JACKSON MARTINS, NÓS E A BEIJA-FLOR: 10 ANOS
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 21/7/2013
Está se
aproximando a hora de começar as disputas de samba-enredo, época que vivencio
mais o carnaval e começará a temporada de 2014. Nossa, o tempo voa. Comecei em
1997 e lembro como se fosse ontem.
Ao mesmo
tempo que com parceiros escrevo o samba concorrente escrevo para o meu blog ( www.aloisiovillar.blogspot.com)
uma série chamada “cinco carnavais” onde falo um pouco sobre a história da
agremiação e cinco carnavais dela que me marcaram como sambista e compositor. A
série é publicada todas as quartas, começou com a Portela e já escrevi sobre
quatorze escolas. A próxima é a Caprichosos de Pilares.
Escrever
o samba de 2014 e pesquisar sobre a história da Caprichosos rapidamente me
remetem a um nome que faz parte da história de Pilares, do carnaval e da minha história
no samba. Faz-me lembrar de Jackson Martins.
Jackson
era muito querido por nós e sua morte até hoje é nebulosa. Foi assassinado com
tiro na cabeça na frente da família na porta do local que fazia shows. Até hoje
o crime não foi elucidado, os criminosos estão impunes e um boa dezena de
teorias sobre o assassinato surgiram durante os anos, algumas bem fortes.
Mas
infelizmente Jackson partiu. Essa é a única certeza.
Jackson
Martins e sua presença como um cometa na Terra me leva ao ano de 2003, dez anos
atrás.
Decidimos escrever para a Beija-Flor naquele ano graças a amizade que fizemos com Jackson Braga, um compositor da escola. A Beija-Flor era, como é hoje, uma potência do nosso carnaval, era a detentora do título e tinha uma ala de compositores poderosa. Enfim, um imenso desafio como viveremos na Portela para esse ano.
A
parceria foi formada pelo Jackson, eu, Paulo Travassos e Cadinho e pedimos
ajuda ao nosso amigo e parceiro Roger Linhares na elaboração do samba. Ele não
poderia cantar nem assinar porque já era um dos cantores da parceria de
Wilsinho Paz, mas não deixaria de nos ajudar.
Fomos até
a casa dele e fizemos a primeira do samba e refrão do meio. Ficaram muito bons.
Modéstia a parte meu jeito de fazer letra se encaixou de cara com o estilo da
Beija-Flor, coisa que em outras escolas não acertei até hoje e meus parceiros
foram muito felizes na melodia.
A coisa
ficara tão boa que o Roger mostrou o que fizemos ao Djalma Falcão, compositor
consagrado da União da Ilha e a Mingau, campeoníssimo da Grande Rio e os dois
se apaixonaram de cara. Não só se apaixonaram como pediram para fazer parte,
queriam fazer a segunda do samba.
Deixaram
nossa primeira intacta, mexeram um pouco no refrão do meio, mas mantendo nossa
essência e criaram uma segunda espetacular e o refrão principal. Nos
encontramos para finalizar o samba, passar em cavaco e surgiu assim o melhor
samba da minha vida sem contar o Orun Aye.
Infelizmente
não tenho como colocar o áudio aqui, mas acredito que exista na internet. A
letra é essa.
Manoa,
Manaus, Amazonas
Terra
santa que transmite a paz
Faz bem
ao corpo equilibra a alma
Santuário
de riquezas naturais
Império
de bravos guerreiros
A
ganância do homem despertou
Vem a
chuva e molha a mata
São as
lágrimas dos deuses
Mãe
natureza padece
Em teu
seio estão rezando nova prece
Em busca
do Eldorado vem de lá
A maldade
navegando rio mar
O demônio
ficou cego de ambição
E não viu
o ouro verde pelo chão
Assim vi
reluzir
O amor da
mulher guerreira
A dor e o
misticismo espalhando proteção
Virá, da
luz virá
O fruto,
a flor dos deuses, quem provar
Vai
gostar, irá por certo dar valor
Ao doce
sabor do guaraná
No ar o
progresso e a cultura
Como
vendaval vem a civilização
Manaus
querem lhe transformar em Paris
Bela
cidade, raiz
Sonha em
ser feliz
Vai voar
meu Beija-Flor, em liberdade
Planta a
semente de amor e paz
Pra
colher felicidade
Alguns
dias depois o Roger me liga dizendo que o Mingau conseguira um patrocínio e que
com esse patrocínio contratara o Jackson Martins, cantor da Caprichosos de
Pilares, pra defender o samba e me perguntou o que eu achava. Claro que adorei,
Jackson era um dos grandes cantores da época, a maior revelação do carnaval.
Assim
começava nossa história com ele. Uma história inesquecível.
Foram
mais de doze horas de gravação. Jackson levou sua equipe de confiança para o
estúdio. Cordas, coro, ele era minucioso no trabalho, detalhista e com ouvido
com muita sensibilidade musical notava erros quase imperceptíveis para seres
humanos comuns. Mantinha sempre o sorriso, a voz calma, de quem sabe que ela é
seu instrumento de trabalho, na hora de corrigir seu grupo e era muito
brincalhão.
Em um dos
intervalos da gravação disse que já conseguia imaginar o samba na avenida e
cantou o mesmo imitando uma mulher em carro alegórico segurando em uma haste do
carro e mandando beijinhos para o público.
Muitas
horas depois chegou sua hora de gravar e que show. Gravou quase sem ter que
repetir, quase sem erros tendo domínio total sobre seu trabalho, uma de nossas
melhores gravações.
Alguns
dias depois a parceria estava na Beija-Flor esperando o sorteio das chaves que
se apresentariam desde aquela segunda até sexta-feira. Eram 107 sambas, muita
coisa e pra nossa sorte ou azar caímos pra nos apresentar já naquele dia.
