BEIJA-FLOR EM CINCO CARNAVAIS



Dando prosseguimento a série das escolas de samba em cinco carnavais falarei um pouco da “Brava gente sofrida da Baixada” que pelo menos na avenida não tem se mostrado nem um pouco sofrida.
Muito pelo contrário, podemos chamar a escola de “Rolo compressor Nilopolitano”. De 1976 pra cá foram 12 títulos e 12 vice campeonatos. Números que impressionam ainda mais quando formos pensar que ao contrário dos primórdios dos desfiles onde quatro escolas disputavam títulos hoje em dia temos de nove a dez escolas em condições de sonhar com campeonatos.
A Beija-Flor de Nilópolis nasceu como um bloco carnavalesco formado por integrantes do extinto “bloco do Irineu perna de pau” no natal de 1948.
Em 1954 foi inscrita na Federação das escolas de samba para seu primeiro desfile oficial naquele denominado segundo grupo. Chegou ao grupo de elite em 1955 e não conseguiu se manter só voltando em 1974.
Voltou com enredos polêmicos, pró-regime militar, mas em 1976 com as contratações de Laíla e Joãosinho Trinta mudou sua temática e não só isso, mas também a história do carnaval.
Quebrou a dinastia das quatro tradicionais com desfiles luxuosos, poderosos. Principal responsável pela verticalização do carnaval e dos desfiles de escolas de samba como são vistos hoje. Puristas torcem o nariz pra agremiação culpando por “decadência” do samba e ter colaborado com a ditadura.
Mas é inegável a contribuição da Beija-Flor para nosso carnaval.
Beija-Flor de Cabana, João Pessoa, Negão da Cuíca, Edinho do Ferro Velho. De Neguinho da Beija-Flor, Laíla, Joãosinho Trinta, Pinah, do casal Élcio PV e Doris, de Selminha Sorriso e Claudinho, Juju Maravilha. De Soninha Capeta, Bira, Jorginho, Gilson Bacana, Gilson Dr, Serginho Sumaré, J.Velloso, Marcelo Guimarães. Beija-Flor de Cláudio Russo, Samir Trindade, Sidney de Pilares, Serginho Aguiar, Cid Carvalho, Xangai, mestres Plínio, Paulinho e Odilon. Da rainha Raíssa. Beija-Flor da família Abraão David.
Beija-Flor de “Sonhar com rei dá Leão” 1976, “Vovó e o rei da Saturnália na corte Egipciana” 1977, “A grande constelação das estrelas negras” 1983, “A Lapa de Adão e Eva” 1985, “O mundo é uma bola” 1986, “Todo mundo nasceu nu” 1990, “O mundo místico dos Caruanas nas águas do Pau-Anu” 1998, “Araxá, lugar alto onde se primeiro avista o Sol” 1999, “Áfricas, do berço real à corte brasiliana” 2007, “A simplicidade do rei” 2011.
Escola de sambas fortes, enredos contundentes. Orgulho da Baixada Fluminense e do Brasil que conto agora em cinco carnavais. Cinco carnavais que me moldaram como sambista e compositor.

A CRIAÇÃO DO MUNDO NA TRADIÇÃO NAGÔ 1978


Samba de Neguinho da Beija-Flor, Gilson Dr e Mazinho.
A Beija-Flor na ocasião já quebrara o ciclo das quatro tradicionais, era bicampeã do carnaval, uma escola respeitada e temida.
Mas faltava o grande samba. O de 1976 era bom, ficou na história da escola, mas não considero que possa “bater de frente” com outras agremiações na história do carnaval.
Até que surgiu esse.
Tema afro é o sonho de todo compositor. As histórias por si só são emocionantes e o único trabalho que o compositor tem é não atrapalhar, se o compositor conseguir contar essa história está aí uma grande obra.
E isso ocorre com o samba da Beija-Flor de 1978. Mesmo com as palavras afros que podem trazer dificuldade no entendimento a história está toda lá com fácil assimilação.   A ordem de Olorun a Obatalá ganha contornos de poesia.
A escola pisou forte na avenida e com a proteção dos Orixás garantiu seu primeiro tricampeonato provando de uma vez por todas que veio pra ficar.
E esse samba entrou pra sempre em minha vida quando em 2001 o Boi usou a mesma temática com o enredo “Orun Aye”. Ganhei o meu primeiro samba e fomos Estandarte de Ouro.

