Benito disse “que vaca!!”, Tobias emendou com “muito
vaca” e eles encheram seus copos e brindaram “Um brinde a vaca!!”.
Sem
entender perguntei o que tinha ocorrido depois do desfile.
Tobias
encheu o copo novamente e disse que uma noite ela virou para ele e disse que
iria embora, pois se apaixonara por outro homem.
Rindo
Benito pediu que ele contasse o pior e Tobias emendou “chefia, ela teve coragem
de dizer na minha cara que era torcedora da Grande Rio!!”.
Benito
bebeu um gole e disse “Traição a gente perdoa, mas torcer pra Grande Rio é
inadmissível, escola na Baixada só tem uma, a Beija-Flor!!”. Benito falou isso
e brindaram novamente, dessa vez em homenagem a Beija-Flor.
Eu
estupefato em ver como estavam bem perguntei como ficou a vida deles depois de
tudo. Tobias comentou que continuava saindo com todas as cabrochas bonitas e
Benito casara e estava com quatro filhos. Comentei “que bom” e Benito pra
comemorar ter seu nome em um livro pediu que Almeidinha trouxesse um
tira-gosto.
Ficamos
lá bebendo e conversando quando um rapaz se aproximou. Benito pediu que ele se
juntasse ao grupo e me apresentou como Carlinhos, compositor da União da Ilha.
Apertei
sua mão e disse que era um prazer conhecê-lo, pois a União da Ilha era minha
escola do coração. Carlinhos se disse feliz com minha revelação e se sentou.
Meu pai
perguntou ao rapaz se ele não tinha nenhuma história para o livro e ele pensou.
Almeidinha enquanto nos servia perguntou “E a história daquela moça do Pará?”.
Os olhos de Carlinhos brilharam e ele comentou
“A Rose”, perguntei
quem era e se a história era interessante. Almeidinha retrucou que era muito
interessante e pediu que ele contasse.
A
história ocorreu no carnaval do ano passado.
Rose era
uma menina do interior do Pará apaixonada por carnaval. Não conhecia ninguém do
mundo do samba, ninguém de sua família era atraído por desfiles de escolas de
samba, nem de sua relação de amigos então ninguém sabia o porque dessa menina
gostar tanto de escola de samba.
E era
louca, apaixonada por uma em especial. A União da Ilha do Governador.
O que
deixava tudo mais curioso. A União da Ilha é uma escola querida, de sambas
populares, mas não era uma das escolas que sempre disputava títulos, o normal
era que torcesse por uma Beija-Flor, Salgueiro ou Mangueira. Mas não, ela era
União da Ilha do tipo que ficava acordada de madrugada assistindo aos desfiles sozinha
pela tv se emocionando e chorando com a escola.
Aprendia
os sambas, sabia de cor todos os mais populares desde “Domingo” passando por
“Bom, bonito e barato”, “É hoje”, “O amanhã”, “festa Profana”..
..E
sonhava com o dia que conheceria o Rio de Janeiro e iria até a União da Ilha.
Faltando
poucos meses para o carnaval Rose decidiu que daquele ano não passava, iria
conhecer a União da Ilha. Juntou dinheiro durante esse período e sem contar a
ninguém saiu de sua pequena cidade em direção a Belém.
De Belém
telefonou para a família dizendo para não se preocuparem porque iria ao Rio de
Janeiro conhecer sua paixão. A família em desespero pedia que ela voltasse e
Rose apenas disse “a benção” e foi embora.
Depois de
muito viajar chegou no Rio de Janeiro. Desceu na rodoviária Novo Rio e viu
aquela multidão passando pra lá e pra cá e se extasiou se sentindo a pessoa
mais feliz do mundo. Andou até o lado de fora da rodoviária com a pequena mala e
um taxista percebeu que era turista.
O homem se
aproximou e disse “turista? Te levo para Copacabana, Ipanema, conhecer o
Cristo, é baratinho”. Rose olhando o céu e a noite estrelada respondeu que não
queria nada disso, queria conhecer a União da Ilha.
O homem
ainda tentou argumentar “União da Ilha? Se quiser te levo no Salgueiro, é
baratinha a corrida pra lá”. Ela reafirmou que não, queria a União da Ilha.
O taxista
comentou que levava e seria barato. Rose aceitou e entrou no carro. Cruzaram a
linha vermelha e Rose olhava a paisagem imaginando a quadra, as passistas, os
cantores, a bateria.. Chegaram na porta da quadra e ela estava fechada.
Rose não
entendeu e o taxista respondeu “ta tarde né minha filha? Hoje não é dia de
ensaio, ta todo mundo descansando”. Ela desceu e o homem cobrou a corrida que
de barata tinha nada.
Rose não
calculara direito o preço das coisas no Rio e só naquela corrida de táxi boa
parte de seu dinheiro foi embora. Vendo a rua deserta, a quadra fechada decidiu
ficar por lá mesmo. Colocou a mala em
um canto, a cabeça em cima e dormiu ali no lado do busto de Aroldo Melodia.
De dia
não perceberam a presença da moça, abriram a porta e começaram a movimentação
na quadra como se nada de diferente ocorresse. A movimentação era grande com
ritmistas ensaiando, pessoas indo pegar suas fantasias, alas dando os últimos
retoques em suas coreografias e em uma parte dos camarotes mulheres se
apressavam pra terminar as últimas fantasias.
Rose
entrou na quadra e seus olhos brilharam. Era um sonho que acontecia. Viajara
muito, imaginara durante anos aquele momento. A quadra era bem maior do que ela
imaginava e seu coração acelerou quando via aquelas pessoas andando apressadas
de um lado para outro. Uma lágrima correu por sua face, mas era de felicidade.
