SEQUESTRARAM MINHA SOGRA
*Conto publicado no blog Ouro de Tolo em 2/2/2013
Achei
aquela história fantástica e comecei ali a entender porque Manolo era tão
querido e carismático, de certo puxara o pai. Conversei com ele, fiz a tal
entrevista e fui para casa com o material.
No
notebook escrevi a matéria e depois fui para a sala. Abri uma cerveja e pensei
na tarde agradável que passara no bar e fiquei com pena que ele fechasse.
Pensei em quantas histórias maravilhosas aquele local escondia e com o seu fim
ninguém conheceria.
Pensando
nisso tudo decidi ligar para meu velho pai.
Tempo que
não conversava com seu Jair e fiquei mais de meia hora com ele no telefone
falando sobre samba. No fim comentei com meu pai que o “Casa de bamba” fecharia
e se tornaria uma igreja evangélica. Meu pai lamentou e perguntei se ele não
queria no dia seguinte beber uma cerveja no local.
Meses que
não via meu pai, fiquei atolado com o processo de separação, o trabalho e
decidi que era hora de fazer uma média com o coroa. Fui até a frente de sua
casa e buzinei. Rapidamente muito bem vestido meu pai surgiu.
Pedi sua
benção e brincando perguntei o porque de toda aquela elegância. Meu pai sorriu
e respondeu que o sambista por natureza é elegante. Sempre tem uma calça
branca, um sorriso no rosto e gingado nas pernas.
Fomos em
direção ao “Casa de bamba” e chegando no bar meu pai
se
emocionou e exclamou “Nossa, quanto tempo não venho aqui!!”.
Pegamos
uma mesa e fomos servidos pelo Almeidinha. Bebíamos cerveja, comíamos umas
calabresas e falávamos de samba quando o pessoal de outra mesa reconheceu meu
pai.
Vários
senhores de idade estavam na mesa e começaram a gritar “Olha o Jair da
harmonia!!” e chamaram por meu pai. Meu pai reconheceu alguns que estavam na
mesa e feliz se aproximou dos homens. Cumprimentou a todos e me chamaram pra se
juntar a eles.
O papo
estava bem animado. Perguntaram meu nome e respondi Pedro de Oliveira, um dos
homens comentou “nome pomposo, igual de Noel Rosa de Oliveira”. Outro homem
comentou que sempre achara bonito o nome Noel Rosa de Oliveira e um deles perguntou
se o conhecia.
Respondi
que sim, era o poeta da Vila e eles riram falando que não, esse era outro. Noel
Rosa de Oliveira era um renomado compositor nascido no morro do Salgueiro e
compositor de Xica da Silva. Eu em minha ignorância comentei que achava que
Xica da Silva era de Jorge Benjor e eles riram.
Um dos
homens comentou que quem passara pelo bar mais cedo fora um dos filhos do Dr
Bezerra e perguntou se meu pai conhecia o homem. Ele respondeu “claro que sim,
fui diretor de harmonia da Unidos do Saca Rolha na época do seqüestro”. Jornalista
convicto fiquei curioso com aquela história de seqüestro e perguntei do que ele
falava.
Todos na
mesa riram e meu pai decidiu me contar.
Voltamos
alguns anos no tempo e a Unidos do Saca Rolha era uma escola do grupo de acesso
capitaneada pelo Dr Bezerra, famoso bicheiro da região.
O
carnaval se aproximava e a promessa era de um grande desfile pela comunidade
“sacarolhense”. O ensaio fervia quando Dr Bezerra pediu a palavra.
“Alô meu
povão da comunidade sacarolhense!!”. A bateria fez rufar e Bezerra parou para
tal. Quando a bateria se aquietou o homem continuou.
“Podem
ter certeza que a gente viemos pra ganhar o carnaval!! Eu garanto que se alguém
tiver que ganhar o carnaval tem que ganhar da gente!!”. Outro rufar silenciou o
patrono que esperou que a bateria parasse e continuou.
“A gente
temos garra, temos dedicação..” novamente a bateria rufou e irritado Bezerra
gritou ao microfone “Para com essa porra que eu quero falar!! Próxima
manifestação da bateria vou mandar minha rapaziada enfiar a baqueta nos
senhores e os senhores sabem aonde!!”.
Um
silêncio sepulcral tomou conta da bateria enquanto Bezerra continuava
“Obrigado..Como eu tava falando a gente temos empenho, dedicação, suor e
dinheiro pra cacete!! No dia do desfile teremos trinta microondas na frente da
quadra pra enfiar o povo dentro e ir pra Sapucaí..”.
Pequinês,
o braço direito de Bezerra falou em seu ouvido “é microônibus
doutor”.
Enfurecido
Bezerra pegou o microfone e disse “Stallone, enfia a baqueta!!”.
Dessa
forma Stallone, o chefe da segurança de Bezerra levou o pobre Pequinês que
gritava em desespero para o lado de fora da quadra enquanto Bezerra novamente
falava ao microfone “Então a parada é a seguinte!! Quer saber? Vou falar mais
porcaria nenhuma!! Encheu o saco!! A cerveja na quadra hoje é 0800 pelo
coroamento da nova rainha da bateria, minha dileta esposa Katylene Cristina!!”.
A bateria
que estava com camisas com o rosto de Katylene finalmente pôde fazer o rufar
enquanto a moça, mulher escultural digna de capa de playboy sambava na frente
da bateria “pão com ovo”.
Bezerra
cheio de cordões de ouro, anéis de ouro, relógio de ouro, dente de ouro e até
unha encravada de ouro bebia uísque no camarote quando um homem chegou ao seu
ouvido e comentou “seqüestraram sua sogra”.
