ELIS REGINA E OUTRAS MULHERES BACANAS



Eu gosto de navegar pelo youtube, principalmente na parte da madrugada onde tudo fica mais tranqüilo. Sou notívago desde pequeno, devo ter pego isso de minha mãe e assumo, adoro a noite.

Numa dessas madrugadas procurei uma música “dois pra lá, dois pra cá” de João Bosco e Aldir Blanc porque iria escrever um conto pro Ouro de Tolo em que usaria parte dessa música. Ouvi interpretação da Elis Regina. Grande interpretação.

Nos vídeos relacionados tinha “Como nossos pais” de Belchior. Um dos grandes compositores de nossa história que infelizmente hoje em dia só é lembrado pela mídia e por pessoas por causa de confusões. Pois bem, assisti o vídeo e me espantei.

Não tenho dúvidas em dizer que essa interpretação foi a mais marcante que vi em toda minha vida. Elis era baixinha, chamada de pimentinha, mas parecia uma gigante quando cantava. Interpretação visceral, com a alma. A mulher olhava para a câmera e mesmo pequenina conseguia meter medo. A veia do pescoço aparecendo, os olhos com fúria. Maestria na voz.   

É o vídeo que postei acima.

Aí lembrei que semana passada fiz uma coluna citando quatro homens monstros sagrados da música, que viraram cinco com a morte repentina de Emílio Santiago e nada mais justo então que fizesse na semana seguinte falando de mulheres.

E nada mais justo que começar por Elis, pra mim a maior cantora que esse país já teve.

Morreu jovem, com apenas trinta e seis anos e assumiu perfeitamente o papel de “grande cantora com vida trágica” que tantas assumem desde que a primeira mulher abriu a voz pra cantar. Elis era na vida como no palco, se entregava de corpo e alma, botava o coração na frente. Um talento em erupção.

São muitas as grandes interpretações dessa gaúcha que despontou cantando “Arrastão” de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Muitos os amores que marcaram sua alma, as dores que comprimiram seu peito e lhe fizeram sair de cena em definitivo em 1982 provocando comoção nacional.

Trinta e um anos se passaram e a certeza que fica é que Elis nunca será esquecida.

Assim como Maysa Matarazzo


Outra da escola de Elis Regina de dramaticidade. Casou-se nova com um homem dezessete anos mais velho e seu casamento ruiu quando decidiu levar a música a sério. Mulher de muitos amores, muitas desilusões.

Eu sempre digo que a infelicidade é uma arma a favor do artista e Maysa aproveitou bem para se tornar uma das grandes do gênero samba canção e fossa. Sua voz passava melancolia, tristeza, mas também beleza.

Muitos são seus sucessos como cantora e compositora. Destacam-se “ouça”, “meu mundo caiu”, “tarde triste” e a magistral interpretação da canção francesa “ne me quitte pas”.

Não conseguiu o mesmo sucesso na vida pessoal. Depressiva começou a beber demais e usar medicamentos. Isolada, solitária morreu com apenas quarenta anos em um desastre automobilístico na ponte Rio-Niterói enquanto ia pra sua casa de Maricá.  Com apenas quarenta anos uma das vozes mais bonitas e dramáticas do Brasil se calava. Uma vida em alta velocidade que deixou como última anotação a frase “Hoje é novembro de 1976, sou viúva, tenho 40 anos”.

Vidas que se interrompem cedo, no auge da maturidade artística. Vidas que não conseguem muitas vezes acompanhar o sucesso das carreiras.

Combinação drogas, bebida e talento já me puxou outra estrela na mente.

Cássia Eller.


Cássia era nitroglicerina pura, furacão, tsunami que devastou o cenário da nossa música antes mesmo daqueles na Ásia. Homossexual assumida, mulher de atitude, coragem que pôs um filho no mundo em produção independente, assumiu caso com integrante de sua banda e mostrou os seios no rock in rio.            

Cássia podia ser debochada cantando que não era mais uma garotinha, podia ser doce lembrando que um dia chegamos a acreditar que tudo era pra sempre e o pra sempre sempre acaba.

Podia ser raivosa cantando Nirvana, a mãe do Chicão, a voz do rock nacional que respira por aparelhos numa UTI, a saudade que fica em toda uma geração.

Cássia faz falta. Sua rebeldia que podia virar doçura preenche com ausência sentida o nosso cenário artístico. Tão imprevisível nas atitudes foi previsível na hora de morrer. Morreu de enfarte. Mais um coração que não agüentou tantos excessos.


E ela nem esperou o segundo Sol chegar.

E pra finalizar um ser de luz sobre a coluna.

Clara Nunes.


Mais uma que chegou apenas aos quarenta anos e deixou uma saudade imensa até hoje. Portelense, umbandista, cantou suas paixões como ninguém e vendeu discos como ninguém também sendo a primeira cantora brasileira a ultrapassar as cem mil cópias vendidas.

A sambista mineira, mas com alma carioca se consagrou como uma das cantoras mais populares do Brasil nos anos 70. Nesse período e nos anos 80 gravou grandes sucessos como “menino Deus”, “o mar serenou”, “canto das três raças”, “morena d`angola” e “Portela na avenida”. O verdadeiro hino da escola de Madureira.

Clara não teve drama com drogas e bebidas como as de cima, mas teve também seu sofrimento pessoal. A cantora tinha como um de seus sonhos ter um filho e sofreu três abortos espontâneos por miomas no útero que acabou sendo removido. A obsessão se transformou em sofrimento e trouxe abalos emocionais.

Em 1983 se internou para uma simples cirurgia de varizes e não mais voltou. Morte cercada de polêmicas onde até bruxaria é cogitada. Clara agonizou por 28 dias e seu velório foi realizado na quadra da Portela que tanto amava para cinquenta mil pessoas.

Clara foi muito homenageada. Logo após a morte com a música “Ser de luz” de Paulo César Pinheiro (seu marido) e Mauro Duarte com interpretação magistral de Alcione. No ano seguinte fez parte do enredo da Portela.

Dizem que na hora que a Portela entrou na avenida pra cantar “É cheiro de mato, é terra molhada, é Clara Guerreira, lá vem trovoada” começou a trovejar na Marquês de Sapucaí. Era o trovão de Clara anunciando sua presença com a escola na avenida em seu último título do carnaval.   

Clara claridade, ser de luz que nasceu pra fazer feliz os corações dos brasileiros. Clara era uma entidade, uma força da natureza.


Quatro grandes cantoras que partiram muito cedo. A sorte que o artista não morre, se torna imortal através de sua obra e muitas pessoas que nasceram após essas mortes tem a oportunidade de conhecer seus trabalhos e virar fãs.

As vozes de Elis Regina, Maysa, Cássia Eller e Clara Nunes superam o tempo e o espaço.


Vozes que entram na onda sonora da emoção.










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