UNIÃO DA ILHA EM CINCO CARNAVAIS MAIS UM


Dando prosseguimento a sério “Cinco carnavais” chegou um momento importante para mim. Onde eu falarei de amor. Onde falarei da União da Ilha do Governador.

Nunca neguei ser torcedor da União da Ilha. Por causa dela me apaixonei por carnaval. Por causa dela em cada ano de minha infância e adolescência eu parava na frente de uma televisão sozinho para assistir a seus desfiles e me emocionar. Por causa dela me enchi de coragem e em junho de 1997 fui até sua quadra pela primeira vez pegar uma sinopse, a de “Fatumbi, a Ilha de todos os santos”. Por causa dela sou compositor e a ela devo muito do que consegui no samba até hoje.

A União da Ilha foi fundada em 7 de março de 1953. Seus fundadores foram Mauricio Gazelle, Joaquim Lara de Oliveira, o Quincas, Orphylo Bastos e mais 59 sócios.    

A ideia de criar a escola surgiu dois dias antes quando os amigos, assistindo ao desfile das pequenas escolas do bairro, decidiram que deviam criar uma agremiação que representasse o bairro da Cacuia. Juntaram-se a outros amigos do time de futebol “União Futebol Clube” e dois dias depois a escola foi criada no armazém de Mauricio.

Entre 1954 e 1959 foi vencedora do desfile do bairro se associando em 1960 a Associação das Escolas de samba. Começou no terceiro grupo e em 1961 foi vice-campeã alcançando o segundo grupo. Em 1974 chegou ao grupo principal ficando lá até 2001 e retornando em 2009. 

Nunca foi campeã do carnaval, mas é uma das escolas de samba de maior torcida e das mais simpáticas de nosso país, além de ter os sambas mais populares. Suas cores são azul, vermelho e branco e seu símbolo uma águia em homenagem a madrinha Portela.

União da Ilha de Mauricio Gazelle, Quincas, Orphylo Bastos, Paulo Amargoso e Jucy Curvello. De Peixinho, Beto Maia, Giovanni Riente e Ney Filardi. De Maria Augusta, Max Lopes, Arlindo Rodrigues, Ney Ayan e Alex de Souza. De tia Noêmia, João Sergio, Mestre Paulão, Mestre Bira, Mestre Odilon, Mestre Riquinho, Deise Nunes e Bruna Bruno. De Quinho, Ito Melodia, Waldir da Vala, Aurinho da Ilha, Leôncio, Robertinho Devagar, Mestrinho e Edinho Capeta. De Bujão, J.Brito, Carlinhos Fuzil, Mauricio 100, Marquinhus do Banjo, Almir da Ilha, Alberto Varjão, Marcio André e Djalma Falcão. De Gugu das Candongas, Marcio André Filho, Gabriel Fraga, Junior Nova Geração, Ginho, Serjão do cavaco e Vinicius do Cavaco. De Cadinho da Ilha, Roger Linhares, Fabiano Fernandes, Raphael Ilha, Jorginho, Walkir, Ronald e Cesinha.

União da Ilha de Didi, Franco e Aroldo Melodia.

União da Ilha de “Lendas e Festas das Yabas” 1974, “Nos Confins de Vila Monte 1975”, “O que será” 1979, “Bom bonito e barato” 1980, “1910 deu burro na cabeça” 1981, “Assombrações” 1986, “Sonhar com rei da João” 1990, “Sou mais minha Ilha” 1992, “Abrakadabra o despertar dos mágicos” 1994, “Fatumbi. a Ilha de todos os Santos” 1998, Chega em seu cavalinho azul uma bruxinha boa. A Ilha trouxe do céu Maria Clara Machado” 2003,  “Viajar é preciso – Viagens extraordinárias através de mundos conhecidos e desconhecidos” 2009, “Dom Quixote de la Mancha..O cavaleiro dos sonhos impossíveis” 2010, “O mistério da vida” 2011.

União da Ilha..Minha. A minha União da Ilha.

Que eu conto agora em cinco carnavais que me moldaram como compositor, sambista e homem.   


DOMINGO 1977


Samba de Aurinho da Ilha, Ione do Nascimento, Ademar Vinhaes e Waldir da Vala.

O maior samba da União da Ilha, um dos maiores de todos os tempos e o único samba da agremiação vencedor do prêmio “Estandarte de Ouro” de melhor samba do grupo.

A União da Ilha estreara em 1975 com um excelente samba, mas ainda era considerada uma escola pequena. Tinha como carnavalesca Maria Augusta, oriunda do Salgueiro e discípula de Fernando Pamplona. Mostrava uma ideia diferente de carnaval. O “Bom, bonito e barato”. Pouco gasto, mas mantendo qualidade e beleza.

