SÃO CLEMENTE EM CINCO CARNAVAIS


Dando prosseguimento a série “cinco carnavais” hoje escrevo sobre uma escola de samba conhecida por seus enredos críticos e que por muito tempo se dividiu entre o grupo principal e de acesso, mas que nos últimos anos vem mostrando crescimento e se firmando entre as principais escolas do Rio de Janeiro. Falo da São Clemente.

Em meados de 1953 jovens participavam de um time de futebol que se chamava São Clemente Futebol Clube. Em homenagem a rua que moravam.

Freqüentemente faziam excursões e para uma dessas enquanto aguardavam a viagem Ivo da Rocha Gomes avistou na porta de uma quitanda duas barricas vazias de uvas que de imediato se transformaram em instrumentos de percussão de uma animada batucada.

A empolgação foi tanta que decidiram criar um bloco de sujos que passou a desfilar no carnaval pelas ruas de Botafogo com as cores azul e branca. As mesmas do time de futebol.

Em 1962 passou a desfilar no terceiro grupo pela Av Rio Branco e em 1964 conquistou seu primeiro título subindo para o segundo grupo.

Em 1967 estreou no grupo principal e variou entre os grupos até o ano de 2010 quando subiu e não mais desceu.

Suas cores são o preto e o amarelo.

São Clemente de Ivo da Rocha Gomes, Ivan da Silva Vasconcellos, George Avelino, Ricardo Almeida Gomes e Roberto Almeida Gomes. De Carlinhos Andrade, Roberto Costa, Lane Santana, Milton Cunha, Mauro Quintaes e Fabio Ricardo. De Gleice Simpatia, Marcelinho, Marquinhos Harmonia, Mestre Caliquinho, Denadir, Fabrício Pirez e Bruna Almeida. De Izaías de Paula, Anderson Paz, Clovis Pê, Leonardo Bessa e Igor Sorriso. De Helinho 107, Cláudio Filé, Reginaldo Bessa, Ricardo Góes, Eugênio Leal, Paulo Renato, Rodrigo Índio e Fabio Rossi. De Diego Mendes, Armandinho do cavaco, Alexandre Araújo, Rodrigo Telles, Junior Duarte e Armando Daltro. De Flavinho Segal, Victor Alves, Gabrielzinho Poeta e Paula Ranieri.

São Clemente de “Não corra, não mate, não morra – O diabo está solto no asfalto” 1984, “Quem casa quer casa” 1985, “Quem avisa amigo é” 1988, “Maiores são os poderes do povo! Se liga na São Clemente!” 1998, “Guapimirim, paraíso ecológico abençoado pelo dedo de Deus” 2002, “Mangaratiba, uma história de luta para todos que amam a Terra e a liberdade” 2003, “Barrados no baile” 2007, “O Clemente João VI no Rio: A redescoberta do Brasil” 2008, “Choque de ordem na folia” 2010, “Horário nobre” 2013.

São Clemente que agora conto em cinco carnavais que me moldaram como sambista e compositor.       


CAPITÃES DO ASFALTO 1987   


     
Samba de Izaías de Paula, Jorge Moreira e Manuelzinho Poeta.

Como eu já disse algumas vezes 1987 foi um grande ano de desfiles e sambas de enredo. Sambas românticos como de Portela e Salgueiro em que cantavam a esperança em um mundo melhor. Sambas alegres como da Estácio que cantava o ti-ti-ti no Sapoti e da União da Ilha que dizia “Extra! Extra! Deu Ilha na cabeça”. Sem rimas como da Vila, homenagens como da Mangueira, revolucionários como da Mocidade.

E sérios como de uma até então pequena escola de Botafogo. Indo mais além eu diria sério e triste. O mais sério e triste desde “Os Sertões”.

Apesar de eu preferir sambas alegres sei também que o samba-enredo tem que ser um lugar de seriedade e alerta e foi isso que a São Clemente fez em 1987. Já há alguns anos cantando enredos críticos a preta e amarela levou os meninos de rua para a Sapucaí. Com valentia e audácia pôs o dedo na ferida, tocou em um assunto que incomodava e incomoda até hoje constrangendo poderosos e classe média em um local que seria de diversão.

Mas dessa forma passou a mensagem para o mundo inteiro. A mensagem do menino pobrezinho que acorda bem cedido pra vender bala no trem e muitas vezes é abandonado sendo bem ou maltratado na chamada Funabem. Que nem existe mais, mas o maltrato, a escola de formação de bandidos continua a mesma.   

