AMOR DE VELHA GUARDA
*Conto publicado no blog Ouro de Tolo, coluna "Enredo do meu samba" em 13/4/2013
Carlinhos
contou toda a história e suspirou por Rose. Benito brincou dizendo que o rapaz
era apaixonado por ela e Carlinhos respondeu “quem dera se me desse bola”.
Tobias
perguntou se ela cumprira a promessa e voltado para desfilar na União da Ilha
esse ano e ele respondeu “veio sim, mas dessa vez veio preparada”.
A menina
veio com os pais, ficaram em um hotelzinho na Ilha e os três desfilaram em ala
comercial. Juntaram dinheiro durante o ano e parcelaram as fantasias.
Comentei
“menina esperta” e meu pai perguntou ao compositor se rolou alguma coisa.
Carlinhos olhou para o céu e respondeu “ela está noiva”.
Lamentamos
o fato e meu pai deu uma força pro garoto dizendo que na hora certa encontraria
seu amor. Almeidinha deixou uma garrafa de cerveja na mesa e disse “pra vocês
verem, não teve o caso do Alzair?”.
Perguntei
de que Alzair ele falava e ao colocar bebida no meu copo ele disse “o velho
guarda da Mocidade, que foi mestre-sala lá”.
Nunca
tinha ouvido falar e meu pai emendou “mestre sala no tempo do Mestre André?”.
Almeidinha respondeu “esse mesmo” e meu pai completou “esse era dos bons”.
Perguntei
ao Almeidinha que história era aquela e ele me disse que quem estava mais por
dentro era o Manolo e era uma história bacana que serviria pro meu livro.
Pedi
licença a rapaziada e subi. No segundo andar encontrei Manolo mexendo em alguns
papéis e o homem disse que se eu quisesse ter um livro teria que me apressar,
pois foi tudo fechado com a igreja e ele entregaria a chave em trinta dias.
Lamentei
o fato e o homem respondeu “lamento também, mas são muitas dívidas de impostos
que não tenho como pagar, se tivesse não vendia”. Ouvi o homem e comentei que
poderia tentar ver uma forma disso ser negociado. Manolo sorriu agradecendo e
contando que não precisava e perguntou se eu precisava de algo.
Contei
que ouvira no primeiro andar a história de um Alzair, velha guarda da Mocidade,
mas o Almeidinha não soube me contar direito. Manolo sorriu e falou “ah, o do
casamento”. Não entendi e ele me puxou.
Mostrou
uma foto dele com um senhor e uma senhora. Perguntei quem eram e ele me
respondeu “Alzair e Leila”. Continuei olhando a foto atentamente e Manolo me
disse que contaria a história deles.
Para isso
voltamos no tempo.
Era a
virada dos anos 70 pra 80. Além das consideradas quatro grandes do carnaval
“Portela, Império, Salgueiro e Mangueira” outras escolas começavam a surgir com
força. Alguns anos antes a Beija-flor rompeu a “panela das quatro” e foi campeã
do carnaval, a União da Ilha não foi campeã, mas conseguiu fazer sua presença e outras
duas escolas também formaram posição.
A
Mocidade Independente de Padre Miguel, campeã de 1979, a bateria “que não
existe mais quente” e a Imperatriz Leopoldinense, campeã no ano seguinte.
As duas
agremiações começaram a dividir posições com as tradicionais, mostrar força que
se consolidou ao longo dos anos e serviram como pano de fundo para essa
história.
Como é
tradicional escolas fazem visitas a outras e a Imperatriz fez visita a
Mocidade. Alzair bebia uma cervejinha com amigos em uma mesa quando o diretor
de harmonia lhe chamou para rodar bandeira.
Posicionou-se
com a porta bandeira e olhou para o lado observando o casal da Leopoldina. Observou
a beleza da porta bandeira e se encantou.
Os dois
casais bailaram pela quadra mostrando toda elegância que casal deve ter. Leila
era considerada uma das melhores da nova geração recebendo o apelido de “doce
anjo da passarela” e Alzair era conhecido por suas notas dez.
Depois
que dançaram Alzair chamou o casal convidado para sentar em sua mesa. Bateram
papo por um bom tempo e evidente que Leila quem chamou a atenção de Alzair.
Conversaram
por um bom período e Leila comentou que precisava ir embora. Alzair perguntou
onde ela morava e a moça respondeu “Ramos”. O homem eufórico disse “que
coincidência, moro lá também”.
Mentira, Alzair morava em Caxias.
Ofereceu
carona pra moça que aceitou.
Não
conhecia muito a área e se perdeu várias vezes. Depois de muito tempo conseguiu
encontrar a casa de Leila e parou o carro. Leila riu e comentou “pra quem mora
no bairro até que você se atrapalhou bastante”.
Alzair
olhou para frente e gargalhou. Depois pediu desculpas e respondeu que morava
muito longe dali. Leila perguntou porque ele tinha feito aquilo e Alzair
respondeu “para ficar mais um pouco com você”.
Nisso o
mestre sala passou a mão no rosto da porta bandeira e lhe beijou.
