PRESIDENTE EM MAUS LENÇÓIS
*Conto da coluna "Enredo do meu samba" publicada no blog Ouro de Tolo em 27/4/2013
Confesso
que me comovi com a história do casal. Depois que Manolo me relatou fiquei
olhando a foto e comentei “é..até que é possível ser feliz no amor”. Manolo me
respondeu “Claro que dá. Não só no amor, mas em tudo”.
Pensando
naquelas palavras e na história contada vi a hora e que estava tarde. Desci e
chamei meu pai para ir embora. Nos despedimos de Benito, Tobias e Carlinhos e
deixei meu pai em casa.
Chegando
em casa abri uma cerveja, liguei a televisão e fiquei pensando em Alzair e
Leila. Pensando se era possível realmente alguém ser feliz no amor e se
reencontrar tantos anos depois. Pensei se minha história com Bia poderia ser
assim.
Bebi mais
um gole de cerveja, fiquei olhando para a televisão, pensei e arrumei coragem.
Peguei o celular para ligar pra Bia.
Sentia
falta de minha família perto de mim. Dela e de Julia. Lembrava os bons momentos
em casa, as refeições, os três abraçados vendo televisão ou contando como foi o
dia de cada um. As brigas acabaram nos afastando e levando à separação, mas o
coração estava perto.
E agora
eu estava perdendo minha família para um “Zé”.
Tenso
telefonei e depois de alguns segundos ela atendeu. Balbuciei um “oi” e ela
perguntou se tinha acontecido algo, se eu liguei pra dizer que atrasaria a
pensão de novo. Respondi que não, conseguira pagar minhas dívidas e daria pra
pagar em dia.
Bia
suspirou aliviada e perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu que sim, nossa
filha tinha ido dormir, mas chamaria se eu quisesse. Falei que não precisava e
perguntei se ela estava bem.
Bia
estranhou a pergunta e respondeu que sim, estava bem. Emendou perguntando o que
eu queria com aquele papo, se eu estava dando rodeios para não ir a reunião de
pais no dia seguinte. Perguntei que reunião de pais era aquela e Bia irritada
falou “Não disse? Irresponsável demais. Contei faz tempo que amanhã tem reunião
na escola da Julia”.
Botei a
mão na testa e soltei um “é mesmo” que irritou mais ainda minha ex que contou
que precisava desligar e assim nossa conversa se encerrou.
Falei
sozinho “pelo menos me chamou e não o Zé. Pegaria mal a Julia ir ao colégio com
duas mamães”. Nisso voltei a prestar atenção na tv e passava noticiário.
O
noticiário falava da prisão do ex-presidente da Acadêmicos de Gericinó, o
Rabiola, acusado de receptação. O homem foi encontrado com um caminhão de
salmão que ninguém sabia a procedência.
A polícia
levava o Rabiola com a imprensa tentando entrevistá-lo e tirar suas fotos
enquanto o homem passava com a cabeça baixa. Eu olhei bem e falei “acho que
conheço esse caboclo”.
Ao
comentar meu telefone toca. Era meu pai perguntando se estava vendo o
noticiário. Respondi que sim e ele me lembrou de onde lhe conhecia. Antes de
ser presidente da Acadêmicos de Gericinó ele foi diretor de bateria da Lins
Imperial na época que a gente
frequentava a escola.
Respondi
“é mesmo” e meu pai perguntou se eu queria ouvir uma história boa sobre ele.
Preparei o celular pra gravar e pedi pro meu velho “mandar ver”.
Rabiola
não chegara a ser mestre de bateria, mas era um diretor de respeito. Rodou por
escolas como Lins Imperial, Paraíso do Tuiuti e Flor da Mina do Andaraí.
Diretor de bastante conhecimento era muito querido e com isso conseguiu
inúmeros ritmistas pra lhe seguirem pelas escolas que percorria.
Morava no
morro de Gericinó, cria da comunidade foi lá que ganhou o apelido de Rabiola
por amar pipas. Quando estava de folga curtia soltar pipas do terraço de casa e
se dava bem “cortando” várias, se dizia o “rei da pipa”.
Gericinó
não tinha escolas de samba. Eu disse “tinha” no passado mesmo porque decidiram
criar uma. Na verdade quem decidiu criar foi a “rapaziada”.
O termo
“rapaziada” muitas vezes é usado para denominar os traficantes locais e como
boa parte das comunidades do Rio de Janeiro Gericinó era comandada por uma
“rapaziada”. O nome ou apelido do dono do pedaço era “Free Willy” em homenagem
mesmo a baleia e ele adorava música.
O
traficante era um dos comandantes do movimentado baile funk que tomava conta da
comunidade todas as sextas e um dia sentiu falta de samba. Queria porque queria
uma escola de samba no local.
Decidiu
chamar Rabiola e perguntar como se montava uma escola de samba. Rabiola passou
todo o procedimento e Free Willy comentou “beleza, vou montar a escola de
samba, nossa comunidade merece uma escola. Você vai ser o mestre de bateria e o
Beto Perneta o presidente”.
Montou a
escola e ela cresceu como um meteoro. Graças ao muito dinheiro do tráfico
investido ganhou todos os grupos de acesso com extrema facilidade até chegar ao
grupo B do carnaval carioca, o que equivalia a terceira divisão. Apenas a dois
passos do grupo especial.
Apesar de
ser uma escola pequena a Acadêmicos de Gericinó “bombava”. Com muito dinheiro
ela pagava os melhores salários possíveis para cantores, mestre e diretores de
bateria, casal de mestre sala e porta bandeira, harmonia, direção de carnaval e
as pessoas brigavam para poder fazer parte da escola.