A São Clemente deu um soco no estômago da alienação e de quem achava que a vida era só confetes e serpentinas conseguindo o que era até então sua melhor posição em um desfile do grupo principal alcançando o sétimo lugar.

Samba bonito, forte, sério em tom menor, quase um lamento. Um lamento na verdade.

Lembrou não só da existência dos capitães do asfalto quanto do seu próprio existir.



E O SAMBA SAMBOU 1990



Samba de Helinho 107, Mais Velho, Nino e Chocolate.

Coube a São Clemente o papel da “chata” para mostrar sua existência no carnaval das grandes escolas. Enquanto as outras eram clássicas, ousadas ou irreverentes a São Clemente pegou para si a pecha da crítica, da reclamação, da denúncia que tanto faz falta hoje em dia nesse carnaval que as escolas abaixam a cabeça. Em 1990 ela veio com mais um tema crítico, mas ao contrário de 87 quando veio séria nesse foi para o lado da ironia.

Em 1982 o Império Serrano já tinha tocado no tema de leve quando falou do carnaval antigo e no fim citava as super escolas de samba que escondiam gente bamba. A São Clemente não quis esconder nada chutando a porta dizendo que o samba sambou.

Era muito ousado, muito arriscado porque a escola botou a cara à tapa criticando o desfile das escolas de samba, o carnaval que ela vivia. Não faltou crítica para ninguém.

Começou falando do povo fora dos desfiles devido o preço do ingresso, passou para as mudanças de escolas dos sambistas que antigamente ficavam eternamente em suas escolas do coração e naquele instante já mudavam dependendo da oferta recebida, criticou os compositores e seus sambas e por fim a vaidade dos dirigentes e carnavalescos.

Isso em 1990. Imaginem o quanto a situação hoje é pior.

Dizem que quem fala a verdade não merece punição e isso que ocorreu com a São Clemente. Suplantou o resultado de 1987 alcançando o sexto lugar que até hoje é seu melhor resultado no carnaval. A escola até chegou a liderar a competição por um bom tempo.

Na Hollywood que virou isso aqui a preto e amarelo brilhava.




A SÃO CLEMENTE MOSTROU E NADA MUDOU NESSE BRASIL GIGANTE 2001



Samba de Paulo Renato, Eugênio Leal, Fábio Rossi e Rodrigo Índio.

A escola aos poucos foi deixando as críticas de lado e fazendo enredos “comuns” como as outras, principalmente quando estava no grupo especial e isso foi um erro porque a sua força estava justamente na diferença, na crítica, na coragem de tocar em assuntos que outras nunca tocariam.

Mas em 2001, no grupo de acesso, a São Clemente voltou a ser o que era. A escola denúncia que chamou a atenção do público com suas críticas em forma de carnaval.

Para aquele desfile ela decidiu se homenagear fazendo um apanhado de todos seus enredos críticos e uma reflexão do que teria mudado com o tempo. Na verdade nada mudou, mas o mais importante é que ela em sua essência também não tinha mudado.

Citou vários problemas do Brasil como o trânsito, a falta de moradia, da saúde, dos meninos de rua e a falta do povão na Sapucaí.

Tudo isso colocado em um samba espetacular.

Aquele ano de 2001 foi especial para mim porque ganhei o primeiro samba de minha vida e ele fazia parte do mesmo cd desse samba da São Clemente. Logo na primeira audição eu comentei “esse samba é bom mesmo” e foi me conquistando cada vez mais.

O samba da escola de Botafogo acabou se tornando “rival” do meu sendo os dois considerados os melhores do grupo. A São Clemente fez um grande desfile arrebatando a platéia com um vigoroso carnaval e um samba que conseguia ser alegre mesmo falando de coisas sérias e tinha um dos principais refrãos do ano com o explosivo “Faz a festa me abraça / Põe champanhe na taça / A São Clemente é alegria”.

Merecidamente a agremiação voltou ao grupo especial e não houve vencedor no duelo dos sambas com cada um ganhando um prêmio importante.

Aliás, teve sim. Eu venci porque fiz uma amizade que dura até hoje com os compositores do samba. Pessoas da maior qualidade.

Cante! Ah como cantei!




BOI VOADOR SOBRE RECIFE: CORDEL DA GALHOFA NACIONAL 2004


Samba de Jorge Melodia, Noronha, Marcos Zero e César Ouro.

Em 2004 a São Clemente voltava ao grupo especial e de forma polêmica. Sua vitória no carnaval do acesso em 2003 foi bastante contestada, várias acusações feitas e nada provado.