RATOS E URUBUS, LARGUEM MINHA FANTASIA 1989


Samba de Betinho, Glyvaldo, Zé Maria e Osmar.
Como eu já escrevi aqui no blog 1989 é o ano que não acabou. Dos que acompanhei o maior ano de desfiles de escolas de samba. Algumas, como a União da Ilha, fizeram o melhor desfile de sua história.
Mas em 1989 o melhor não era o suficiente.
Muito criticados por seus desfiles luxuosos Joãosinho Trinta e a Beija-Flor decidiram inovar naquele carnaval levando os mendigos para a avenida. Os meninos de rua, os viciados, prostituídos, aqueles esquecidos pela sociedade, considerados inferiores que num passe de mágica da folia viraram reis do carnaval. O luxo do lixo, o lixo virou luxo na Sapucaí.
Desfile de grande impacto. Pessoas atordoadas viam o carnaval feito pela Beija-Flor e não conseguiam ter noção do que pensar. Não era a Beija-Flor que todos se acostumaram a ver. Não estava luxuosa, rica e sim pobre, mendiga. Mendiga como seu Cristo que foi proibido, mendiga, mas rica em criatividade. Mendiga, mas rica em ousadia.
O Cristo mendigo foi censurado. A igreja não quis que Ele fosse mostrado pobre, maltrapilho, maltratado esquecendo-se que Jesus sempre passou a imagem da humildade, de um Messias pobre que ficava ao lado de seu povo, dos menos favorecidos. O Cristo nilopolitano foi coberto com um plástico preto.
Tentaram esconder, mas não deu certo. Virou a alegoria mais famosa do carnaval, a mais vista mesmo por baixo do plástico e com a fantástica frase “Mesmo proibido, olhai por nós”.
Uma catarse carnavalesca. Um dos maiores desfiles da história do carnaval comandado por mendigos sujos, a realeza do submundo e um Joãosinho Trinta vestido de gari e provando de uma vez por todas que era um dos maiores nomes de nossa cultura em todos os tempos.  
Não ganhou o carnaval, mas ganhou a eternidade.
Abaixo o vídeo espetacular com Fernando Pamplona emocionado. Em minha modesta opinião esse vídeo retrata o maior momento da história do carnaval. 

BIDU SAYÃO E O CANTO DE CRISTAL 1995


Samba de Bira, Zé Carlos do Cavaco, Tião Barbudo, Dequinha Pottier e Jorginho.
Devem estranhar que eu coloquei esse samba né? Beija-Flor tantas vezes campeã, tantos desfiles históricos e eu cito um ano que não foi campeã nem vice, que não ficou marcante para o carnaval.
É..Mas me marcou.
Citei ao falar do samba de 1978 que até ali a escola devia um grande samba. Na verdade a história de sambas da Beija-Flor depois daquele ano não mudou muito. Mesmo o bom samba citado anteriormente, o de 1989, não é do nível do desfile feito e a coisa só melhorou mesmo em Nilópolis nesse século.
Mas 1995 é uma exceção. Enredo diferente dos que a escola nos mostra, graças em muito a sensibilidade do carnavalesco Milton Cunha, a Beija-Flor nos apresentou um enredo lírico, poético, com extrema importância cultural apresentando ao Brasil uma desconhecida que devia ser motivo de nosso orgulho. A cantora de ópera Bidu Sayão.
Como eu disse, ninguém lhe conhecia e graças a escola ela foi apresentada ao público. Velhinha, mas felizmente lúcida, Bidu teve sua vida contada no ano de 1995. Ano da briga entre Portela e Imperatriz pela vitória, da Estácio falando sobre o Flamengo, Salgueiro tentando reencontrar seu Ita perdido e Mocidade com seu belo enredo sobre religiões.
Uma história linda foi contada. De uma guerreira, mulher talentosa que encantou o mundo com sua voz e fez sua apoteose na Sapucaí. A Beija-Flor escolheu um samba a sua altura. Lindo, melodioso, poético, um dos melhores de sua história.
O único carnaval de minha vida que passei fora do Rio de Janeiro. Assisti do Mato Grosso sozinho encantando com o samba cantando por todo o desfile aquela música em homenagem a Bidu. Ela morreu pouco tempo depois, mas graças a essa homenagem o Brasil sabe quem é e se orgulha dessa filha com “voz de cristal”.