O carnaval naquele tempo passava por uma transformação. Vivia a “Era Joãosinho Trinta” que vinha de um bicampeonato no Salgueiro e um título com a Beija-Flor. João usava e abusava do luxo, riqueza e tinha como lema “pobre gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual” para justificar seus carnavais gigantescos.

A Ilha era a “anti-Beija-Flor” e mais do que nunca mostrava isso no ano de 1977. A humilde, mas simpática escola da Ilha do Governador escolhera um enredo tão simples quanto ela para o carnaval. Falaria sobre o domingo.

Sim, o domingo. Mostrava como era o domingo do carioca desde o amanhecer do Sol até sua noite. Como ele se divertia, como era seu lazer. Algo impensável no carnaval de hoje.   

A escola entrou simples na avenida, mas linda. Balões coloridos formavam o nome “Domingo” na frente da escola. Desfilantes vestiam camisas de clubes de futebol, outros soltavam pipas. Uma grande festa, uma grande farra. A União da Ilha não desfilou simplesmente, ela brincou carnaval como ele devia ser.

Brincando carnaval assustou a gigante Beija-Flor e por pouco não foi campeã. Talvez não só a União da Ilha tenha perdido o desfile de 1977, mas o samba de repente também perdeu o carnaval. Por mais lindo e impactante que tenha sido o que a Beija-Flor e João fizeram o rumo poderia ter sido outro se tivessem escolhido o “Domingo colorido pelo Sol”.

Mas o insulano tem orgulho de seu domingo. Orgulho de seus carnavais simples e briosos onde as pipas bailam pelo ar.

O carioca segue o domingo feliz ao som da União da Ilha.


O AMANHÃ 1978


Samba de João Sergio.

A União da Ilha era um grande celeiro de craques. Grandes compositores que abrilhantaram não só o carnaval, mas a música popular brasileira e belos sambas surgiam com extrema facilidade pelas mãos dos poetas insulanos.

Surgiam com tanta facilidade que fez seus poetas se tornarem exigentes e eles mesmos às vezes não acreditavam nesses sambas e dessa forma renderam histórias inusitadas.

O maior deles, Didi, estava em um bar do Cocotá, bairro da Ilha do Governador rabiscando uns versos para o enredo “O Amanhã” que a Ilha desfilaria em 1978.

Didi escrevia, amassava, escrevia, amassava não se satisfazendo com nada.  O compositor do bloco Boi da Freguesia e mestre de bateria da Ilha chamado João Sergio chegou no bar e perguntou a Didi o que ele fazia. O compositor respondeu que tentava fazer o samba e não conseguia.

João olhou um papel e achou interessantes os versos “A cigana leu o meu destino / Eu sonhei..”. Disse isso a Didi que respondeu que não gostara. João perguntou se podia musicar a letra e concorrer com ela na escola e foi autorizado.

João pediu licença da bateria e musicou. Chamou dois amigos, cantores do Boi da Freguesia, para defender o samba na escola. O samba chegou à final, justamente contra o samba de Didi.

João Sergio venceu o concurso que mudou a história de sua vida. “O amanhã” tornou-se imortal, um hino da União da Ilha sendo regravado por diversos cantores da MPB. O ex-mestre de bateria que acreditou nos versos do papel amassado mora hoje no Nordeste e tem uma feliz e tranquila velhice graças a cigana que leu seu destino.

Curioso que fuçando o site “Galeria do samba” vi o debate entre os membros da premiação Estandarte de Ouro de 1978 e ali vi o Sergio Cabral chamando o samba de marchinha e qualidade duvidosa. É, ele não sabia o que viria depois. Os grandes também erram e com Cabral não foi diferente. 

João Sergio e seu amanhã são clássicos e é um orgulho muito grande tê-lo como amigo.


É HOJE 1982


Samba de Didi e Mestrinho.

A União da Ilha viveu uma época de ouro entre 1977 e 1982. Grandes sambas, belos desfiles que fizeram a escola bater na trave algumas vezes atrás do tão sonhado título como em 1977 e 1980.

Enredos simples como o domingo de um carioca, a dúvida sobre o amanhã, a preparação de um desfile de escola de samba, o contar de como era seu desfile bom, bonito e barato ou relembrar o Rio de 1910 eram a tônica da União da Ilha e para 1982 seguiria o mesmo estilo.

Para aquele ano a União da Ilha resolveu falar do carnaval, do seu carnaval. Pela primeira vez utilizou a expressão “atravessar o mar” para contar sua ida à avenida. Um samba forte, alegre e bonito ao mesmo tempo. Com versos marcantes como “Será que eu serei do dono dessa festa”, “Levei o meu samba pra mãe de Santo rezar”, “É hoje o dia da alegria” e o refrão que entrou para a história da música brasileira “Diga espelho meu / Se há na avenida alguém mais feliz que eu”.

