IMPÉRIO SERRANO EM CINCO CARNAVAIS
Nas duas últimas semanas decidi homenagear grandes escolas de
samba relembrando alguns de seus carnavais inesquecíveis. Duas semanas atrás
escrevendo sobre a Portela em cinco carnavais aproveitando que a escola acabara
de fazer noventa anos. Semana passada aproveitando que era aniversário da
Mangueira e a escola passaria por eleições decidi também fazer sobre a verde e
rosa.
Os resultados foram muito satisfatórios em repercussão e
visitação. As duas colunas entraram entre as 10 mais vistas do blog sendo que a
Mangueira hoje é a segunda mais vista desde sua criação.
Dessa forma resolvi estender para mais algumas escolas. A
cada quarta escreverei de uma e seus carnavais importantes para mim. Escolas
que com seus desfiles e componentes fizeram a história cultural do Brasil.
E já que comecei pelas mais tradicionais continuarei por elas
que formam o grupo das “quatro grandes escolas”. Hoje é dia do “menino de 47”,
do glorioso Império Serrano.
O Império surgiu em 23 de março de 1947 como uma dissidência
da escola de samba Prazer da Serrinha. Começou pisando forte sendo logo tetracampeã. É a escola dos mais belos sambas, dos melhores compositores de nossa
história tendo entre eles o Pelé do samba-enredo denominado Silas de Oliveira.
Império Serrano de Silas, mas também de Mano Décio, Aniceto
do Império, Molequinho, Beto Sem Braço, Aluisio Machado, Roberto Ribeiro,
Jorginho do Império, Arlindo Cruz e Dona Yvone Lara, a primeira mulher a fazer
parte de uma ala de compositores de escolas de samba.
Império de momentos míticos como “Os cinco bailes
tradicionais da história do Rio” de 1965, “Alô, alô taí Carmem Miranda” de
1972, “Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, a estrela de Madureira” de 1975, “A
lenda das sereias, rainhas do mar” de 1976 e 2009, “Mãe baiana mãe” de 1983,
“Foi, malandro é” de 1984, “Eu quero” de 1986, “O império do Divino” em 2006 e
tantos outros.
Destacarei cinco desfiles. Cinco sambas e desfiles seguindo o
que fiz com as outras escolas. Não são necessariamente sambas que assisti ao
vivo, pela TV ou mesmo que eu já fosse nascido. Mas são sambas e desfiles que
me marcaram e moldaram como compositor e sambista.
EXALTAÇÃO À
TIRADENTES 1949
Samba de Penteado, Mano Décio e Estanislau Silva.
“Joaquim José da Silva Xavier, morreu a 21 de abril pela independência
do Brasil, foi traído e não traiu jamais, a Inconfidência de Minas Gerais”.
Esses são os primeiros versos daquele que podemos dizer ser o
primeiro samba famoso da história das escolas de samba. Tivemos outros
importantes no período ou mesmo antes. Mas a consagrar versos com apelo popular
foi esse samba que já têm mais de sessenta anos.
Utilizando característica que marcou os sambas de enredo ao
longo da história o samba da escola da Serrinha contava com muita beleza e
simplicidade um trecho da história do Brasil. O samba é curto demais para o
padrão de um samba-enredo, principalmente em relação aos de hoje. Mas mesmo
assim em apenas onze linhas consegue passar bem a idéia, a aula de história.
Tudo bem que ao longo do tempo descobrimos que a história não
foi bem assim. Mas vale como registro de uma época e do tipo de formação
histórica que as pessoas viveram e foi prosseguindo até minha geração, pelo
menos, que conheceu a história dessa forma.
Não existem vídeos da época então postarei a música com
outras imagens.
AQUARELA
BRASILEIRA 1964/2004
Samba de Silas de Oliveira.
Samba de um gênio, um mito, uma lenda, o maior compositor da
história dos sambas de enredo. Samba feito em uma época que não existiam
sinopses e o compositor tinha que pesquisar o assunto para fazer seu samba.
O tema “Aquarela Brasileira” remete a “Aquarela do Brasil”
música consagrada de Ary Barroso e sozinho o extraordinário compositor, que não
tinha muito estudo, pesquisou e fez o samba.
O samba fala das regiões do país e suas peculiaridades. Tema
muito difícil ainda hoje na era das sinopses. Muita coisa para ser contada,
encaixada na letra e que poderia trazer o maior medo dos compositores, o samba
“recorte colagem”. Eu chamo assim o samba que você tira algo da sinopse e joga
de qualquer forma na letra do samba. Versos soltos apenas pra dizer que a letra
está completa.
Mas Silas de Oliveira era mestre. Conseguiu colocar todas as
regiões do país com suas divisões da época, vários estados em uma melodia
sedutora com grande variação entre suavizadas e crescidas. Letra rica, completa
em que permite ao compositor brincar no refrão que continha apenas “lalaiás”.
Samba histórico, um dos maiores de nosso carnaval. Tão
Importante que foi um dos primeiros a ser reeditado quando isso foi permitido e
o samba venceu em 2004 o prêmio Estandarte de Ouro de melhor samba do grupo
especial. Premiação que não existia em 1964 e assim foi feita justiça ao maior
de todos os compositores.