Fui ao
banheiro para assim sair do barulho e liguei para o Jackson dizendo “é hoje,
vem logo pra cá”. Com voz mansa ele respondeu “to indo” e desligou.
A hora da
apresentação se aproximava e nada de Jackson para nosso desespero. Eu ligava e
ele respondia “To chegando, to na Brasil” em referência a Avenida Brasil. Essa
expressão “To na Brasil” virou uma brincadeira nossa até hoje que usamos quando
alguém está atrasado.
Chegou
faltando dois sambas para nosso alívio. Sentou-se, pediu uma água quente, bebeu
um pouco e foi para o palco.
Chegando
lá deu um sorriso com o microfone na mão e perguntou se todos tinham prospectos
na mão, meu parceiro Cadinho que era sua base no samba usa essa técnica até
hoje quando pega o microfone, as pessoas mostraram as letras do samba e ele
sorrindo pediu ao cavaco o tom mandando depois “Chegou Beija-Flor!! Vem no
batuque meu povo!!” .
O que se
viu depois foi um show. Ele não fazia força para cantar, cantava sorrindo e
conquistou a quadra. A parceria de desconhecidos chamou a atenção não só do
público como da comissão de carnaval a ponto de Shangai, um dos membros da
comissão, levantar e imitar um beija-flor voando no refrão.
Eram 107
sambas e fomos passando semana a semana porque o samba era bom pra cacete e no
carisma do Jackson. Ele “abraçou” o samba, carregou no colo em nossa
dificuldade de colocar torcida, brincava com amigos cantores como Serginho do
Porto que fez descer de seu carro para ouvir nosso samba que tocava em seu cd
player e cantava o samba para Serginho dizendo que iria vencer.
Continuava
chegando quase na hora dizendo que estava na Brasil e nos agoniando. Com o
tempo desconfiamos que ele chegava bem antes e ficava escondido dentro do carro
no estacionamento para descansar e também nos sacanear.
Graças a
isso tudo viramos um dos favoritos do concurso junto com o samba do Wilsinho
Paz que era defendido pelo Roger e por Wander Pires. Mas continuávamos com
problemas em por torcida e sabíamos que isso uma hora poderia prejudicar.
E
aconteceu.
Com 8
sambas no concurso nos apresentamos e esperamos o resultado. Um samba seria
cortado e ficariam apenas 7, lembrando que começou com 107. Demoraram muito
para dar o resultado e um clima estranho se instaurou na quadra. Depois da
longa reunião entregaram o resultado para o locutor que fez cara feia e disse
ao microfone “Não gostei hein seu Gilson” se referindo a Gilson DR. O
presidente da ala de compositores.
Anunciaram
os 7 e não estávamos, o samba caiu.
Foi um
baque. Esperávamos chegar ao menos na final e coube a mim contar ao Djalma,
Mingau e Jackson que o samba caíra. Tudo na normalidade apesar da tristeza.
Problema foi quando contei a minha mãe que começou a chorar copiosamente. Nunca
chorei por samba ser eliminado, só em vitórias, mas vendo o desespero dela
quase não aguentei.
Fomos
para casa e a vida seguiu. Mais um samba caiu e os seis que restaram foram para
o barracão conversar com a comissão de carnaval e autorizados a mexer nos
sambas. Cláudio Russo e parceria, que até então não eram muito cotados, foram
muito felizes e com as mudanças ficaram com um sambaço.
Voltei à
quadra para a final e nela vi o samba do Russo arrasar e no camarote Neguinho
da Beija-Flor junto com Jackson pularem e cantarem feito doidos o samba
concorrente. Tava na cara que venceria e venceu.
O “Se
Deus me deu vou preservar / Meus filhos vão se orgulhar” foi pra avenida, tirou
dez, a escola foi bicampeã e o samba entrou para a história da Beija-Flor. O
nosso também teria entrado, tenho certeza, mas a história é contada pelos
vencedores.
A última
vez que vi o Jackson foi na festa da ala de compositores da União da Ilha em
2004. Fez questão de se aproximar de mim e de Cadinho e de nos dar um abraço
bem apertado. Disse zoando “Vão botar mais samba na Beija-Flor não né?” devido
a falta de torcida, ele zoava que tínhamos desperdiçado um grande samba.
E
desperdiçamos mesmo.
Mas
voltamos a botar sim, na disputa para o carnaval de 2005 estávamos lá na
estreia que foi diferente. Foi com uma missa em memória a Jackson Martins. Com
a escola relembrando que ele começou ali sua caminhada como cantor e citou
nossos nomes pra dizer que foi o último samba que ele cantou na
agremiação.
Samba que
ele nos disse depois de uma eliminatória que foi o melhor que ele cantara na
Beija-Flor em toda sua vida.
E você
também foi um dos melhores cantores que tivemos Jackson.
Não sei
como você estaria hoje, em qual escola, se teria defendido outro samba nosso ou
mesmo se lembraria da gente e daquela aventura em 2003. Só sei que você faz
muita falta ao mundo do samba, a seus amigos, a todos que você passou pela
vida.
Como o
beija-flor foi voar em liberdade. Voando pela imensidão segurando numa haste,
mandando beijinhos ou mesmo com sorriso no rosto, segurando microfone e
perguntando se os anjos estão com prospectos nas mãos.
Nos
sambas da vida e de além vida acredito você é um dos grandes e se Deus gostar
de escrever uns sambistas tenho certeza que você é um de seus intérpretes
favoritos.
Dez anos
de nosso encontro, nove que partiu, passou rápido demais.
Abaixo sua música de maior sucesso fora do carnaval. Uma raridade no youtube que consegui encontrar
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