TEU CENÁRIO É UMA BELEZA
*Conto da coluna enredo do meu samba publicado no blog Ouro de Tolo em 26/1/2013
Subi com
Manolo e o segundo andar era um ambiente charmoso com inúmeros quadros de
pessoas importantes para o samba. Meu pai, seu Jair, é um apaixonado por
escolas de samba, diretor de harmonia de várias escolas e tentou passar esse
amor para mim.
Não
conseguiu muito. Sim, via desfiles na minha infância e até desfilei algumas
vezes, mas não me tornei um apaixonado. Só que confesso que entrar naquele
lugar mexeu comigo.
Além do bar
ser mítico e saber que meu pai fora frequentador conhecia muitos dos rostos ali
fotografados. Muitas fotos em preto e branco desgastadas pelo tempo, mas
fantásticas e com uma grande história por trás.
O segundo
andar era mais tranqüilo, toda a movimentação estava embaixo e Manolo perguntou
se eu bebia alguma coisa. Sentei em uma cadeira e respondi que o tempo “pedia
uma gelada”. Manolo sorrindo pegou a bebida e sentou a minha frente. A cerveja
suava de tão gelada e ele então serviu meu copo dizendo que era aquilo que
fizera a vida inteira e era só o que sabia fazer.
Bebi a
cerveja e perguntei se na Espanha ele já trabalhava como garçom. Manolo sorriu
e respondeu que não era espanhol, nascera em Cavalcanti.
Ri e
perguntei como era aquela história. Manolo sorrindo olhou para um dos retratos
e disse que era coisa do pai.
Levantei
e fui até o quadro. Retrato antigo com um bonito homem sentado,
uma mulher em pé ao seu lado e uma criança sentada no colo do homem. Cheio de
orgulho Manolo respondeu que a criança era ele.
Curioso
perguntei como surgira afinal aquela história de espanhol. Manolo as
gargalhadas pediu que eu sentasse para me contar.
Voltamos
mais de sessenta anos no tempo, aos anos dourados do Brasil e aos primórdios
dos desfiles de escolas de samba.
Um homem
bonito, atlético, com um fino bigodinho e na altura de seus trinta anos de
idade descia o morro de Mangueira bem alinhado com terno e gravata. Todos lhe
cumprimentavam, chama-se Juan.
Ou
espanhol como preferissem. Juan contava a todos que nascera em Madri e adorava
contar histórias de sua terra natal, inclusive contava que era amigo de
Braguinha e “Touradas em Madri” fora em sua homenagem.
O homem
bem alinhado pegou o bonde e foi em direção a Tijuca. Parou na frente de uma
casa e bateu palmas. Um homem abriu o portão e disse que ele estava atrasado.
Juan
entrou e na sala rolava a jogatina. Poker para ser mais preciso. Todos
cumprimentaram Juan que se sentou à mesa e foi logo bebendo um pouco de uísque.
O jogo já
era proibido no Brasil, mas aqueles homens não queriam saber. Amigo o jogo era
a vera, dinheiro alto apostado em roda com grandes figurões da cidade.
E como
Juan, um sujeito pobre morador do morro de Mangueira conseguia parar em uma
roda daquelas? O homem era malandro demais..
Conhecido
malandro da cidade Juan tinha muitos amigos e alguns deles figuras importantes
que sabiam de sua habilidade no carteado e financiavam seus jogos. Geralmente o
homem vencia e depois dividia a grana com seus financiadores.
Naquela
noite Juan bebeu uísque de um, fumou charuto de outro e enquanto olhava suas
cartas contou que estava com “aquela coceira no pé” e quando tinha a tal
coceira era porque a sorte lhe acompanhava.
E foi
assim naquela noite. Juan ganhou muito, mas muito dinheiro e saiu com uma
sacola para poder levar toda a grana. Os homens desolados sentados na mesa
olhavam o espanhol colocar o saco de dinheiro nas costas e dizer “Estamos perto
do carnaval, mas me sinto como o Papai Noel oh oh oh”.
Dessa
forma Juan saiu da casa e foi ao financiador dar sua parte. Ainda saiu com uma
boa bufunfa pelas ruas e comprou um terno novo e um sapato.
Viu um
menino na rua engraxando e fez questão de dar a primeira engraxada dos sapatos
novos e dessa forma ajudar o menino. Gritou pelo moleque e sentou para a
engraxada enquanto lia o jornal e via o movimento das ruas.
Enquanto
olhava noticiário e reclamava por uma nova derrota do Vasco da Gama Juan olhou
sobre o jornal e reparou em uma menina linda, normalista andando com uma amiga
pela calçada no outro
lado da rua.
Deu
dinheiro para o menino e levantou-se com o garoto dizendo que ainda não tinha
acabado. Aproveitou uma florista perto, comprou um buquê de flores e foi em direção
a moça.
Ela se
assustou e Juan pediu que se acalmasse, pois apenas queria lhe ofertar flores.
A amiga que acompanhava sorriu e a moça sem nada entender pegou as flores e
agradeceu. Juan tirou o chapéu, se apresentou e perguntou se podia lhes acompanhar.