Decidiu que devia fazer um carnaval marcante em 2004, até mesmo para esquecerem essas polêmicas de 2003 e resolveu investir naquilo que faz melhor. A crítica.

Partindo desde os primórdios de nosso país contando vários casos de maracutaias nacionais e dando ênfase a Pernambuco. Capitania hereditária governada por Mauricio de Nassau que para faturar uma grana cobrou o primeiro pedágio do Brasil. Ele simplesmente disse que um boi voaria sobre uma festa e cobrou para verem.

A escola, com bastante irreverência, fez uma crítica social e política ao Brasil e nossa classe política. Criou polêmica também com um carro alegórico em que mostrava a escultura de um Tio Sam sentado sobre o congresso como em um vaso sanitário.   

Evidente que os políticos não ficaram satisfeitos com o carro e pressionaram até que ele fosse modificado. O samba da escola de Botafogo fez grande sucesso no pré-carnaval com o ápice no refrão do meio em que falava “Todo mundo pelado / Beleza pura / Todo mundo pelado / Mas que loucura”.

O refrão principal falava “No Brasil o que é sério é carnaval” e ficou a dúvida se era um deboche contra as acusações que sofrera em 2003 ou não. Se era crítica foi uma resposta genial.

Pena que em 2004 o carnaval já era sério e chato demais e a São Clemente não gozou no final sendo rebaixada.

Mas valeu por deixar nossa classe política “pelada”.



UMA AVENTURA MUSICAL NA SAPUCAÍ 2012



Samba de Ricardo Góes, Serginho Machado, Marcos Antunes, FM, Guguinha, Vânia e Flavinho Segal.

A São Clemente voltara ao grupo especial ganhando o acesso de 2010 e seu grande desafio era não descer novamente no ano seguinte, o que ocorria desde o começo dos anos 90. Faltando poucas semanas para o desfile de 2011 três barracões de escolas de samba pegaram fogo como contei no texto passado sobre a Grande Rio e graças a isso nenhuma escola foi rebaixada no carnaval.

A São Clemente ficou em nono, o que correspondia ao último lugar das escolas que receberam notas e ficou no ar a sensação que ela novamente seria rebaixada caso houvesse contagem para as doze. A escola não gostou disso e prometeu um grande carnaval para 2012.

No carnaval seguinte não fez uma crítica como nos quatro carnavais contados anteriormente. Muito pelo contrário, fez uma homenagem, uma aventura musical na Sapucaí.

Contou a história da música desde o começo do século passado falando das orquestras, cabarés, as peças de teatro e o samba
de uma forma bem simpática e teve a sorte e a competência de contar com um samba delicioso onde os compositores foram muito felizes com seu “bububu no bobobó”.

No pré-carnaval já se comentava que a escola viria bem. Ela contava pelo segundo ano com Fabio Ricardo, uma das grandes revelações como carnavalesco do Rio de Janeiro e pela terceira com um cada ano melhor Igor Sorriso, revelação entre os cantores o que nos dava a certeza de um belo visual e que o samba renderia na avenida.

E foi o que aconteceu.

Não pude ver o desfile da São Clemente, pois estava na concentração da União da Ilha que era a escola seguinte a desfilar. Mas vi a mulata enorme da escola entrando na avenida e a reação do público com a passagem da agremiação. Tudo isso somado deu a certeza que a escola desfilava bem.

E desfilou. Fez desfile para brigar por uma volta no desfile das campeãs, mas por preconceito dos jurados não voltou e ficou em 11° lugar. Não caiu e deu a sensação que além dos carnavais com críticas já tinha outros caminhos para seguir. Era uma escola organizada, que queria e quer ser grande.

Puxa que a São Clemente mandou bem na Sapucaí.



Bem..Aí estão os cinco carnavais da São Clemente. Escola que vai se afirmando e confirmando entre as grandes de nosso carnaval e que para 2014 trás tema importante. Vai falar sobre as favelas. Será que vem crítica? Não sei, só sei que vem forte.



Semana que vem tem bumbum de fora pra chuchu, tem irreverência. Deixa serenar que têm Caprichosos.   





FONTE:

GALERIA DO SAMBA www.galeriadosamba.com.br


ESCOLAS DE SAMBA EM CINCO CARNAVAIS:


MOCIDADE


BEIJA-FLOR


IMPERATRIZ


VILA ISABEL


UNIDOS DA TIJUCA


UNIDOS DO VIRADOURO
ESTÁCIO DE SÁ
UNIÃO DA ILHA



GRANDE RIO



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