SALGUEIRO EM CINCO CARNAVAIS
Conforme
prometido nessa quarta-feira prossigo homenageando as escolas de samba com
cinco carnavais inesquecíveis para mim. Essa sessão começou com a Portela,
continuou com Mangueira e teve Império Serrano na última quarta-feira. Todos os
textos com suas fotos e vídeos são fáceis de achar no blog.
Essa
quarta-feira é reservada para a última das “quatro tradicionais”. Aquelas
escolas que desde os primórdios dos desfiles até os anos 70 dominaram o
carnaval carioca. Hoje escrevo sobre uma das mais populares das escolas de
samba. O Acadêmicos do Salgueiro.
O
Salgueiro fundado em 1953 a partir da fusão de três escolas. Azul e Branco,
Unidos do Salgueiro e Depois eu digo. Salgueiro que criou o lema “nem pior, nem
melhor, apenas uma escola diferente” e adotou uma postura de vanguarda levando
artistas da Escola de Belas Artes para dentro do cenário do samba.
Escola de
carnavais competitivos, de beleza plástica e bom gosto. Academia que revelou ao
mundo do samba artistas do nível de Fernando Pamplona, Joãosinho Trinta, Maria
Augusta, Arlindo Rodrigues e Rosa Magalhães.
Salgueiro
de Bala, Anescarzinho, Noel Rosa de Oliveira, Djalma Sabiá, Zuzuca, Almir
Guineto. Salgueiro de Rico Medeiros, Renato Lage, Quinho, Laíla, Mestre Louro,
Xangô do Salgueiro. Salgueiro de celebridades como Viviane Araújo, Eri Johnson,
Jorge BenJor, Edmundo. Da nova geração como Dudu Botelho e Marcelo Motta,
várias vezes campeões na agremiação.
Salgueiro
de Quilombo dos Palmares em 1960, do histórico Chica da Silva em 1963, de Dona
Beja, a feiticeira de Araxá em 1968, Brasil de Todos os Deuses em 1969, Nossa
madrinha Mangueira querida em 1972, O rei de França na Ilha da assombração em
1974, O segredo das minas do rei Salomão em 1975, Em busca do ouro 1988, Templo
negro em tempo de consciência negra 1989, Me masso se não passo pela rua do
Ouvidor 1991, Tambor em 2009..Muitas glórias, tantos carnavais.
A
Academia do samba é uma escola moderna. Dona de uma quadra espetacular é point
da juventude e porta de entrada para esses jovens ao mundo do samba e hoje
destaco cinco carnavais seus. Como já disse não são necessariamente os cinco
melhores carnavais da história da escola nem que eu já tivesse nascido, mas os
cinco que mais me marcaram como sambista e compositor.
FESTA PARA UM REI NEGRO 1971
Samba de
Zuzuca.
O samba
com refrão mais famoso da história do carnaval, o simples “Ole le, Ola la, pega
no ganzê, pega no ganzá”, impossível que você nunca tenha escutado essa
melodia. O samba do carnaval de 1971 revolucionou o samba-enredo. Os sambas de
antes eram os chamados “sambas lençóis” com letras enormes e Zuzuca resolveu
compor um de fácil assimilação para os componentes.
Samba
curto contando a chegada de um rei. Simples, mas bem feito, contagiante que
explode no refrão. Muito criticado na época acabou se tornando sucesso antes
mesmo do carnaval inclusive provocando muitas paródias e algumas fazendo quase
tanto sucesso quanto o samba.
O
Salgueiro foi campeão do carnaval e o estilo de samba de Zuzuca se tornou
tendência com o próprio Salgueiro repetindo a fórmula em 1972. Para quem
escreve samba-enredo esse samba é um marco e para muitos essa mudança na
feitura do samba-enredo foi fundamental para o início da decadência do mesmo.
“Festa
para um rei negro” é histórico e quem acompanha futebol europeu por tv a cabo
logo nota sua melodia sendo cantada pelas arquibancadas dos estádios.
