A RODOVIÁRIA
* Conto da coluna "O buraco da fechadura" publicado no blog Ouro de Tolo em 3/11/2012
Afonso acabara
de pegar um táxi no Brás, bairro da capital de São Paulo. Era uma e meia da
manhã de sexta pra sábado e ele tinha que correr para tentar comprar passagem
pro último ônibus com destino ao Rio de Janeiro.
Tinha trinta e
cinco anos de idade, um cara que muito viveu e ao mesmo tempo viveu nada. Experiente e inteligente para algumas coisas,
burro e imaturo para outras, era uma metamorfose ambulante, um carrossel de emoções.
Afonso estava
triste no táxi e com enorme vontade de chorar, mas nunca foi de chorar na
frente dos outros, já chega ter chorado na frente de Bianca, sua ex namorada,
naquela noite.
Ela que o
colocou naquele táxi e foi embora sem olhar pra trás enquanto Afonso acompanhou
a moça com o olhar até que não conseguisse mais vê-la. Limpou as lágrimas
disfarçadamente para o taxista não reparar que estava triste.
O taxista
começou a falar do engarrafamento que pegaram. Reclamou dizendo que era a feira
dos chineses sendo montada e afirmou que um dia dominarão São Paulo. Afonso
sorriu e tentou engatar um papo com ele sobre os chineses tentando assim não
pensar em Bianca e na hora.
O taxista ágil
se livrou do engarrafamento e conseguiu em poucos minutos chegar na rodoviária.
Afonso agradeceu, pagou e entrou correndo para tentar pegar o último ônibus.
A rodoviária
estava vazia como poucas vezes Afonso vira, parecia uma rodoviária fantasma. Correu
nas companhias e a maioria já parara de funcionar. Apenas uma viação ainda
tinha ônibus para sair, mas não tinha mais vagas.
Afonso parou
ali no meio daquela rodoviária vazia sem ter o que fazer.
Pensou em ir
até algum hotel próximo, mas além de não estar com tanto dinheiro tinha certeza
que não conseguiria dormir e caso conseguisse estenderia seu tempo em São Paulo
e o que ele mais queria naquele momento era se livrar da cidade o mais rápido
possível.
Afonso tinha
nada contra São Paulo, viveu alguns dos momentos mais felizes de sua vida lá,
mas especialmente naquela noite o que ele mais queria era chegar no Rio de
Janeiro, deitar na sua cama e chorar muito.
Pensou no que
fazer e decidiu ir embora no primeiro ônibus da manhã. Voltou na viação e comprou
para seis da manhã. Comprou um lanche e sentou em uma cadeira. Olhou a hora,
duas e meia, ainda faltavam três horas e meia pra partida.
Agora era
oficial, era uma das piores noites da vida de Afonso, comparável a noite da
morte de sua mãe em que passou a noite acordado como um zumbi esperando o
enterro.
Sentou, lembrou
de toda a história e aproveitando que não tinha ninguém perto deixou rolar umas
lágrimas. Não conseguia acreditar naquele fim de noite. Olhou as poucas pessoas
daquela rodoviária, a grande maioria dormindo, outras lendo, algumas até
namorando e lembrou que não era para ele estar ali. Naquele instante era para
ele estar em um quarto de motel com Bianca, os dois se amando e reatando o
namoro.
Mas deu tudo
errado...
Afonso e
Bianca namoraram por um ano e meio. Conheceram-se pela Internet, ela em São
Paulo, ele no Rio de Janeiro. Tiveram um namoro gostoso, recheado de carinho, companheirismo e a todos
parecia perfeito, mas Afonso não era perfeito, longe de ser
Não era fiel e
Bianca começou a desconfiar do namorado. Um dia bisbilhotando seu computador descobriu
toda a verdade e terminou com ele.
Apesar dos
pesares Afonso gostava de Bianca, mas era fraco, imaturo e achava que um homem
de verdade tinha que ter várias mulheres e com isso perdeu a mulher certa, da
sua vida. Só depois que perdeu Afonso se deu conta das bobagens que fazia e
passou um ano correndo atrás da menina tentando reatar.
Comeu o pão
que o diabo amassou. Viu Bianca deixar de gostar dele, conhecer novos homens e
se apaixonar e começar a namorar um dos melhores amigos do ex. Afonso assistiu
a tudo, sofreu todas essas humilhações calado. Vias as fotos e declarações
apaixonadas do casal nas redes sociais e nada podia fazer, apenas sofrer.