Desfile alegre, feliz, onde as pessoas se divertiam. Interação com público e samba dos mais cantados do ano e da história do carnaval. Tudo com a marca União da Ilha, que infelizmente não foi o suficiente para fazê-la campeã do carnaval. Naquele ano o Império Serrano venceria pela última vez com um grande desfile onde não escondeu gente bamba atrás de super alegorias.

Mas a União da Ilha já era a campeã do povo que elegera a escola mais simpática da cidade e consagrou seus sambas. Mais um samba que artistas da MPB regravaram e eu já torcedor da escola descobri com surpresa e orgulho que aquela famosa música regravada até por Caetano Velloso era um samba-enredo da agremiação que eu torcia.

Alguns anos depois na semana de aniversário do colégio que eu estudava os professores adaptaram o samba para o dia a dia da escola. Nunca poderia imaginar que um dia eu faria parte da União da Ilha e “É Hoje” faria parte da minha vida.

Diga espelho meu. Se há na avenida alguém mais feliz que eu.


FESTA PROFANA 1989


 Samba de Bujão, J.Brito e Franco.

Vocês já devem estar cansados de ler isso, mas prometo que será a última. 1989 é o ano que não acabou, o ano dos grandes desfiles onde algumas escolas se superaram e mesmo assim não foram campeãs.

É o caso da União da Ilha.

Primeira vez que vi a letra de “Festa Profana” foi em uma lanchonete perto da minha casa. Ela estava fixada na parede e li. Achei nada demais, fraca e voltei pra casa decepcionado.

Eu já era torcedor da União da Ilha fervoroso, mas além de não frequentar ensaios não existia internet então essa era a forma de conhecer o samba. Fixado em uma parede.

Escrevendo nesse instante me vem uma dúvida. Será que o samba já fora escolhido ou a lanchonete estava lhe apoiando ainda concorrente? Nunca saberei. 

Comecei a ouvir o samba no pré-carnaval e ele foi me conquistando aos poucos Em uma ida para Magé tocou no carro que seguíamos e a mulher de um primo de minha mãe cantou fazendo carinho em seu marido o “Lança perfume no cangote da menina” e depois comentou com ele “Você nunca fez isso.”

Sim!! Era isso!! Isso era carnaval pra mim!! A festa, a brincadeira, o casal apaixonado dançando junto, o lança perfume no cangote da menina. Era aquele tipo de carnaval que me fizera apaixonar e a minha escola era especialista nisso.

A Ilha brincou na avenida fazendo um grande carnaval. Divertida, feliz, sacana trazendo Enoli Lara completamente nua em um carro. Os casais dançavam gafieira na pista, o andamento cadenciado valorizando o samba que não era uma obra-prima musical, mas era uma obra-prima da alegria. Uma onde à felicidade. Ao porre de felicidade.

A União da Ilha com aquele desfile delicioso teria sido finalmente campeã em qualquer ano, menos em 1989 quando Imperatriz e Beija-Flor decidiram fazer os maiores desfiles da história do carnaval.

Mas seguimos o que o rei mandou e estávamos ali no desfile das campeãs felizes e orgulhosos.

O Sol brilhou naquela noite com o desfile da Ilha.


DE BAR EM BAR DIDI UM POETA 1991


 Samba de Franco.

O que acontece quando dois gênios se encontram? Pode acontecer a criação da maior banda de rock de todos os tempos como John Lennon e Paul McCartney fizeram. Pode acontecer um dos maiores filmes que já existiu como Marlon Brando e Al Pacino em “O poderoso chefão”, pode fazer o melhor futebol que esse planeta já viu como Pelé e Garrincha na copa de 1958.

Pode nascer um samba-enredo imortal como quando ocorreu a união entre Didi e Franco.

Não. Eles não compuseram esse samba juntos. Infelizmente Didi já era falecido em 1991, mas Franco não. Esse estava no auge da vida e da genialidade pra compor sambas.

Então por quê associei um ao outro? Porque o primeiro era o homenageado e o segundo fez a homenagem.

O enredo de 1991 foi sobre Didi, o famoso advogado Gustavo Baeta Neves que encontrava no samba, no carnaval e na cerveja gelada a felicidade e a inspiração. Sua vida boemia cobrou seu preço em 1987 quando faleceu, mas Didi tornou-se um dos principais nomes da história da União da Ilha.

Foram vinte e quatro sambas ganhos no total. Alguns dos principais sambas da Ilha tiveram sua assinatura ou sua inspiração e nada melhor que o outro grande compositor insulano para fazer o samba em sua homenagem.

Franco é a cara da União da Ilha. Autor de sambas alegres, fortes, irreverentes o compositor arriscava ao máximo na hora da composição que poderia ser um grande erro ou genial. Subia ao palco cantando devagarzinho sua composição e fazendo a marcação da obra batendo com seu pé no chão. Geralmente com um tamanco que fazia um grande barulho.

