PRÓXIMA ESTAÇÃO
*Conto da coluna "O buraco da fechadura" publicado no blog Ouro de Tolo em 17/11/2012
Metrô cheio. Seis e meia da tarde em um Rio de Janeiro chuvoso. Paula correu até a Cinelândia para que pudesse pegar o metrô até a estação Afonso Peña na Tijuca onde morava.
Mulher bonita, loira, 28 anos, boca carnuda, seios
volumosos Paula era o tipo de mulher que chamava atenção ainda mais toda
molhada e com a blusa branca encharcada que transparecia seu sutiã negro.
E era uma chuva daquelas...daquelas que o carioca olha
para o céu antes mesmo de começar a pingar ao notar as ameaçadoras nuvens
negras diz “lá vem desgraça”. Os pancadões de chuva que marcam o mês de janeiro
no Rio de Janeiro que deixa pessoas ilhadas, enche ruas e desaba casas. Uma
chuva dessas se apresentava ao povo carioca naquele dia.
Paula entrou na estação cheia, normalmente é cheia, mas em
dia de chuva muito mais. Comprou sua passagem e se encaminhou para esperar o
metrô. Irritava-se em ver os marmanjos olharem com volúpia sua blusa
transparente e colocou os braços na frente dos seios.
Plataforma lotada e o metrô veio mais cheio ainda. Empurra
empurra tanto para entrar quanto para sair e Paula se espremendo, tenta e de
tanto empurrar e ser empurrada consegue entrar.
Não teve jeito, teve que viajar em pé mesmo e apesar de
ser um vagão exclusivo de mulheres muitos homens se acotovelavam no espaço
mostrando a total falta de respeito com leis. Vagão tão cheio que existia até
dificuldade para respirar.
Paula pensava como estaria a Afonso Peña quando descesse torcendo para não estar alagada quando sentiu um homem se
encostando ela. Irritada olhou feio para ele e empurrando conseguiu mudar de
lugar.
Por sorte na Central do Brasil o vagão esvaziou com as
pessoas saindo e pegando trens para vários pontos da cidade. Paula então pôde
sentar e relaxar um pouco.
Encostou-se na janela e aos poucos o sono foi lhe
vencendo. Dormiu e chegou até a sonhar com sua caminha aconchegante quando
abriu os olhos assustada pensando estar em sua estação, mas ainda faltavam
duas.
Até que percebeu que um homem não tirava os olhos dela.
O homem estava sentado no banco a sua frente. Negro,
bonito, corpo atlético, bem vestido, usava óculos escuros e não parava de olhar
Paula, era nem disfarçadamente, olhava mesmo.
A menina se constrangeu, tampou a blusa por causa da
transparência, mas percebeu que ele não olhava seu corpo e sim seu rosto. Paula
ficou bem incomodada, olhava para os lados, para o chão, o teto com o homem lhe
olhando, pensou em reclamar, mas não teve coragem.
Sentia-se mal, violentada com aquele olhar, a impressão
que tinha era que se ele pudesse lhe agarrava ali mesmo e a possuía na frente
de todos. Deu graças a Deus quando chegou a sua estação e desceu.
Correu em disparada sem olhar para trás, não quis ver se o
homem lhe acompanhava no olhar. Subiu a escadaria em velocidade e respirou
fundo quando viu que a chuva continuava forte, não tinha outro jeito encarou a
chuva.
Correu por três quarteirões com águas nas canelas até que
entrou em casa. Toda molhada foi recebida pelos pais que se diziam preocupados com ela. Paula respondeu que estava tudo bem e
Breno, seu noivo, apareceu da cozinha comendo um sanduíche de pernil e
perguntando se estava tudo bem.
Paula irritada respondeu que não, não estava nada bem.
Pegou uma chuva violenta, foi amassada dentro do metrô, teve que aturar tarados
e ainda estava arriscada a pegar uma gripe. Breno perguntou que história era
aquela de tarados quando a mãe de Paula pediu que ela trocasse de roupa para
evitar a gripe e que lhe prepararia uma sopa.
Depois da sopa ficaram Paula, seus pais e Breno na sala
vendo televisão até que o pai começou a roncar e a mãe pediu licença que eles
iriam dormir. Subiram e Breno e Paula continuaram vendo tv. Paula pediu que o
noivo se aproximasse e ficasse abraçado com ela e o rapaz negou-se argumentando
que o filme estava ótimo.