A SAGA DE AGOTIME, MARIA MINEIRA NAÊ 2001


Samba de Déo, Caruso, Cleber e Osmar.
O carnaval passava por um momento “confuso” na virada do milênio com alguns campeonatos bastante contestados. A Imperatriz se tornara bicampeã com títulos questionáveis e tendo seu patrono como presidente da Liesa.
A Beija-Flor passara quinze anos sem conquistas e isso forçou mudanças como a saída de Joãosinho Trinta. Maria Augusta e Milton Cunha foram tentativas que não deram certo até que foi criada uma comissão de carnaval.
A comissão levou ao fim do jejum em 1998 em um título empatado com a Mangueira. Mas esse carnaval acabou saindo como “patinho feio”. O desfile da Mangueira (retratado aqui no blog) ficou mais conhecido e até mesmo o da Viradouro que ficou apenas em quinto, mas explodiu seu “Orfeu”.
Mas mais importante que quebrar jejum o carnaval de 1998 criou um novo estilo de enredos e sambas para a Beija-Flor. Enredos mais pesados, teatrais, para alguns sombrios e anti-carnavalescos, para outros ricos culturalmente e profundos.
O auge veio em 2001. Enredo afro como de 1978 dessa vez a Beija-Flor falava de Agotime, uma rainha africana que virou escrava no Brasil e criou no Maranhão uma casa para agradar os seus “voduns” conhecida como “Casa das Minas”.      
Desfile negro, forte onde se sentia a presença dos Orixás. Enredo rico contado de uma forma emocionante. A Beija-Flor pisou poderosa na avenida e tudo levava a crer que sairia vencedora.
Mas não aconteceu. Mais um título contestável da Imperatriz surpreendendo o mundo do samba que esperava a vitória nilopolitana. A reação veio no desfile das campeãs com a escola de Ramos sendo recebida no setor 1 com chuva de latas e vaias.
Algum tempo depois ouvi a versão de disputa na voz de Wander Pires. Coisa linda.

MANOA, MANAUS, AMAZÔNIA, TERRA SANTA: ALIMENTA O CORPO, EQUILIBRA A ALMA E TRANSMITE A PAZ 2004  


Samba de Cláudio Russo, José Luis, Marquinhos, Jessey e Leleco .
Alguns podem contestar também a presença desse samba e desfile, mas é marcante demais pra mim, coisa pessoal mesmo.
Esse ano foi o ano de minha estréia na Beija-Flor, escola em que disputei quatro sambas de enredo e me tratou com muito respeito e consideração.
Foram 107 sambas na disputa e chegamos entre os 8 num dos concursos mais acirrados que já vi. Lá todos os sambas vão ao palco se apresentar e depois de um certo tempo de disputa os compositores são chamados ao barracão para conversar com a comissão de carnaval e realizar mudanças nas obras.
O samba da parceria de Wilsinho Paz e modéstia a parte o nosso, meu melhor samba na vida fora do Boi da Ilha, ganharam destaque inicial, nós principalmente por causa da atuação magistral de Jackson Martins.
Mas por falta de dinheiro e assim de poder investir na disputa ficamos para trás. Existiam outros bons sambas na disputa, entre eles os dois sambas defendidos por Bruno Ribas. Um de Cláudio Tricolor, outro do compositor oriundo da Portela chamado Cláudio Russo.
O samba do Tricolor era melhor que o de Russo, o favorito era o de Wilsinho até que os compositores foram chamados ao barracão para reverem seus sambas. Ali tudo mudou.
O samba do Russo se transformou. De um bom samba transformou-se em um grande samba-enredo com mudanças pequenas, mas importantes como na cabeça da obra que era “Ajuricaba me chamou/ pra luta contra o invasor” e virou “A ambição cruzou o mar/ trazida pelo invasor”.
Virou rolo compressor, conquistou a quadra a ponto de na final Neguinho da Beija-Flor vibrar loucamente em sua apresentação. Dessa forma o samba foi campeão com inteira justiça.
O desfile não foi muito bom, muitos achavam que a Tijuca merecia vencer, mas na minha opinião o samba contribuiu muito para a vitória Nilopolitana, além da chuva claro  já que a escola é especialista em desfilar debaixo de água. Minha primeira disputa na Beija-Flor que ficou registrada em minha mente por nosso samba inesquecível e pela força da “Tribo Beija-Flor”.