Leila
respondeu ao beijo, mas depois disse que não podia fazer aquilo. O mestre sala
quis saber o motivo e ela respondeu “estou noiva”.
Alzair
ficou desolado e ela desceu do carro mais uma vez pedindo desculpas.
O mestre
sala não conseguia parar de pensar naquela mulher e decidiu que a história não
ficaria assim. Resolveu comparecer ao ensaio seguinte da Imperatriz.
Foi a
paisana mesmo, sem porta bandeira, sem roupa de mestre sala, nada. Como um
folião comum comprou uma cerveja e ficou no bar da escola observando o ensaio e
com os olhos procurando a amada.
Um
diretor lhe reconheceu e avisou ao locutor da escola que ele estava na quadra.
Rapidamente o locutor anunciou a presença de Alzair e sobre o rufar da bateria
pediu a presença dele no palco.
Alzair
subiu e o locutor pediu para que ele falasse alguma coisa. Alzair viu Leila
olhando para ele da quadra e contou ao microfone que o que lhe movia até a
quadra da Imperatriz era o amor. A quadra ficou um instante em silêncio e ele
emendou “amor ao samba”.
Foi
bastante aplaudido e desceu do palco. Leila lhe puxou pelo braço e perguntou o
que ele fazia ali. Alzair respondeu “vim te ver”.
Leila
disse “louco” e puxou Alzair para o lado de fora da quadra. Ali isolados em um
local que ninguém teria como ver Leila beijou Alzair. Beijaram-se por minutos,
freneticamente, ardentemente.
No fim
Leila pediu que Alzair parasse e comentou “é a primeira e a última vez”. Alzair
tentou argumentar, mas em vão. Leila se despediu e voltou para a quadra.
Triste
Alzair voltou para a casa e retomou os ensaios. Veio o carnaval, tirou as notas
10 e cada vez mais era reverenciado como um grande mestre sala. Mas não
conseguia esquecer Leila e a vontade de lhe procurar era enorme.
Uma noite
estava em casa quando bateram na porta, abriu e era ela. Leila.
Alzair
perguntou o que ela fazia ali, Leila pôs o dedo em sua boca e respondeu “fala
nada, só me beija”. Os dois se beijaram e rapidamente estavam na cama.
Fizeram
amor e no fim feliz Alzair fazia um monte de planos enquanto Leila começou a
chorar. O mestre sala perguntou qual era o problema e a porta bandeira
respondeu “me caso amanhã”.
Alzair
deu um pulo da cama e perguntou o que significava tudo aquilo, se ela tinha
brincado com ele. Leila respondeu que não, lhe amava e precisava pelo menos uma
vez estar em seus braços.
Alzair só
balbuciava a pergunta “por quê?” E Leila pediu desculpas enquanto se arrumava.
Já vestida Leila se aproximou de Alzair e perguntou “Por que você não apareceu
antes?” Lhe deu um beijo e foi embora.
Leila
realmente casou com um oficial do exército e largou o samba se mudando para
Brasília. Alzair não teve mais notícias suas e depois de muito sofrer decidiu
seguir sua vida.
Os anos
passaram e o homem continuou brilhando na Sapucaí e tirando suas notas 10.
Casou, teve dois filhos e se separou. Sentiu o peso dos anos e se aposentou
decidindo entrar para a velha guarda.
Mais de
trinta anos depois do último contato com Leila Alzair era presidente da velha
guarda da Mocidade e decidiu fazer uma festa para todas as velha guardas do Rio
de Janeiro. Apesar dos pesares o homem
conseguiu ser feliz, apesar de todos os dias lembrar de Leila e imaginar como
ela estaria.
No dia da
festa Alzair observava de um canto tudo dando certo quando pediram que ele
fosse até a portaria, pois tinha uma pessoa querendo falar com ele.
O homem
logo pensou que fosse algum “bicão” pedindo para entrar, mas mesmo assim se
encaminhou ao local. Ao sair teve uma grande surpresa. Era Leila.
Trinta
anos mais velha, com as mudanças normais que todos nós temos ao envelhecer, mas
Alzair não demorou nem um segundo pra reconhecer sua amada. Tímida Leila
brincou contando que era uma ex-porta bandeira e perguntou se podia entrar.
Alzair
estendeu a mão para Leila e disse “pode entrar e se quiser nunca mais vai
embora”.
Leila
ficara viúva e finalmente os dois puderam viver seu romance. Casaram-se na quadra
da Imperatriz Leopoldinense e durante a festa na quadra a porta bandeira da
atualidade da agremiação ofereceu a bandeira para que ela dançasse.
Leila
perguntou se Alzair lhe acompanharia e pela primeira vez os dois dançaram como
um casal de mestre sala e porta bandeira. Dançaram aplaudidos por todos e
rodeados por casais de várias agremiações do carnaval carioca que também se
apresentavam.
Na dança
do tempo eles ganharam o 10.
COLUNA ANTERIOR (ENREDO DO MEU SAMBA)
MINHA VIDA, MINHA ESCOLA, MEU AMOR http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/06/minha-vida-minha-escola-meu-amor.html
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