No
camarote das baianas Jurema, nervosa, mandava as outras mulheres se apressarem
senão não daria tempo pra tudo ficar pronto para o desfile. Perguntou por uma
que não vira e outra baiana respondeu que não chegara. Jurema se irritou e
gritou “como querem ganhar carnaval se atrasando? Com uma a menos que a gente
não consegue mesmo!!”.
Olhou
para o lado e viu Rose deslumbrada no meio da quadra olhando a tudo e gritou
“Hei menina!!”. Rose olhou e perguntou “é comigo?” e Jurema retrucou “é sim
menina, venha cá”.
Nervosa
Rose se aproximou achando que tomaria bronca por ter entrado na quadra e Jurema
perguntou “sabe costurar?” Rose respondeu que sabia, sempre costurava as roupas
de seus irmãos então Jurema completou “entre aqui, venha nos ajudar”.
Rose não
acreditava no que ocorria com ela. Não só conseguira entrar na quadra da União
da Ilha como estava com as míticas baianas da agremiação ajudando a acabar suas
fantasias. Ficou ali feliz, emocionada o dia inteiro ajudando com afinco.
De noite
Jurema disse que por aquele dia estava bom e na manhã seguinte continuariam. Perguntou
pra Rose se ela poderia e a moça com brilho nos olhos respondeu “claro”. Na
porta da quadra todas se despediram e cada uma foi pra um canto. Rose se sentou
com a mala no colo e Jurema perguntou se ela não iria pra casa.
Rose
respondeu que morava no interior do Pará e tinha vindo ao Rio só pra conhecer a
União da Ilha e não tinha pra onde ir. Jurema se espantou com aquela história e
perguntou se a moça tinha comido algo durante o dia, ela respondeu que não e
Jurema completou “Menina doida..Venha comigo”.
Levou
Rose até sua casa no Tauá, bairro da Ilha do Governador e disse para a família
que a moça jantaria com eles. Quem se empolgou foi Carlinhos, filho da baiana e
compositor da escola que cedeu seu lugar para ela.
Parecia
que a menina não comia há dias devorando a comida rapidamente. No fim agradeceu
a todos, especial a Jurema e se dirigiu à porta da casa. Jurema perguntou
“pensa que vai aonde?”.
Rose
respondeu que ia embora, Jurema contou que era mãe e não iria gostar que filha
sua ficasse em cidade estranha sozinha, disse para Rose dormir no quarto de
Carlinhos que ele dormiria no sofá da sala.
E os dias
foram passando com Rose ajudando Jurema a fazer as fantasias e Carlinhos cada
vez mais apaixonado. Chegou o dia do ensaio geral, o último antes do desfile e
Carlinhos perguntou se Rose queria ir. A moça se empolgou e perguntou se podia,
Carlinhos respondeu “claro”.
E assim
Rose conheceu o ensaio da União da Ilha. Quadra lotada com o povão da Ilha do
Governador, de outros bairros, pessoas anônimas, personalidades e a bateria 40
graus fazendo a menina chorar.
Carlinhos
limpou suas lágrimas e de nada adiantou porque logo depois ela ouviu os versos
“azul, vermelho e branco, são as cores da minha escola querida..”. Rose chorou
como criança gritando que era a pessoa mais feliz do mundo e cantando o samba
junto com os intérpretes.
Carlinhos
via a tudo e se comovia. Ele praticamente nascera dentro da União da Ilha,
estava sempre lá e não tinha dimensão do alcance e repercussão da escola. Que
pudesse ter gente de fora da cidade, morando tão longe apaixonada dessa forma pela
agremiação. Mal ele sabia que existem muitas “Roses” espalhadas por esse país.
No dia do
desfile Rose encantada via toda movimentação na casa de Jurema, as pessoas
pegando os sacos pretos com fantasias pra levar pra avenida e desejou boa
sorte. Jurema pegou uma camisa e jogou para Rose que perguntou o que era. A
baiana respondeu “camisa pra ajudar a empurrar carro, foi o que deu pra
arrumar, quer?”.
Rose nada
respondeu. Apenas começou a pular de felicidade e abraçar Jurema.
Na
concentração Rose radiante de alegria estava ao lado do carro alegórico
enquanto os destaques eram colocados em suas posições. Um deles, já bêbado,
subiu no carvalhão para ser colocado e ao chegar perto se recusou dizendo que
era alto demais e tinha medo.
Uma
discussão se iniciou e o diretor geral de harmonia foi chamado para convencer o
homem a subir no carro. O desfilante se recusou e o diretor enfurecido gritou
“tirem essa bicha daí”.
Desceram
com o desfilante, o diretor olhou para Rose e perguntou “tem medo de altura?”.
Rose respondeu que não então o homem completou para um harmonia “me dêem a
fantasia do cara, a menina vai desfilar no lugar dele”.
E dessa
forma o conto de fadas de Rose estava completo. A menina humilde que saiu do
interior do Pará com sonho de desfilar na União da Ilha estava no alto do carro
alegórico da escola vendo a Sapucaí cantar e sambar com a agremiação. Rose se
sentia em transe, como em um sonho que não quisesse mais acordar.
No fim do
desfile abraçou chorando Jurema e Carlinhos e contou que nunca esqueceria o que
fizeram por ela. Jurema comentou que ela era uma boa menina e merecia aquele
momento.
No dia
seguinte Carlinhos e Jurema foram até a rodoviária se despedir de Rose que
voltava para casa. Da janela ela acenava agarrada a uma camisa da União e
Carlinhos perguntou se voltaria.
O ônibus
partiu e enquanto andava ela gritou.
“Se um
dia eu deixar de desfilar pela União da Ilha vou chorar!!”
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