Isso se tornou marca registrada não só dele como das disputas de samba da União da Ilha. Até hoje tem gente que jura que quando a escola está vazia, em silêncio, dá para ouvir o tamanco de Franco batendo no piso do palco.

Franco que se arriscava, acertou em cheio no samba para Didi. Não fez uma homenagem “recorte / colagem” jogando na letra a esmo seus sambas. Seguiu o lado boêmio do compositor, seu amor aos bares, a cerveja, ao carnaval. A vida.

Um grande samba, mais um samba imortal da União da Ilha que não teve um carnaval do nível que merecia. Mas juntando Franco, Didi e outro imortal, Aroldo Melodia, no canto a União da Ilha homenageou seus bambas e a ela mesma.    

Saudade de você Didi.

E de vocês também Aroldo e Franco.


Normalmente encerraria o texto aqui. Mas como vocês podem ver no título está “cinco carnavais mais um” e explico porque.


DE LONDRES AO RIO: ERA UMA VEZ..UMA ILHA 2012


 Samba de Alan das Candongas, Alberto Varjão, Aloisio Villar, Cadinho da Ilha, Carlinhos Fuzil, Eduardo Conti, Fabiano Fernandes, Marcio André Filho, Marquinhus do Banjo e Roger Linhares.

Não. Não está entre os cinco melhores, está longe disso e nem pode ser listado entre os grandes do começo do texto. Mas é essencial, fundamental para mim.

É o samba da realização de um sonho. Um sonho de uma pessoa que aos oito anos de idade descobriu que existia uma escola de samba em seu bairro e se tornou torcedor apaixonado dela. Que sofria, se emocionava, chorava vendo pela tv mesmo quando foi morar no Mato Grosso.

Sozinho enquanto todos os amigos brincavam carnaval via pela tv e tentava sintonizar uma rádio do Rio para saber o que achavam do desfile.    

O garoto de oito anos cresceu, virou adolescente, adulto e por obra do destino compositor de samba-enredo. Compositor da escola do coração.

Começando aí uma história de amor e mágoas. Alegrias e ressentimentos. Mas uma história, uma grande história que teve algumas interrupções ao longo dos anos, mas está longe do fim até porque o compositor pode viajar por outras escolas, mas o coração continua com o menino na frente da tv. 

O menino que junto a parceiros inesquecíveis fez uma loucura gastronômica colocando molho inglês na feijoada e fazendo dessa estranha comida a mais saborosa de sua vida no samba.

Não é um dos melhores sambas ou desfiles da história da União da Ilha, mas é o meu samba, o meu desfile e isso nunca irá se apagar.

Os anos irão passar, outros sambas surgirão, a União da Ilha terá grandes momentos, mas quando o menino estiver velhinho e estiver na frente da TV vendo mais um desfile da escola do coração dará um sorriso cúmplice consigo mesmo e dirá:

Eu faço parte disso aí.

Batucando seu samba com rock`n roll.


Bem..Aí estão os cinco carnavais da União da Ilha. Escola que passou por crise, momentos ruins, mas se recuperou voltando ao seu lugar e a cada ano mostra crescimento. A União voltou como seus componentes cantam e pra ficar.

Procurei na internet o samba exaltação da escola e o samba feito por Franco e Ito melodia. Mas não achei nenhum dos dois em forma completa ou com bom áudio então divido com vocês uma preciosidade. O samba que Aroldo Melodia e Franco perderam no enredo “É hoje”.


Semana que vem vamos para Caxias. Imponho sou Grande Rio.


*Faltou dizer que a União da Ilha era de uma pessoa. De Helio Giraldo Junior, o Helinho. Baluarte do Boi da Ilha e da União Helinho era o cartão de visitas da União da Ilha, a porta de entrada.

O primeiro rosto que víamos ao chegar na escola e dávamos um sorriso ao lhe ver por ter certeza que estávamos em casa.

Mesmo atarefado Helinho parava, nos dava um abraço e fazia alguma brincadeira. Dono de um humor sagaz e provocativo Helinho gostava de tirar uma onda com os compositores dando lhe apelidos e zoando com a disputa por saber como somos paranoicos. Gostava de dar notas aos sambas concorrentes sempre dando notas mais altas para os de seus familiares irritando alguns concorrentes. Mas sabíamos que era tudo uma grande farra. 

O provocativo Helinho nos provocou novamente pregando uma peça semana passada e partindo para se juntar a outros grandes nomes da União da Ilha no céu para nos proteger. Vá com Deus amigo. Você vai fazer falta.


E as lágrimas de alegria e dissabor modificam o rosto do poeta..



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