O rei
negro veio e foi para longe conquistando a Europa.
SKINDÔ SKINDÔ 1984
Samba de
David Corrêa e Jorge Macedo.
Talvez os
salgueirenses irão torcer o nariz por eu colocar 1984 entre os cinco carnavais
especiais. Com tantos carnavais históricos entra um que o samba para muitos é
uma marchinha e o desfile foi do tempo das vacas magras?
Pois é.
Mas como eu disse são cinco carnavais que me moldaram como sambista e
compositor e não necessariamente os cinco melhores e com certeza “skindô
skindô” não está somente no meu top 5 do Salgueiro como é um dos sambas mais
importantes de minha vida.
Sou um
compositor muito influenciado pelos sambas dos anos 80 e claro que se sou tenho
David Corrêa como fonte de inspiração. Esse samba junto com Portela 1981 são
marcos para mim.
É um
samba alegre, contagiante, que faz cantar com sorriso nos lábios, prazer e
alegria que poucos provocam em mim. Para alguns é uma “marchinha safada”, pra
mim uma letra simples, mas com uma melodia levemente “sacana” cheia de sacadas
geniais que provocam esse contagiar. Impossível ficar parado em partes como
“ôôô a vida fica mais feliz meu amor”.
Pra mim
samba-enredo é isso. Alegria, brincar carnaval.
E POR QUÊ NÃO? 1987
Samba de
Didi (foto), Bala e Cezar Veneno.
Samba
totalmente diferente do anterior, mas que também mexe comigo e me influencia
como compositor. Ao contrário de 84 que era um samba alegre e contagiante “E
por quê não?” é um samba lindo, poético, singelo e emocionante mostrando a
diversidade musical da Academia.
O ano de
1987 é marcado por grandes sambas como da Portela, Vila, São Clemente e esse
que seguia uma tendência de enredos críticos ou com cunho social tão raros hoje
em dia nos carnavais “chapa branca”. O Salgueiro em 1987 se preocupava com o
mundo em que vivemos e sonhava com um futuro melhor.
Um dos
compositores do samba é o advogado Gustavo Baeta Neves, mais conhecido como
Didi. Didi é o maior compositor da história da Ilha do Governador ganhando 16
sambas na União da Ilha e 4 no bloco Boi da Freguesia, hoje Boi da Ilha.
Também
venceu 4 concursos de samba no Acadêmicos do Salgueiro sendo esse o último. Adoentado
não participou da final de samba-enredo e nervoso tentava com um radinho
acompanhar a final do hospital.
De lá
descobriu que vencera e morreu um pouco depois em abril de 1987.
O planeta
sonhado pelo Salgueiro até hoje não existe. Uma pena porque o passarinho
realmente poderia fazer do mundo um belo ninho.
PEGUEI UM ITA NO NORTE 1993
Samba de
Demá Chagas, Arizão, Celso Trindade, Bala, Guaracy e Quinho (foto).
O que faz
um samba-enredo se tornar histórico? Aliás, o que faz qualquer tipo de arte se
tornar imortal? Ninguém sabe, ninguém tem a formula, se fosse tão fácil assim
teríamos obras imortalizadas a rodo.
Um samba
normal, com melodia interessante, boa letra que conta a história de uma pessoa
que pegou um ita e migrou para o Rio de Janeiro. Samba bacana, mas não era nem
o melhor do ano. Refrão contagiante, como muitos já feitos no carnaval.
Um samba
aparentemente comum, como mostrou todo o pré- carnaval. Mas de comum provou não
ter nada.
Bastou um
pouco menos de uma hora e meia para que os versos “Explode coração/ Na maior
felicidade/ É lindo meu Salgueiro/ Contagiando e sacudindo essa cidade” se
tornassem imortais. Não falo simplesmente de samba, esses versos entraram pra
história da música brasileira.
