A PORTELA E EU
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 11/8/2013
Acabei de
chegar em casa e atrasado começo a escrever a coluna desse domingo, data que
você está lendo agora. Mas na verdade não é domingo, são 5:33 da manhã de
quinta-feira. Um dia especial para mim.
Um dia
especial que começou na verdade em janeiro desse ano durante um ensaio de
quarta-feira da União da Ilha. Encontrei o amigo e dono desse blog Pedro Migão
na escola e depois de um tempo de ensaio decidimos sair para jantar e beber
algo. No caso dele cerveja, no meu refrigerante.
Durante o
trajeto até o bar ele começou a falar de um projeto. Fazia parte do projeto de
uma chapa de oposição na Portela para as eleições que se realizariam em maio.
Disse que caso vencessem o concurso de samba-enredo seria sério, honesto. Não
escolheriam samba por nome, política ou tamanho de torcida e todos seriam
tratados de forma igual.
Por fim
me fez convite para escrever na escola em caso de vitória.
Infelizmente
alguns dias depois o amigo e compositor do samba vencedor da União da Ilha em
2013 Jair Turra faleceu e encontrei com alguns de meus parceiros em seu
enterro. Meu eterno parceiro Cadinho da Ilha e Bruno Revelação. Comentei por
alto do convite e que ele era também para minha parceria. Poderia montar uma e
levar para lá. Gostaram da ideia, mas naquele dia não tocamos mais no assunto.
Sete
meses se passaram e estou aqui nessa quinta-feira, faltando um dia para meu
aniversário que na verdade começa hoje, com o primeiro presente. Dia que com
meus parceiros inscrevo nosso samba da Portela, o nosso concorrente para o
carnaval 2014.
Depois
daquela data algumas coisas acabaram me empurrando para a Portela. Situações
que ocorreram na União da Ilha, normais no mundo do samba, nada de desonesto,
mas que não curti e o fato também de minha parceria insulana “abrir”. Cada um
foi para um lado cuidar de seus interesses.
Apesar de
todos os sambas feitos nesse período com a parceria da União da Ilha
basicamente ter minha marca e do Cadinho, minha letra e a melodia dele, sempre
ficou a impressão que a parceria não confiava muito em nós, que éramos
descartáveis. Uma particularidade que simboliza o samba na Ilha do Governador e
quando falo em Ilha não falo em uma escola de samba ou um grupo de pessoas em
especial, mas num todo é que a pessoa pode não saber rimar amor com dor, mas se
tiver política ou dinheiro é mais importante do que quem escreve.
Dessa
forma as coisas ficam sendo tratadas desse jeito descartável. Faz acontecer
coisas como um de nossos parceiros, amigo muito próximo de quase duas décadas
deixar Cadinho e a mim pra trás pra fazer samba com quem sempre odiou ou falou
mal.
Mas eu e
Cadinho sempre nos reinventamos, sempre surpreendemos, aliás, quando alguém
surpreende tanto por tantos anos algo está errado. Em quem surpreende ou é
surpreendido.
Sentimos
que a coisa estava complicando aqui e comecei a tratar o convite com mais
carinho. Convidei o grande compositor supercampeão e premiado Alexandre Valle
para a parceria. Ele convidou seus parceiros Humberto e Ataíde e assim a
parceria foi formada.
No meio
do caminho ainda tivemos a possibilidade de contar com o lendário Waldir 59 no
grupo. Waldir é um dos maiores vencedores da história da agremiação, foi
parceiro de Candeia e levou nomes como Clara Nunes para a Portela.
Passamos
uma tarde maravilhosa em sua casa ouvindo história, músicas. A parceria não foi
pra frente, mas foi um dia enriquecedor e inesquecível.
Igor
Sorriso, um dos melhores cantores da atualidade foi contratado e dessa forma
chegamos ao dia de hoje.
Minha
ligação com a Portela é muito mais antiga que isso. Meu pai, referência próxima
a mim como sambista, era passista do Boi da Ilha e torcedor fervoroso da
Portela. Herdei dele o gene para o samba e desde pequeno acompanho o desfile
das escolas de samba. Acompanhava e sabia que aquela escola que vinha com uma
águia na frente era poderosa. A maior vencedora dos desfiles, aquela que era
sempre temida.