Sem poder ser
seu amor virou amigo de Bianca e muitas vezes confidente. Ouvia sobre seu
namoro, as dificuldades, respirava fundo no outro lado da tela e dava
conselhos. Aos poucos conseguiu colocar aquele amor que sentia em uma gaveta e
trancá-lo, conseguia sobreviver sem Bianca.
Até que ela
terminou o namoro e eles se reaproximaram. Afonso declarou que ainda amava a ex
e Bianca respondeu que queria a verdade, queria que ele contasse tudo que
fizera no namoro, pois, só assim conseguiria perdoá-lo e reatar.
Afonso então
decidiu ir a São Paulo abrir o coração, contar tudo. Um ano e meio depois do
fim o rapaz de novo iria a São Paulo ver a amada. Era tudo apenas para seguir
protocolo. Ele contaria tudo, ela se sentiria aliviada, reatariam e passariam a
noite juntos.
Chegou e deram
um beijo apaixonado. Afonso tenso porque falaria de coisas que
nunca imaginou. Sentaram em uma lanchonete e ele começou a contar.
Contou todos
os casos que teve, as traições e pediu perdão. A reação que Bianca teve não foi
a que ele nem ela esperavam. Bianca sentiu-se muito mal com todas aquelas
histórias e pediu para ir embora. Ainda pararam em uma pracinha, Afonso
chorando em desespero tentava provar que lhe amava, não podia viver sem ela,
mas tudo em vão. Bianca respondeu que não dava mais, não confiava mais nele e
pediu que ele fosse embora para o Rio de Janeiro.
Foi assim que
ele chegou naquela situação da rodoviária.
Afonso tentava
ler, mas não conseguia se concentrar. Foi na lan house da rodoviária, ficou uma
hora, mas não tinha nenhum conhecido logado. Tentou ver se Bianca escrevera
alguma coisa em suas redes socais, mas nada. Inquieto, triste Afonso andava
como um zumbi pela rodoviária.
Encostou-se em
uma pilastra e fechou os olhos como se não quisesse estar ali e perguntando
porque Deus não gostava dele quando foi interrompido por uma voz feminina
perguntando se ele sabia que horas eram.
Abriu os olhos
e encontrou uma menina branca, com cabelos trançados como se fosse hippie e
largo sorriso. Afonso pediu desculpas e respondeu que estava com o celular
descarregado e não tinha como lhe responder. A menina contra argumentou que não
queria saber as horas e perguntou apenas se ele sabia as horas.
Afonso sem
entender aquele papo respondeu que não. Ela sorriu, fez um carinho em seus
cabelos e respondeu “hora de se feliz” se afastando.
Afonso não
entendera nada daquela história. Tentou pensar e decifrar, não
conseguiu e virou-se para a menina que continuava andando perguntando como ela
sabia. Ela virou e respondeu “porque nós é que fazemos essa hora e a sua
chegou!!”.
Ok, agora
Afonso estava perturbado e curioso correndo atrás da menina.
Ele perguntou
quem ela era e a moça sorrindo respondeu que achara que ele não perguntaria.
Disse que se chamava Jéssica e pediu que Afonso pagasse um milk shake para ela.
Foram até um
fast food e Afonso pagou. Jéssica bebendo um de morango virou para Afonso e disse
que tinha gente que achava que os chineses dominariam São Paulo, mas para ela
seriam os italianos com uma pizzaria a cada esquina.
Afonso cada
vez se intrigara mais com aquela bela menina. Começaram a passear pela
rodoviária e ele ainda perturbado com aquela história de hora da felicidade
perguntou como fazer para ser feliz quando o mundo conspira contra.
Jéssica
terminando de beber seu mil shake e jogando fora o copo respondeu que o mundo
nunca conspira contra, o que conspira é nossa cabeça, ela que nos trava e
muitas vezes impede que sejamos felizes. Afonso riu e falou que aquilo era uma
bobagem perguntando porque alguém se boicotaria pra ser feliz. Jéssica
respondeu “por medo”.
Afonso parou
de andar e perguntou “Medo de ser feliz? Como assim?”. Jéssica ainda andando
respondeu que as pessoas têm mais medo de serem felizes que da morte porque a
morte é inevitável e a felicidade um passarinho que se não for bem cuidado
escapa de suas mãos.
Afonso continuou
parado ouvindo a menina que disparou “vai ficar aí parado”. Ele então se
apressa e lhe acompanha na caminhada.
Sentam e Afonso que sempre foi um cara reservado e nunca
gostou de se abrir com os outros resolveu contar para aquela desconhecida toda
sua história e como parara na rodoviária naquela noite. Jéssica ouviu a tudo
atentamente e no fim Afonso perguntou se era um monstro por ter feito tudo que
fez com Bianca.
