A REPÚBLICA DOS MENINOS
*Conto publicado no blog Ouro de Tolo em 11/8/2012
César
Vieira é um daqueles caras que podemos dizer que venceu na vida. Nasceu em
berço pobre em uma favela no Rio de Janeiro e lutou, perseverou até se tornar
um dos homens mais poderosos do país.
Nasceu no
morro do Dendê que fica no bairro da Ilha do Governador, o 5° entre 7 irmãos.
Não chegou a conhecer os dois mais velhos falecidos após entrarem na
marginalidade. Com oito anos de idade César já vendia balas e chicletes em
sinais de trânsito, com dez anos engraxava sapatos.
Mas nunca
deixou de estudar, sua mãe dona Penha fazia questão de todos os filhos na escola
e César se empenhava, era um dos melhores alunos do colégio e enchia a mãe de
orgulho.
O garoto
acordava todos os dias cinco horas da manhã. Tomava café, quando tinha café,
tomava banho e pegava o 328 Bananal/Castelo. Chegava na Central do Brasil pouco
antes das oito e engraxava sapatos até meio dia. Pegava o ônibus de volta e ia
direto ao colégio. Aproveitava para almoçar lá porque almoço em sua casa era
luxo.
Estudava
e no fim da tarde voltava pra casa. Voltava quando podia subir o morro, quando
ele não estava em guerra. Nesses casos César se virava e dormia pelas ruas
mesmo. Com tudo em paz ele subia, fazia seus deveres, jantava quando a família
tinha grana para comprar comida e dormia para no dia seguinte começar tudo de
novo.
César era
aluno nota dez e isso abria portas para ele. Dono de uma grande inteligência
não gostava de jogar bola, nem brincar na rua. O dinheirinho que juntava não
comprava roupas e sim livros. Os professores notavam seu grande esforço e
capacidade e indicavam cursos gratuitos a ele, davam livros. César começava a
se destacar no meio daquela miséria.
Adolescente
se converteu e virou evangélico. Fez grande amizade com o pastor local e foi
morar em sua casa. O pastor lhe tratava como um filho e dava suporte para os
estudos de César tanto na escola quanto religioso. O sonho do menino era ser
pastor.
Além do
lado religioso César também tinha um lado político. No segundo grau tornou-se
presidente do Grêmio Estudantil e um dos
líderes da favela fazendo parte da direção da associação de moradores.
Esforçou-se,
lutou e entrou para universidade pública. Nesse período o pastor, seu protetor,
foi preso acusado de abuso de menores. César assim assumiu a igreja.
Virou
pastor e na universidade presidente do DCE, César era ambicioso e queria cada
vez mais. Com seu carisma e talento ampliou a igreja e montou filiais, entrou
para um partido político e decidiu se candidatar vereador.
Com apoio
do morro e dos religiosos de sua igreja se elegeu e destacou-se como uma nova
liderança na cidade. Não demorou e foi eleito deputado federal.
César
Vieira, menino pobre, engraxate, com seu esforço, inteligência e carisma
transformou-se em político e líder religioso poderoso.
Nesse
momento conheceu Amanda Lacerda, filha de José Lacerda, presidente do partido.
Engataram um namoro, noivado e se casaram. Tiveram três filhos e a carreira de
César ia cada vez melhor. Conseguiu concessão de uma rádio, depois de
outra..até ter uma cadeia de rádios pelo Brasil.
Mas
ninguém é perfeito..nem mesmo César Vieira.
Uma tarde
foi procurado pelo ex pastor, preso por abuso de menores. O diálogo foi tenso
com o ex pastor pedindo ajuda e César negando dizendo que já havia lhe ajudado
muito. O homem disse que seria melhor que César lhe ajudasse, pois, teria muito
a contar.
Basicamente
uma chantagem rolava ali e César cedeu dando dinheiro ao homem. Antes dele sair
virou-se para César e disse que por tudo que fez ao deputado merecia muito
mais. Tentou tocar em seu rosto e César impediu com violência respondendo que
se tentasse tocar nele mais uma vez iria se arrepender amargamente.
Nem
precisou tocar de novo. Uma semana depois o ex pastor foi atropelado por um
ônibus enquanto esperava no ponto e faleceu na hora. Uma morte muito suspeita.