Bem..Estão aí cinco carnavais inesquecíveis da Beija-Flor que vem muito forte, como sempre, para 2014 contar a história da televisão brasileira através de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos grandes nomes da história da Rede Globo e da nossa TV.
A Beija-Flor sempre é favorita e de “sofrida” não tem nada”. A “Deusa da passarela” é grande demais.

Semana que vem sua maior rival. Vem de lá sou Imperatriz.  
   
FONTE
GALERIA DO SAMBA

www.galeriadosamba.com.br 


ESCOLAS EM CINCO CARNAVAIS

PORTELA

http://www.aloisiovillar.blogspot.com.br/2013/04/portela-em-cinco-carnavais.html

MANGUEIRA

MOCIDADE


Comentários

  1. Graaaande relato!!!! Sou BEIJA-FLOR desde q me conheço por gente e, a partir de 1995, presenciei todas as disputas e vc me fez relembrar toda emoção de cada ano contado. Lindo lindo lindo de se ler!!! Parabéns!!!

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    1. Obrigado Andrea. Fico feliz que a coluna tenha tocado corações que amam a escola como o seu. A Beija-Flor é uma agremiação que tenho muito carinho e respeito.

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  2. Aloísio, querido! Sou seu fã e de tudo que escreve. Já acompanho o blog há algum tempo e sempre me emociono. Quis o destino que só agora eu lesse justamente a crônica da minha escola... que emoção! Concordo com absolutamente tudo que está aqui escrito, principalmente quando você fala da Bidu Sayão. Uma injustiça histórica, dessa mulher conhecida pelo mundo afora, graças a Deus, corrigida a tempo pela Beija-Flor (sim, além de sambista sou admirador do bel canto). Lembro que no desfile das campeãs de 1994 quando ainda na concentração, o Milton anunciou o enredo do ano seguinte, apenas eu pulava como louco. Depois de uma breve explicação de quem era a homenageada, todos estavam felizes. E agora, podendo reviver tudo de bom que a minha escola fez e deixa de legado pro nosso samba e nossa cultura. Obrigado e parabéns!

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    1. Obrigado Ivson. Eu era um que não conhecia a Bidu e graças a Beija-Flor passei a conhecer e admirar esse mulher maravilhosa. Papel das escolas de samba é esse, passar cultura ao povo e esse papel a Beija-Flor cumpre muito bem. Abração

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  3. MUITO BOM SEU RELATO EU COLOCARIA OUTROS CARNAVAIS MAIS SO PODE COLOCAR CINCO TA VALENDO MINHA ESCOLA E TUDO ISSO ELA SE ADAPTA RAPIDO SAMBA VENCEDOR PARA FUNCIONAR NA AVENIDA MEU MUITO OBRIGADO POR FALAR ASSIM DA MIHA ESCOLA WELTON

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    1. Eu que agradeço por seu comentário Welton, a Beija-Flor é uma senhora escola de samba, abração

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