Ela para uns segundos e responde que não. Ele não era
santo, nem monstro, apenas um ser humano comum com suas qualidades, defeitos e
que teria que aceitar que tudo que fazemos na vida tem um retorno e ele teria
que conviver com a conseqüência de seus atos.
Afonso resignado olha para o chão e diz “perdi Bianca para
sempre” Jéssica responde que o pra sempre é muito tempo e ninguém sabe nem o
dia de amanhã, se amanhecerá vivo, não tem nem como prever o que acontecerá,
mas que uma certeza ele poderia ter, ela estaria sempre na sua vida porque só
gostando muito de alguém uma mulher passa por tudo aquilo e ainda aceita o
homem em sua vida.
Afonso que até então estava triste e com raiva de Bianca
por tê-lo feito ir a São Paulo a toa caiu na real e disse “é, ela vem sendo
muito bacana comigo”. Jéssica então aconselhou que ele segunda-feira entrasse
na Internet e falasse com ela como se nada tivesse acontecido, como se ele nem
tivesse ido a São Paulo.
Curioso com aquela menina que salvara sua noite foi a vez
de Afonso querer saber mais sobre Jéssica. Ela respondeu que sua vida era nada
demais. Estudava veterinária, tinha um irmão e estava voltando pra casa cheia
de saudades da família.
Afonso perguntou o que ela fora fazer em São Paulo e
brincando Jéssica respondeu que fora numa missão secreta, recebendo ordens e
que se lhe contasse teria que matá-lo. Afonso riu e falou que Jéssica era muito gente boa e que o amor que ela tinha
pela vida contagiava.
Jéssica então suspirou fundo e respondeu que nem sempre
fora assim. Sofreu um grave acidente de carro com o noivo seis meses antes e
ele morrera no acidente. Foi difícil para ela aceitar o ocorrido, chorou muito,
sofreu, mas que cuidaram muito bem dela no período e lhe mostraram a
importância da vida e que ela nunca acaba.
Afonso estava fascinado pela moça e nem viu a hora passar.
Quando percebeu faltavam apenas dez minutos para o ônibus partir e triste disse
que teria que se despedir de Jéssica e ir embora. Ela riu e disse que ele não
se livraria tão fácil assim dela, estava no mesmo ônibus dele para o Rio e no
banco ao lado do dele. Afonso perguntou como ela sabia que era o do lado e
Jéssica respondeu que vira pelo bilhete em sua mão. O rapaz gargalhou e os dois
partiram.
Encararam numa boa as seis horas de viagem e ao chegar no
Rio Jéssica passou o telefone de sua casa e que quando ele quisesse poderia
ligar. Deu um selinho em sua boca e andando gritou “é hora de ser feliz!!”.
Os dias passaram e Afonso tratou Bianca na Internet como
se nada tivesse acontecido, com excelente humor e tentando fazer com que uma
assustada Bianca se sentisse a vontade. Com o tempo venceu sua resistência e
conseguiu fazer com que ela relaxasse.
Quando Bianca foi almoçar Afonso decidiu ligar para a casa
de Jéssica e agradecer seu conselho, segue a ligação:
- Afonso: Alô, é da casa da Jéssica?
- Mãe: Sim, é a mãe dela, quem fala?
- Afonso: Aqui é o
Afonso, um amigo dela, poderia falar com ela?
- Mãe: Sinto muito, mas não dá, infelizmente a Jéssica
morreu faz seis meses.
Afonso gelou e gaguejando perguntou..
- Afonso: Como assim senhora? Estive com ela nesse fim de
semana..
- Mãe: Ela morreu há seis meses num acidente de carro com
o noivo, os dois morreram, que brincadeira sem graça é essa?
Afonso conseguiu contornar a situação e pegou endereço do
cemitério que ela estava enterrada.
Chegou ao local, andou por ele e conseguiu achar a lápide.
Uma foto de Jéssica estava lá, linda como ele conheceu, com o sorriso largo que
o encantara e os dizeres “Nada temo se acredito na vida eterna”.
Afonso ajoelhou-se, fez uma oração e agradeceu a menina
por tudo. Levantou-se, olhou para o céu e pediu desculpas a Deus por achar que
não gostava dele. Deu uma última olhada para a foto de Jéssica na lápide,
mandou um beijo e foi..
..foi ser feliz.
Emocionante..Mais uma vez me pego lendo esse blog e chorando...Hahahaha
ResponderExcluirrsrs Que bom que gostou Carol :)
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