Bezerra
se assustou e perguntou como aquilo poderia ter acontecido, o homem que também
era seu assessor pediu que Bezerra fosse ao lado de fora da quadra.
O
bicheiro saiu e alguns policiais que estavam na rua e trabalhavam como seus
seguranças já estavam de prontidão. Bezerra perguntou o que acontecia. O homem
contou que invadiram a casa do bicheiro e roubaram quadros, esculturas, o
poodle da família e sequestraram
a sogra.
Bezerra
espantado perguntou “Até o poodle?” e o homem perguntou o que fariam. Naquele
instante Stallone voltava com um dolorido Pequinês e Bezerra deu a ordem
“Stallone, pegue os homens e dê uma geral pelo bairro. Tragam o poodle de volta
e se possível a jararaca da mãe da Katylene também”.
Bezerra
foi pra casa com muitos assessores, seguranças e puxa-sacos em volta enquanto
Katylene chorava e era consolada pelo carnavalesco. Em determinado momento
Stallone entrou na sala com o poodle nos braços e Bezerra sorriu indo a seu
encontro. Pegou o cachorro no colo, beijou e perguntou se tinham lhe feito
mal.
O homem
bem mais aliviado disse que já estava tudo bem e que todos fossem dormir. O
carnavalesco se levantou, pôs as mãos na cintura e perguntou “Como assim benhê?
E a mãe da Katylene?.
Katylene
levantou e perguntou “Isso mesmo e a minha mãe?”. Baixinho Bezerra comentou
“bicha desgraçada” e pediu que todos sentassem e esperassem contato dos
seqüestradores.
Depois de
algum tempo o telefone da casa tocou e Pequinês atendeu, eram os seqüestradores.
Passou o telefone a Bezerra e sentou-se em cima de uma almofadinha. Bezerra
atendeu e do outro lado da linha o seqüestrador aparentando bastante nervosismo
pediu um milhão de reais para soltar a senhora.
Bezerra
ouviu a tudo e pediu que o seqüestrador ligasse para seu celular em cinco
minutos. Passou o número e desligou.
Ninguém
entendeu nada. Katylene perguntou o porque daquela atitude e Bezerra respondeu
que preferia falar reservadamente com o seqüestrador.
Bezerra
foi para o quarto e o telefone tocou. Ele atendeu e pediu que o seqüestrador
fizesse novamente a proposta. O seqüestrador confirmou, um milhão pela soltura
da velha.
Bezerra
no ato revidou, pagava dois milhões para o seqüestrador ficar com a sogra.
O
seqüestrador nada entendeu e Bezerra confirmou a proposta. O seqüestrador
furioso gritou “o senhor pensa que eu estou brincando!! Eu não estou!! Eu mato essa velha!! Juro que
mato!!”. Bezerra retrucou que não mataria e lucraria mais ficando com a sogra.
O
seqüestrador disse “Eu vou mandar a orelha dessa desgraçada pra provar que não
estou brincando!!”. Bezerra pediu que mandasse a língua, seria um favor para a
humanidade e desligou.
Para a
família Bezerra disse que negociava e tudo daria certo, mas a verdade é que o
seqüestrador ligava todos os dias tentando negociar o resgate e Bezerra
irredutível falava “só pago pra ficar com ela”.
O
desespero do seqüestrador aumentava a cada dia e em vez de um milhão ele já
pedia dez mil pelo resgate. Bezerra continuava irredutível até que num dia de
grande desespero o sequestrador ligou de novo.
Entediado
Bezerra atendeu e o sequestrador implorou “pelo amor de Deus
doutor, to liberando de graça, vem pegar essa jararaca”. Bezerra respondeu que
não negociava e ele continuou implorando “Doutor, tenha piedade, minha vida se
transformou em um inferno desde que sequestrei. A velha come pra caramba, bebe,
me faliu, não para de falar, reclama de tudo e nem meu futebol consigo mais ver
na tv, tenho que aturar novela todas as noites!!”.
Bezerra bateu
pé firme e desligou o telefone com o homem chorando e gritando que pagava mil
reais para buscarem a velha.
Todos
assistiam a tv quando entrou um link ao vivo mostrando o fim de um seqüestro. Era
o da sogra de Bezerra que saía da casa protegida pelos policiais da divisão anti-seqüestro
e um homem depois saiu chorando da casa, mãos para o alto gritando “Prende eu!!
Prende eu que sou ladrão!!”.
Sem
conseguir negociar com Bezerra o homem preferiu ligar para a polícia e se
entregar a ficar com a velha.
Na mansão
de Bezerra todos comemoravam enquanto o homem com o poodle no colo lamentava
baixinho “acabou a folga”.
A velha
entrou na casa sendo festejada por todos, se aproximou de Bezerra e deu um tapa
em seu rosto dizendo “imprestável, nem pra pagar um resgate”.
O
sequestrador sentia-se aliviado na cadeia, livre do sofrimento de conviver com
aquela velha quando o carcereiro lhe chamou dizendo que tinha visita.
O homem
estranhou e foi até a sala de visitas. Entrou, a porta foi fechada e deu de
cara com a sogra de Bezerra.
A senhora
vestia um sobretudo, tirou e ficou apenas de camisolinha. Maliciosa deu um
sorriso e disse “hoje você não escapa de mim”.
O
sequestrador desesperado pegou nas grades e começou a gritar por socorro.
Sequestraram
a sogra de Bezerra, bem feito pro sequestrador..
*Homenagem ao imortal Bezerra da Silva
Comentários
Postar um comentário