O VALOR DA VIDA
Cynthia Magaly Moutinho de Souza. Provavelmente até semana
passada nunca ouviram falar desse nome, não é verdade? Pois é, eu também não.
Ninguém ouvira falar da Cynthia porque ela não era ninguém
famosa. Era uma pessoa comum como você e eu. Cynthia tinha 47 anos e era dentista
em São Bernardo, cidade da grande São Paulo.
Cynthia atendia uma paciente na quinta-feira passada como
fazia todos os dias até que tocaram a campainha. Perguntou quem era e a pessoa
se identificou como cliente. Abriu a porta.
Não. Não era cliente. Era um assaltante, três no total.
Entraram anunciando assalto e a paciente foi amarrada e vendada. Essa paciente
só ouviu gritos. Gritos de terror da dentista pedindo para que não fizessem
aquilo. O que seria aquilo?
Aquilo era fogo. Incendiaram, sim, queimaram viva Cynthia
Magaly Moutinho de Souza. Eram inimigos dela? Ela devia dinheiro a algum
bandido? Traficante? Era testemunha em algum processo? Fez alguma coisa de
errado? Não!! Nada disso e mesmo que ela tivesse feito alguma dessas situações
anteriores não era motivo para lhe incendiar, nada é motivo pra incendiar
alguém.
Cynthia Magaly Moutinho de Souza, dentista de São Bernardo,
47 anos, foi incendiada viva porque lhe assaltaram e só tinha 30 reais no
consultório.
Nunca ninguém ouvira falar na Cynthia. Hoje ela é famosa no
Brasil inteiro por causa de sua morte.
A polícia já identificou os três assassinos. Um foi
reconhecido em câmera de vigilância por tentar passar o cartão da vítima em uma
loja de conveniência. Chegando a esse chegaram aos outros dois assassinos. O
que confessou ter ateado o fogo é um menor de 17 anos.
Menor de 17 anos..Isso me leva de volta à coluna de segunda
passada sobre maioridade penal. Repetindo o que eu escrevi sou contra a redução
da maioridade. Não acho justo e inteligente botar um garoto que cometeu um
furto numa cadeia de adultos com bandidos já formados. Ele nessa situação só
terá ótimos professores pra se aprimorar no crime.
Mas como também escrevi acho que menor que comete crime
hediondo tem que ir pra prisão de adulto porque esse já é bandido com diploma
de faculdade, pós-graduação, mestrado e doutorado. Quem comete crime de adulto
tem que pagar como adulto.
Que tipo de recuperação podemos esperar de um homem de 17
anos que ateia fogo em uma pessoa viva? Ele não tem formação psicológica e
educacional pra saber que se tacar fogo em alguém ela morrerá e com grande
sofrimento? Um de 17 anos não tem essa formação e um de 18 tem?
Colocar um assassino cruel desses com moleques que cometeram
pequenos crimes também não é de uma certa forma lhes dar um professor para se
aprimorarem no crime? Vão botar um assassino frio, cruel e que ateou fogo em
uma pessoa inocente sem compaixão, ouviu seus gritos com frieza em um
reformatório junto com garotos que batem carteira na Central e daqui a pouco
ele estará nas ruas para tacar fogo em mais pessoas.
Essa lei tem que ser revista porque se pararem pra analisar
em todos os grandes crimes, todos que nos chocam tem menores envolvidos e a
lógica do crime é nítida. Sabem que quase nada pega para um menor de idade
então lhes chamam pra cometer crimes e se der algum problema é só esse menor
assumir tudo.
Reparem só. Seja no caso da dentista, do estupro e seqüestro
de turistas na van, o menino João Hélio que morreu arrastado por um carro, até
mesmo o caso de Oruro, que se não foi cruel como os outros teve grande
repercussão, todos tiveram menores envolvidos.
Isso tudo ocorre no nosso país. Pessoas morrem por motivos
torpes todos os dias e a sociedade ta preocupada com quem vai pra cama com
quem, com quem gosta de mulher, de homem ou dos dois.
Quantas pessoas já não pagaram com a vida ao longo desses
anos? Famílias ceifadas pela violência aumentando estatísticas, criando
comoção, repercussão e foram esquecidas logo depois com o mundo andando como
sempre?
Quem além da família daqui algumas semanas se lembrará da
dentista Cynthia Magaly Moutinho de Souza? Ninguém fala mais do caso dos
turistas, ninguém lembra mais do caso do ônibus 328 castelo/ Bananal que caiu
do viaduto e matou sete, da tragédia de Realengo menos ainda.
A vida anda valendo nada. As pessoas se comovem com
terrorismo nos Estados Unidos, com mortos em Boston quando nem sabem se
chegarão ao fim do dia vivos. Como eu já disse a Cynthia era uma pessoa comum,
como a gente e ninguém está livre de um assalto, tomar um tiro ou ser queimado
por não ter dinheiro.
Eu me comovo e me choco muito mais com casos como esse em São
Bernardo do que com Boston porque essa é a nossa realidade, nosso dia a dia. É
o ser humano se desnudando aos nossos olhos e mostrando sua face mais cruel e
decadente. Queimar gente viva por dinheiro não é coisa de ser humano, não é
coisa de gente e nem posso falar que é coisa de animal porque bicho nunca faria
isso. Bicho só mata pra comer ou quando se sente ameaçado.
A cada vez que uma pessoa como a gente toma um tiro ou é
incendiada é como se cada um de nós tivesse uma arma apontada pra cabeça ou
fósforo apontado para nossos corpos cobertos de gasolina.
Seja uma dentista queimada viva, um jogador de futebol torturado
e escapando da morte apenas por ser famoso. Cada ato de violência nos machuca
um pouco. É o terrorismo nosso de cada dia. Boston é aqui.
Qual é o valor da vida?
Em alguns casos trinta reais.
Comentários
Postar um comentário