Uma vez
me falaram que todo moralista era pervertido e esse ditado se aplicava bem a
César. O homem gostava de pegar o carro depois que a esposa dormia e andava
pelas ruas da cidade.
Vagava
pelos lugares de maior baixo nível a procura de aventuras e invariavelmente
acabava atrás dos meninos de rua, quanto mais jovens
melhor.
Parava
seu carro perto de grupo de meninos e chamava. Aproximavam-se e ele convidava
para entrar. Meninos com mais ou menos nove, dez anos de idade. Idade que César
trabalhava para ajudar a sustentar sua família.
Saía com
os meninos indo a algum lugar escuro, abandonado e depois voltava para casa,
tomava banho e deitava-se ao lado de Amanda como se nada tivesse acontecido.
César era
discreto e ninguém ficava sabendo de suas perversões e quem sabia já estava há
sete palmos debaixo da terra.
Os anos
passavam e César cada vez mais poderoso, tornou-se ministro do trabalho e
conseguiu concessão de tv. Sua igreja já tinha ramificações por toda América do
Sul e Europa tornando-se a mais poderosa evangélica do Brasil. César já criava
novas ambições na mente.
Com a
morte de José Lacerda tornou-se presidente do partido e começou a costurar
apoios para virar governador do Rio de Janeiro.
As
pesquisas indicavam que ele era a melhor opção do partido. César tinha programa
matinal em uma de suas rádios onde ajudava a população e isso fé do deputado
uma pessoa popular. Nas tais pesquisas encomendadas seu partido viu que ele era
líder disparado na sucessão do palácio Guanabara e assim seu nome foi
homologado.
Costurou
acordos no mínimo estranhos. Fez reunião com milicianos e dessa forma conseguiu
apoio das comunidades dominadas pelos criminosos.
Era o
único político com acesso a essas comunidades para fazer discursos e mostrar
suas propostas. Conseguiu o mesmo acesso em favelas do terceiro comando e
comando vermelho. O deputado de Deus fez pacto com o diabo.
Mas um
dia a casa cai..
Uma manhã
César foi acordado por Amanda histérica com uma revista na mão. César perguntou
qual era o problema e Amanda jogou a revista sobre ele.
Eram
denúncias, muitas denúncias de desvio de verbas, caixa 2, tráfico de
influências e acordos com milícia e traficantes. Os podres de César todos
escancarados na revista dominical.
O
deputado resolveu reagir e dar uma entrevista coletiva se explicando e negando
toda a situação, mas a coisa piorava a cada dia. Um jornalista da tal revista,
Jairo Mello tornou-se a maior pedra em seu sapato e a cada semana novos
escândalos surgiam.
Escutas
telefônicas surgiram, testemunhas das negociatas e César em desespero tentou
levar a questão para religião. Parou de se defender e acusou a imprensa de
perseguição religiosa.
Fez um
evento na praia de Copacabana para um milhão de pessoas, com shows e discursos
em desagravo a ele. A questão virou uma guerra religiosa, César conseguia levar
as denúncias para o lado que queria.
Com o
tempo tudo foi esfriando, como todo escândalo no Brasil,
uma novela nova estreou, um jogador de futebol famoso foi acusado de ter filho
fora do casamento e ninguém mais falava em César Vieira.
Voltou à
liderança das pesquisas mesmo com Jairo Mello batendo nele todas as semanas. As
eleições pareciam decididas e na noite anterior do pleito resolveu sair para
espairecer.
Percorreu
a cidade de carro e achou meninos de rua. Como de praxe conversou com eles e
levou dois para dentro do carro. Saiu com os meninos e parou em uma rua escura.
De
repente policiais e imprensa aparecem. Os policiais socam a porta do carro e um
assustado César Vieira abre. Ele está com camisa e cueca apenas e os meninos
nus. A imprensa aparece e fotografa, tenta entrevistar um arruinado César
Vieira preso em flagrante.
Antes de
entrar no camburão César olha para Jairo e pergunta “por quê essa
perseguição?”. Jairo olha fixamente o deputado e responde “não foi só o senhor
que venceu na vida saindo da miséria, eu fui um dos seus meninos”.
César na
cadeia foi eleito governador e alguns dias depois saiu com habeas corpus.
Conseguiu levar o mandato até o fim e virou candidato a presidente.
Sim, ele
se deu bem..ele é político e rico, achavam mesmo que se daria mal?
Bem vindo
ao Brasil.
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