Paula se irritou e reclamou que era sempre assim com ela
em segundo plano. Perguntou por que ele não atendeu ao telefone quando ela
ligou ao sair do trabalho e Breno respondeu que só vira depois e perguntou o
que ela queria. Paula respondeu que era para ele buscá-la no metrô e assim não
pegasse chuva.
Breno sem olhar a noiva totalmente concentrado no filme
disse que não teria como ir. Emprestara o carro pro irmão e tinha ido até lá a
pé. Paula preferiu falar mais nada e tentou assistir o filme na tv.
Trinta segundos depois ela desistiu e contou que estava
com sono e iria dormir. Breno respondeu que tudo bem ela podia ir que quando o
filme acabasse desligaria tudo e iria embora pra casa. Paula então se levantou,
deu um beijinho na boca de Breno que nem olhou para a noiva não tirando os
olhos da tv e foi dormir.
Tirou a roupa, colocou o pijama e foi até o banheiro
escovar os dentes. Olhando o espelho se lembrou do homem do metrô e se
perguntou o quanto era o desejo dele por ela. Paula há muito não se sentia desejada, o noivado com Breno caíra na rotina.
Olhando-se no espelho desabotoou um botão do pijama e se
via no espelho. Desabotoou mais um, dois e deixou os seios quase a mostra.
Colocou a mão por dentro e imaginou a mão do homem lhe tocando. Com toda a
vontade e volúpia lhe possuindo.
Paula parecia em transe tocando seu corpo e sentindo a mão
do homem do metrô quando Breno embaixo bateu a porta indo embora e ela
despertou. Olhou-se no espelho e abotoou novamente o pijama indo deitar.
O relógio tocou seis da manhã lhe convidando para acordar.
Era sexta-feira e Paula acordou com mais sono que o normal. Desceu e o café já
estava servido por sua mãe. Tomou o café com leite e comeu o pão com manteiga
com rapidez por estar atrasada. Despediu-se da mãe e saiu correndo com a
senhora reclamando que a vida não podia ser corrida assim.
Pegou o metrô, chegou no trabalho e não parou praticamente
o dia todo. Comeu um lanche no almoço, ligou para o noivo perguntando se fariam
algo de noite e Breno respondeu que não, pois, ensaiaria com sua banda, mas
poderiam ir ao cinema no dia seguinte. Irritou-se, desligou o telefone com
violência e voltou ao trabalho.
Os amigos do trabalho convidaram para um chopp depois do
expediente e ela aceitou. Paula deu risada com os colegas e até contou por alto
a história do homem do metrô, sua amiga mais próxima, Fabiana, respondeu que
dar “umazinha” com o desconhecido era até uma boa para esquentar sua relação e
Paula apenas riu.
Pegou o metrô e como era mais tarde e todos iam para a farra
sentou-se logo e abriu uma revista. Ficou lendo e quando abaixou para ver as
horas percebeu o homem negro de óculos escuros novamente olhando para ela.
De novo ficou desconcertada, constrangida, mas dessa vez
não se sentiu violentada, gostava do jeito daquele homem. Aos poucos ela parou
de desviar o olhar e também começou a olhar para ele fixamente. Ficaram os dois
se olhando sem dizer uma palavra, apenas o tesão exalava no ar e Paula em
pensamento torcia para que ele falasse algo.
Mas o homem nada disse e ela conformada desceu na sua
estação.
Deitou-se mais cedo e não conseguiu dormir pensando no
homem e na forma que conseguia possuí-la apenas com o olhar. Virou-se na cama
diversas vezes e nada do sono vir. Colocou a mão por dentro da calcinha e começou
a imaginar o homem lhe pegando com vontade no vagão do metrô, encostando à
parede, afastando sua calcinha e tomando seu corpo para ele. Os dois ali
transando como dois pervertidos no balançar do trem do metrô que percorria os
trilhos até a próxima estação.
Quando viu sua mão estava molhada de prazer então Paula
sentiu-se a vontade para dormir.