Os
ensaios realizados na rua ficavam lotados e playboys e patricinhas se misturavam
a bandidos com fuzis na mão na roda de samba.
E a
escola fez uma grande festa quando venceu o grupo C com 10 em tudo, até em
quesito que não existia. Bebida e pó liberados. Um famoso cantor se atracou com
uma garrafa enorme de uísque e doidão cantava diversos sambas de sua escola no
palco nem percebendo que sua noiva era levada pelos traficantes para conhecer
Free Willy de modo mais íntimo.
Quem se
dava bem com tudo aquilo era Rabiola que finalmente realizava o sonho de ser
mestre de bateria e ganhava um excelente dinheiro reformando a casa.
Algumas
semanas depois da conquista do grupo C a escola começou a se planejar para o
desfile seguinte e Free Willy chamou Rabiola pra conversar na boca.
Rabiola
no local perguntou se tinha ocorrido alguma coisa e consternado o traficante
contou que Beto Perneta morrera. Assustado Rabiola perguntou o motivo e Free
Willy contou “uma fatalidade, bala perdida, trinta balas perdidas na verdade”.
Rabiola
lamentou e perguntou quem assumiria a escola. Free Willy deu um sorriso
desdentado e comentou “pra isso que te trouxe aqui, você é o novo presidente”.
Rabiola
contou que se sentia lisonjeado, mas não estava preparado para o cargo quando
os traficantes engatilharam as armas e ele mudou de idéia agradecendo e
aceitando o convite.
Conversaram
sobre o carnaval seguinte e Rabiola sugeriu que fizessem carnaval com enredo
afro que gastava menos e sempre saía ótimos desfiles. Free Willy recusou
alegando ser evangélico e não gostar de macumba.
O tempo
passou e Free Willy liberou um milhão para a escola fazer o carnaval. Separou
mais duzentos mil e disse a Rabiola “isso aqui é pra garantir a vitória, dá
pros homens da liga”.
O
carnaval ia ficando suntuoso, lindo e Rabiola teve uma “brilhante idéia”. Não
precisava daquele dinheiro todo para ganhar o carnaval então desviou não só
trezentos mil do milhão pra fazer o desfile como não subornou ninguém e pegou
pra si os duzentos mil.
Com
quinhentos mil transformou a casa em mansão e comprou um carro
novo.
Free
Willy achou estranha àquela súbita riqueza de Rabiola, mas deixou quieto. No
dia do desfile encontrou um diretor amigo da liga e perguntou “e aí chefia? Ta
tudo certo?”. O homem respondeu que não, pois não recebera nada.
Free
Willy que era um negão ficou branco e perguntou “Como assim? Mandei a grana
pelo Rabiola!!”. O homem respondeu que nada chegara nele e que aquele ano
“seria a vera, ganharia quem desfilasse melhor”.
O negão
que ficara branco depois ficou verde, azul, amarelo e voltou correndo pro
morro. Encontrou Rabiola descendo a comunidade e mandou que retornasse. Rabiola
alegou que tinha que botar a escola na avenida quando todos os traficantes
engatilharam seus fuzis e Free Willy disse “volta”.
Voltaram
com o presidente da escola e foram para a boca de fumo. Rabiola apanhou mais
que boneco de Judas em sábado de aleluia e deixaram o homem apenas de cueca.
No fim da
surra Free Willy perguntou “sabe rezar safado?”. Rabiola respondeu que não e o
traficante completou “então aprenda porque se a escola não ganhar tu ta morto”.
A escola
desfilou bem e todos aguardavam ansiosos pela apuração, ainda mais Rabiola que
estava preso na boca de fumo e só sairia dali depois do resultado. Vivo ou
morto.
Na hora
da apuração todos os traficantes se reuniram com Rabiola em volta de um radinho
para acompanhar os resultados. Rabiola rezava
ajoelhado com doze fuzis apontados para sua cabeça.
No
penúltimo quesito a Acadêmicos tomou 9.9 em samba-enredo o que lhe fez ficar
atrás do Arranco de Engenho de Dentro. A tensão tomou conta da boca, Rabiola se
borrou e Free Willy disse “ta fud..negão”.
Chegaram
ao último quesito, bateria e as duas escolas levaram 10 dos três primeiros
julgadores. Chegou a hora do último julgador e a Arranco vencia por um décimo.
Na hora da nota da Acadêmicos ela recebeu 10, faltava a nota do Arranco.
Engatilharam
as armas prontos pra atirar e o locutor anunciou “Arranco de Engenho de Dentro
9,9”. Rabiola começou a pular feito um louco e gritar “Campeão!! Campeão!!”.
Ninguém entendeu nada e Rabiola abraçou Free Willy dizendo “Campeão!! O quesito
desempate era bateria!!”.
Os
traficantes começaram a comemorar. Pulavam como loucos, chegaram na janela e
começaram a atirar comemorando mais um campeonato da Acadêmicos. Emocionado
Free Willy mandou que pegassem champanhe na geladeira e no meio de tanta
comemoração nem perceberam que Rabiola se mandou.
Rabiola,
de cueca apenas, desceu o morro a cento e vinte por hora e já estava bem longe
quando Free Willy percebeu que fora enganado. O quesito desempate era
samba-enredo e a Acadêmicos de Gericinó tinha perdido o campeonato.
E dessa
forma Rabiola escapou do cerol.
ENREDO DO MEU SAMBA (CAPÍTULO ANTERIOR)
AMOR DE VELHA GUARDA http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/07/amor-de-velha-guarda.html
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