AMARILDO
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 25/8/2013
Eu evitei falar desse assunto por essas semanas, assunto tão importante e que tomou conta dos noticiários. Sinceramente não sei porque não falei nele antes aqui, no meu blog ou mesmo em redes sociais, alguma coisa travou.
Eu evitei falar desse assunto por essas semanas, assunto tão importante e que tomou conta dos noticiários. Sinceramente não sei porque não falei nele antes aqui, no meu blog ou mesmo em redes sociais, alguma coisa travou.
Mas não
posso deixar passar. Uma pessoa que escreve para um público (não importa o
tamanho do público, quem faz isso tem responsabilidades) não pode passar em
branco por algo tão sério assim e como todas as pessoas me junto ao coro e
pergunto.
Cadê o
Amarildo?
Acredito
que todos já tenham conhecimento do caso, mas mesmo assim eu explico. Amarildo
é, ou provavelmente era, um cara como outro qualquer. Pessoa comum,
desconhecida como você e eu. Amarildo Dias de Souza, 47 anos, ajudante de
pedreiro tinha acabado de voltar de uma pescaria quando quatro policiais
militares o pegaram na frente de casa e levaram até a sede da Unidade de
Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha.
Conhecido
como “boi” devido sua força o pedreiro garantia o sustento de seis filhos.
Bete, sua esposa, tinha parado de fazer faxinas e lavar roupas para fora e
assim ficar com as crianças. Amarildo fazia bicos pela comunidade e por último
estava trabalhando em Copacabana. Saía cedo e voltava apenas à noite. Comprava
aos poucos material de construção para reformar a própria casa. Sem o provedor
a obra ficou inacabada e a família foi morar na casa de uma irmã de Amarildo.
Desde que
o pai da família, o Amarildo Dias de Souza, 47 anos, ajudante de pedreiro sumiu
nas mãos das forças policiais. Aquelas que são pagas por nós através de nossos
impostos para nos proteger.
E que
sumiu após ser confundido com um traficante.
Amarildo
não foi o primeiro, nem será o último a sumir depois de passar pelo azar de ter
contato com a polícia sendo considerado suspeito. Suspeito para a Polícia
Militar do Rio de Janeiro sempre é culpado ainda mais se for pobre, pior ainda
se for negro.
Virou
símbolo de uma luta. Motivo de protestos pela cidade unindo todas as classes
sociais que não aguentam mais desmandos, corrupção, truculência e falta de
segurança. Não saber em quem pode confiar, não saber quem é o mocinho e o
bandido, se é que existe mocinho.
Amarildo
sumiu. Provavelmente foi executado e enterrado como indigente. Muitos são os
“Amarildos” dessa cidade. De acordo com a Ong Rio de Paz 35 mil desapareceram
desde 2007.
Como eu
disse acima Amarildo foi confundido com um traficante. O traficante se chama
Guinho e o trabalhador não tinha antecedentes criminais. O comandante da UPP da
Rocinha alega que soltaram Amarildo assim que descobriram o erro, mas ele nunca
voltou pra casa.
Eu já
disse algumas vezes que sou a favor das UPPs. Tenho conhecidos que moram em
comunidades com as unidades que dizem que a situação melhorou muito depois das
instalações, quem mora na redondeza de alguma dessas comunidades diz o mesmo,
mas têm falhas.
Falhas
como não prender ninguém, avisar com antecedência e assim deixar que os
bandidos fujam. Alegam que dessa forma evitam banho de sangue e morte de
inocentes. Falhas como não acabar com o tráfico de drogas no local, a venda continua.
Alegam que a maior missão da UPP não é acabar com o tráfico, isso seria
impossível, a missão é a retomada de território.
Por fim
pra mim a maior das falhas, o que tem de mais grave. A corrupção que já está
inserida na alma da Polícia Militar.
A corrupção,
a falta de preparo como policial e no trato com o cidadão, a truculência de se
achar acima do bem e do mal. A imposição pelo medo, não pelo respeito.
Eu tenho
37 anos, sou um cidadão de bem que nunca cometeu crimes, sempre andou na linha
e tenho medo da polícia. Quando eu fazia caminhadas e algumas vezes fazia de
madrugada por ser uma pessoa notívaga me preocupava quando um carro da polícia
se aproximava. Algumas vezes fui parado e tomei a chamada “dura”. Nunca fui
desrespeitado, mas ficava no ar a sensação de medo.
Tomei
mais “duras” de polícia até hoje que fui assaltado e olha que sou branco e
tenho aspecto de “bonzinho e honesto” para a polícia. Imagine se eu fosse
negro.
Sei de
casos de amigos que parados nessas situações foram ameaçados, tiveram armas
apontadas e tomaram tapa na cara. Ninguém me contou, eu vi 10 dias atrás no fim
de uma madrugada quando esperava ônibus para voltar pra casa um homem negro e
com uma mochila nas costas do outro lado da rua ter fuzil apontado pra si pela
polícia a ser empurrado violentamente na frente de todo mundo até uma parede
pra ser revistado.
Eu vi
tudo aquilo. O rapaz sendo revistado e durante minutos conversando com os
policiais até que foi liberado e eles foram embora. Depois fiquei olhando para
ele até que seu ônibus chegou.
Eu fiquei
com muita raiva, imagino como ele ficou. O ódio, a vergonha de ter passado por
isso na frente de todo mundo. A vontade era de ter atravessado a rua e falar
com os policiais que eles deviam respeito aquele cidadão. Que não era por ser
negro que podia ser tratado daquela forma e que eles deviam subir o Dendê atrás
de traficantes, os mesmos que lhes pagam “arrego”, não ameaçar gente de bem.
Podia ter
feito isso. Certamente tomaria uns tapas na cara, provavelmente eu viraria um
Amarildo.
Amarildo.
Apenas o
nome dele ser o título da coluna é de propósito porque é um símbolo. Andei
muito de madrugada não só em minhas caminhadas como ando até hoje por causa de
samba. O título é Amarildo, mas podia ser Aloisio, Pedro..
Ninguém
está livre disso. Ninguém está livre de ser um Amarildo, ser levado e nunca
mais ser encontrado. Basta que a PM cisme com você. A gente pensa que uma
história dessas tem nada a ver conosco, mas tem sim. O Estado que tem obrigação
de nos proteger continua sumindo com as pessoas desde os tempos ditatoriais e
não deixando o mínimo, que as pessoas deem um enterro aos entes queridos. Acho
que é por isso que não falei nesse assunto antes. O medo escondido de um dia
virar Amarildo.
Amarildo
é o Wladimir Herzog do século XXI. Provavelmente daqui algum tempo aparece
“suicidado”.
Como
disse o Coronel Nascimento em Tropa de Elite 2 a Polícia Militar do Rio de
Janeiro tem que acabar.
Cadê o
Amarildo?
Cadê a
nossa paz?
Paz sem
voz não é paz, é medo.
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