A moça
ficou sem resposta e a amiga se antecipou respondendo “claro”. Dessa forma Juan
acompanhou as duas moças até a casa da que recebeu as flores contando sobre sua
vida e que era espanhol. A amiga entrou em casa e Juan segurou seu objeto de
paixão pelo braço perguntando seu nome.
Ela
respondeu se chamar Luisa e Juan perguntou se poderia lhe ver de novo. A moça
ficou reticente e entrou.
Juan
estava apaixonado.
O
malandro voltou ao morro de Mangueira e encontrou Eliomar, seu melhor amigo, na
frente de casa chupando uma laranja. Eliomar cumprimentou Juan que chegou
próximo e disse estar apaixonado.
Eliomar
nada entendeu e perguntou que história era aquela. Juan explicou toda a
situação e o amigo disse que o malandro estava louco, ninguém se apaixonava tão
rápido.
Juan
suspirou e olhando o luar contou que por ela até se endireitava
na vida.
Eliomar
riu e respondeu não acreditar. Juan comentou que por ela até arrumava um
emprego. Eliomar preocupado colocou a mão na testa do amigo, perguntou se ele
estava bem e lembrou que o carnaval se aproximava e a Mangueira contava com ele
na bateria.
Juan
lembrou-se do carnaval e disse que iria se endireitar, mas antes desfilaria na
Mangueira, pois tinha certeza que aquele ano era o da Estação Primeira. Despediu-se
do amigo indo em direção a sua casa e voltou perguntando se ele poderia
emprestar o carro.
No dia
seguinte Juan estava com o carro na frente do colégio de Luisa. A moça ao sair
do prédio tomou um susto ao ver Juan em pé encostado no carro e sorrindo.
Perguntou o que o homem queria e Juan perguntou se ela queria dar uma volta.
Luisa
relutou respondendo que precisava voltar logo para casa e Juan insistiu dizendo
que era só uma volta para lanchar. O malandro tinha um charme irresistível e
Luisa acabou aceitando.
Entrou no
carro e foram para a confeitaria Colombo. Lá Juan continuou o jogo de sedução e
em poucos minutos Luisa estava completamente encantada. Juan e Luisa partiram
para a casa da moça onde o homem iria pedir sua mão ao pai.
Entraram
na casa, Juan garboso beijou a mão de sua futura sogra e Luisa empolgada correu
para dentro de casa e assim chamar seu pai.
O homem,
Dr Migão, um conceituado empresário saiu de dentro de seus aposentos em direção
a sala e se assustou ao ver Juan perguntando
o que ele fazia ali.
Juan
engoliu em seco e perguntou como o homem passava. Luisa perguntou se eles se
conheciam e Dr Migão respondeu que sim, aquele era um jogador profissional.
Para azar
de Juan Dr Migão fazia parte da roda de poker.
Juan
ainda tentou argumentar alegando que se apaixonara por Luisa e estava disposto
a arranjar emprego, mudar de vida para casar com a moça, mas em vão. Dr Migão
não só não aceitou as promessas de Juan como pediu que fosse embora e nunca
mais procurasse sua filha.
Juan
aceitou as ordens e desolado foi embora ouvindo o choro de Luisa. O homem
parecia destruído, acabado. O outrora homem feliz e charmoso transformou-se em
um “farrapo humano” com barba por fazer, tristeza e nem mais sorte no jogo
tinha. Na última roda voltou para casa apenas de cueca.
Mas tinha
compromisso com sua outra paixão, a Estação Primeira de Mangueira e ao lado de
Eliomar foi para avenida tocar caixa na bateria da escola.
Mas
diferente de outros carnavais Juan estava triste, nem mesmo todo o amor que
sentia pela escola de samba conseguia aplacar esse sofrimento.
Ao fim do
desfile enquanto todos voltaram para o morro Juan decidiu andar pelo centro da
cidade. Via as pessoas comemorando o carnaval, jogando confetes, serpentinas,
mas parecia estar em um mundo paralelo.
Andava
por uma rua até que viu um grupo de homens vestidos de mulheres brincando e
cantando marchinhas. Juan passou pelo meio do grupo que cantava “Touradas em
Madri” quando recebeu um punhado de confetes no rosto e os dizeres “oi bonitão”.
Quando
Juan olhou tomou um susto. Era Dr Migão.
Com um
vestido decotado, batom, peruca ruiva e jeito afetado Dr Migão parecia ver o
capeta ao olhar Juan. Com olhar arregalado, gaguejando Dr Migão tentou se
explicar dizendo que a família fora passar o carnaval em Petrópolis quando Juan
sorrindo pôs a mão no ombro do empresário e respondeu “somos uma família meu
sogro, fique tranqüilo e pode confiar em mim que seu segredo está guardado”.
Dr Migão
mudou de idéia e não só concedeu a mão como arrumou um emprego para Juan. O
casamento foi suntuoso, na Candelária e enquanto saíam da igreja Juan comentou
“tenho um segredo para te contar”. Aflita Luisa perguntou o que era e ele respondeu.
“Eu não
sou espanhol, sou de Bangu”.
Luisa
sorriu e respondeu que estava tudo bem e também tinha um segredo para contar.
Juan feliz perguntou o que era e a moça respondeu.
“Eu Não
sou mais virgem”.
Juan
olhou assustado para uma sorridente Luisa enquanto recebiam chuva de arroz.
E foram
felizes para sempre.
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