Para o
carnaval de 2003 tivemos oportunidade de tentar compor pela primeira vez à
escola. Formei parceria com Cadinho, Paulo Travassos, Roger Linhares e Mestre
Arerê. Apesar de juntos termos ganho dois sambas no Boi da Ilha e eu já ter um
Estandarte de Ouro éramos inexperientes. Gravamos em um estúdio ruim justo numa
ocasião que a escola cortava na fita.
E foi
assim que caímos, na fita. O samba nem chegou a ser apresentado na quadra.
Alguns dizem que o presidente da época nem chegava a ouvir os sambas de “fora”
da escola, mas nunca saberemos. A única coisa que sei é que fiquei com isso na
cabeça. Minha passagem pela Portela não poderia ficar naquilo, um corte na
fita.
Dentro
dos meus princípios e da minha ética, portanto dos limites que estabeleci pra
mim me tornei um compositor vencedor e sabia que teria um reencontro com a
Portela. Reencontro que o Pedro Migão proporcionou com aquele convite em
janeiro. Convite que tenho que agradecer eternamente.
Não sei o
que acontecerá com o samba. Se vai longe, se vai cair cedo, poderá até já ter
caído no momento que você lê essa coluna. Mas subirei no palco da majestade do
samba como compositor da Portela e isso já é uma grande vitória. Um presente de
aniversário.
Valeu meu
pai, vestido de esperança não trago só amor e paz como diz a letra de nosso
samba. Trago orgulho também.
A família
Portela voltou.
E eu
também voltei.
Segue
abaixo para os amigos a letra do nosso samba.
Compositores:
Aloisio Villar, Alexandre Valle, Cadinho, Humberto Carlos e Ataíde.
Intérpretes:
Igor Sorriso, Marquinhus do Banjo, Cadinho e Bruno Revelação.
Valeu meu pai
Vestido de esperança trago
amor e paz
Um laço de histórias que não
se desfaz
Abrilhantando os dias de
escuridão
A família Portela voltou
Inspirada no azul do mar
A luz que clareia Candeia a
te conquistar eu vou
Voltando no tempo levando o
Valongo ao futuro do cais
O sangue negro ao mar purificou
Suor correu, lágrima rolou,
deixa a cicatriz falar
Ela vai te lembrar, é a nossa
raiz
A fé nos ancestrais na
construção do meu país
Vê lá, o Rio se afrancesou
É arte, a cultura entra em cena
A cidade se modernizou
Um rio de amor te fez poema
Vê lá, o Rio se afrancesou
É arte, a cultura entra em cena
A cidade se modernizou
Flechado de amor te fiz poema
A onda que me leva até a
praça do povo
Onde a gente se abraça e é
muito feliz
Se congraça sonhando com um
novo país
Sou cara pintada, minha voz
não vão calar
Essa brisa que a juventude
afaga sempre há de inspirar
Um Brasil que é capaz, não
foge a luta
Não há de dormir nunca mais
No vai e vem dessa avenida
amor, tempo perdido eu vou buscar
Sob o céu azul, um “rio
branco”
Porto aberto de encantos
Carioca na folia e devoção
Salve o Rio de Janeiro, Viva São
Sebastião
A maré vai subir, invadir Madureira
Águas sagradas em meu coração
A águia voltou a voar altaneira
Da Glória do Santo lá vem procissão
Poeta, agradeço às honrosas citações ao meu nome, mas, confesso que, para receber os adjetivos de "grande" compositor e "super-campeão", ainda me falta galgar muitos degraus em minha trajetória no samba, trajetória essa que, agora, passo a trilhar ao seu lado e ao lado do Poeta Cadinho, novos parceiros e amigos que pude fazer nesse fantástico e sempre surpreendente mundo: O Mundo do Samba. Quero deixar registrado que, dentre os prêmios que já conquistei (que nem foram tantos assim)ou os que viremos juntos a conquistar, um dos mais importantes foi o de ter sido convidado por um dos melhores compositores de samba-enredo, além de pessoa de caráter invulgar como o seu para compor essa parceria. Esse convite foi, sem dúvida, um prêmio daqueles que se guarda para sempre. E que sejamos felizes em nossa trajetória daqui por diante. Parabéns pela crònica (que só li hoje) e pelo conjunto da obra (na literatura e na vida). Grande abraço, parceiro!
ResponderExcluirObrigado parceiro,saiba que a honra é toda minha e as palavras que disse a mim posso devolver com sinceridade porque sempre ouvi falar bem de você e sempre gostei de suas composições. Tem sido um grade prazer e tenho certeza que esse samba trará frutos. abração parceiro
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