É difícil
explicar a magia que às vezes a Marquês de Sapucaí é capaz de proporcionar. O
Fato é que esse refrão provocou uma catarse poucas vezes vista em um desfile de
escolas de samba e foi fundamental para que o Salgueiro saísse de uma fila de
18 anos e voltasse a ser campeão do carnaval.
Do
desfile lembramos pouco. Poucas fantasias, poucos carros, dizem até que a
Imperatriz estava mais bonita. Mas ninguém consegue se esquecer de Quinho
cantando esse samba ou a reação das arquibancadas. As pessoas pulando, batendo
palmas, interagindo com o desfile como nunca mais vimos.
O Salgueiro
é danado. Demora pra ser campeão, mas quando é faz desfiles como esses. O Ita
pego no Norte entrou para a história do carnaval.
Na maior
felicidade.
CANDACES 2007
Samba de
Dudu Botelho, Marcelo Motta, Zé Paulo e Luiz Pião.
Peguei um
Ita no Norte realmente revolucionou o Salgueiro e podemos dizer que a escola é
dividida entre antes e depois desse desfile. Eu costumo dizer que o Ita deu um
carnaval consagrador a academia, mas lhe fez perder uns 20.
Fez
perder porque desde 1994 a escola e os compositores tentaram repetir a fórmula
de sucesso não entendendo o que eu disse acima. Não existe fórmula para que uma
obra se torne imortal, acontece e pronto e essa busca pelo Ita perdido fez a
escola se perder.
Mas em
2007 parece que ela se tocou sobre isso.
Fez um
enredo diferente do que vinha fazendo. Enredo afro voltando as suas origens,
voltando a Chica da Silva. Contando a história de Candaces, as mulheres
guerreiras imediatamente a escola mostrava que queria uma nova fórmula de
sambas, queria algo de qualidade.
Nem todo
mundo entendeu e muitos quiseram fazer um “Ita afro”, mas para sorte do
Salgueiro e do carnaval uma parceria entendeu o recado e resgatou o velho
Salgueiro. Fez um samba forte, pulsante, negro, contundente com um refrão
totalmente afro. Uma ousadia em uma escola que se acostumara aos refrãos
fáceis.
O samba
se consagrou na disputa e foi escolhido mostrando ao carnaval uma nova geração
de compositores. Junto com o samba da Beija-Flor, também afro, foi o grande do
pré-carnaval e o Salgueiro fez um excelente desfile.
A
Beija-Flor veio arrebatadora e mereceu o campeonato, mas o Salgueiro merecia
pelo menos o vice. Injustiçada a escola ficou fora do desfile das campeãs e
infelizmente isso fez que retraísse nessa mudança de estilo sendo conservadora
na escolha do samba de “Tambor” dois anos depois preterindo o belo e ousado
samba de Edgar Filho, Beto Mussa e Simas.
Mas essa
é uma outra história. O que importa é
que com Candaces o Salgueiro foi Salgueiro.
Bem..Esses
são os cinco carnavais que prefiro do Salgueiro. Das tradicionais a que passa
por melhor momento sempre brigando por títulos. A partir de semana que vem
começo a escrever sobre aquelas que “arrombaram a festa”. Expressão genial
tirada do livro do amigo Fabio Fabato para denominar as escolas que a partir
dos anos 70 começaram a dividir os títulos com as tradicionais.
Lá vem
Salgueiro...
Candaces acabou infelizmente não funcionando na Sapucaí. Além do "ôôô" do Quinho que foi canetado, a direção de harmonia se descabelou ao encontrar a escola muda, sem cantar o samba, que mesmo bonito teve uma passagem fria. A escola veio visualmente arrebatadora, mas ironicamente foi o samba quem derrubou o Salgueiro, acarretando no retorno ao pragmatismo na escolha que vetou o belíssimo "Menina quem foi teu Mestre".
ResponderExcluirPois é. Foi mais ou menos o que eu disse. Uma pena que isso tenha ocorrido.
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