No dia seguinte foi ao cinema com Breno ver um filme de
guerra, gênero que odiava. Enquanto o rapaz entusiasmado via o filme e comia
pipoca Paula enfurnada na cadeira só rezava para o tempo passar logo e ir
embora. Depois do filme comeram uma pizza e Paula de bate pronto propôs ao
noivo irem a um motel.
Breno respondeu que estava duro. Paula suspirou de raiva e
disse que pagava, então ele topou. No quarto do motel Breno subiu sobre a noiva
para transar e Paula deitada na cama não sentia nada apenas pensando no homem
do metrô. Uns dois minutos depois que começou o ato Breno chegou ao orgasmo
deitando ao lado de uma noiva frustrada.
No dia seguinte Breno foi ver jogo do Vasco com seu irmão
e Paula ficou em casa sozinha. Passou o dia na sala vendo tv com os pais e imaginando se veria seu “amante” no metrô.
Trabalhou na segunda ansiosa e entrou no vagão procurando
por ele. Até que o encontrou sentado. Conseguiu depois de um tempo sentar-se a
sua frente e ele não parou de olhar a ela, fixamente atrás daqueles óculos
escuros que deixavam tudo mais sensual. O jogo de sedução estava estabelecido,
sem nenhuma troca de palavras, apenas o desejo falando por eles.
E foi assim durante os dias. Paula terminava de trabalhar
e corria para o metrô na esperança de encontrá-lo e sempre conseguia. Por uma
grande sorte pegavam sempre o mesmo trem e o mesmo vagão. Não trocavam uma
palavra e Paula sempre descia na Afonso Peña sem olhar para trás, imaginando
que o homem lhe seguia com os olhos como se quisesse devorá-la.
Duas semanas nesse jogo de sedução até que ela resolveu
ousar. Foi ao trabalho com decote para chamar sua atenção. Sentou-se á frente
dele na volta para casa e sentiu que mexera com o homem. Não em seu semblante
ou na forma de agir que era a mesma, mas mulher tem sexto sentido entende
dessas coisas e Paula tinha certeza que alcançara seu objetivo.
Resolveu abrir-se com a amiga Fabiana. Contou em todos os
detalhes o que ocorria e perguntou o que fazer. Fabiana respondeu que a amiga
não podia perder aquele homem e tinha que investir nele. Paula argumentou que
era noiva e Fabiana revidou dizendo que Breno era um babacão e merecia ter a
testa ornamentada. Fabiana disse “vai lá, sai com ele que as coisas vão
melhorar para você e dependendo do quanto ele for gostoso se livre do Breno”.
Paula respondeu que a amiga estava certa e Fabiana mandou
que ela se vestisse lindamente no dia seguinte e tomasse a iniciativa, fosse
até ele. Paula respondeu que nunca fizera isso e Fabiana olhando sério para a
moça falou “chegou a hora de fazer então, faz parte desse jogo”.
Paula concordou e no dia seguinte estava linda como nunca.
Vestiu-se provocante, botou o melhor perfume e avisou em casa que talvez
chegasse mais tarde. Aquele homem seria dela.
Trabalhou ansiosa e mais ansiosa ainda pegou o metrô para
voltar pra casa. Sentou-se como de costume à sua frente tentando tomar coragem
de falar com ele. A estação Afonso Peña chegou e ela não desceu, desceria junto
com ele e ali falaria.
Chegaram à última estação, Saens Peña onde todos teriam
que descer. O metrô parou e Paula ansiosa levantou e se encaminhou até a ele,
até sua frente, só esperando que ele também levantasse para falar.
Até que o homem sentado ao lado dele levantou-se, pegou
uma bengala branca e disse “vem Nelson”.
O “amante” de Paula levantou-se com dificuldade apoiado
pelo amigo, pegou a bengala e dando o braço para ele saiu do vagão.
O negro de óculos escuros era cego, não via absolutamente
nada.
Os dois foram embora e Paula ficou ali parada sem ter o
que fazer e como agir.
Arrumou coragem e foi pra casa. Abrindo a porta encontrou
Breno no sofá vendo filme.
Andou até ele que se assustou com o semblante que a noiva
apresentava. Breno levantou-se e perguntou qual era o problema.
Paula chorando começou a socar o peito de Breno gritando
“ele é cego!! Ele é cego!!”.
O que os olhos não veem o coração não sente.
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