Também não há vídeos do desfile de 1964, então posto de 2004.
HERÓIS DA
LIBERDADE 1969
Samba de Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira.
Eu nunca me canso de dizer que o samba que eu mais gosto, o
que mais mexe comigo é “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite” de
1981 da Portela, mas eu também digo que o samba que eu mais gosto não é
necessariamente o melhor samba-enredo da
história.
Heróis da Liberdade. Esse é o melhor samba-enredo da história
do carnaval. Ouso dizer isso sem dúvidas nenhuma e sei que muita gente concordará.
É um samba lindo, melódico, contundente, poético que mostra com simplicidade e
muita riqueza passos importantes da história do Brasil e sua busca pela
liberdade.
E num ato de maior ousadia. Escolas de samba serviram muito
tempo para isso antes de se tornarem chapas branca e beijarem mão de governos,
o Império contestou o regime vidente no tema e em versos. Versos que estão
entre os mais bonitos não só da história do carnaval como da música brasileira.
“Essa brisa que a juventude afaga/ Essa chama que o ódio não apaga/ Pelo
universo é a evolução/ Em sua legítima razão”. Isso é lindo demais!!
Evidente que a ditadura militar não deixaria isso passar em
branco. Os compositores foram chamados ao DOPS pra explicar o samba. Pra mim
uma honraria maior que qualquer prêmio e a escola foi obrigada e mudar a
palavra “revolução” para “evolução”.
Na hora do desfile do Império aviões davam rasantes na
avenida para atrapalhar seu desfile. A escola não foi campeã do carnaval e por
coincidência ou não Silas de Oliveira não voltou mais a vencer sambas-enredo
morrendo amargurado com isso.
Nem precisava mais. Silas de Oliveira já era um herói da
liberdade. Liberdade de expressão e da poesia.
BUM-BUM PATICUMBUM PRUGURUMDUM 1982
Samba de Beto
Sem Braço e Aluisio Machado.
O título do
enredo do Império Serrano de 1982 se referia a uma onomatopéia criada por
Ismael Silva no início das escolas de samba para mostrar como era a batida de
samba. A escola não passava por um bom momento. Rebaixada no fim dos anos 70,
voltou rapidamente ao grupo especial, mas vinha de um péssimo resultado em
1981.
O carnaval
mudara. O seleto grupo das quatro campeãs tivera a porta arrombada por três
escolas. Beija-Flor em 1976, Mocidade em 1979 e Imperatriz Leopoldinense em
1980. Mudara também porque aos poucos o samba, o chão das escolas deixava de
ser o principal fator para uma vitória. Visual, carros e riqueza contavam cada
vez mais.
Chegara a era
Joãosinho Trinta. Bicampeão com o Salgueiro e tricampeão com a Beija-Flor ele
era o principal nome do carnaval carioca e a outrora pequena escola da Baixada
a papa-títulos.
O Império
mais uma vez decidira ousar no carnaval. Na contramão do carnaval da época a
escola da Serrinha pisou na avenida com um enredo que enaltecia o samba,
principalmente o samba antigo.
Pisou
arrebatadora, campeã não deixando chance para nenhuma seja rica, moderna ou
não. A escola que não era campeã desde 1972 enalteceu as raízes do samba,
contou como era e criticou no fim dizendo “Super escolas de samba S.A./ Super
alegorias/ Escondendo gente bamba/ Que covardia”.
Super escola
era e sempre será o Império Serrano.
VERÁS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE A LUTA 1996
Samba de
Aluisio Machado, Lula, Beto Pernada, Arlindo Cruz e Índio do Império.
Assim como em
1982 o Império passava por um jejum de títulos. Mas a situação era pior. A
escola passara por alguns rebaixamentos, resultados ruins no especial e se
desacostumara não só a ser campeã como brigar por desfile das campeãs.
Escolheu um
grande enredo para o ano sobre o sociólogo Heberth de Souza, o Betinho. Aquele
irmão do Henfil que partiu em um rabo de foguete.
Betinho não
era mais simplesmente o irmão do Henfil. Transformara-se em uma das figuras
mais importantes do país liderando uma campanha chamada “fome zero” onde alimento
era angariado por todo país para ajudar aos necessitados.
O engajado
Império Serrano dos heróis da liberdade se engajava em uma nova luta, a contra
a fome. Passou a mensagem em um desfile lindo, emocionante com seu melhor samba
das últimas décadas. Era o grande Império na avenida mostrando sua força e seu
lado social.
Foi
injustiçado na pista ficando apenas em sexto lugar. Mas se tornou inesquecível
e eu que não vi os desfiles anteriormente citados tenho esse momento como o
mais sublime que vi da escola da Serrinha.
Grande enredo!! Grande escola que me fez chegar as lágrimas ao ver esse vídeo. Uma pena que no carnaval bajulador de hoje em dia não haja espaço para enredos críticos ou sociais.
Grande enredo!! Grande escola que me fez chegar as lágrimas ao ver esse vídeo. Uma pena que no carnaval bajulador de hoje em dia não haja espaço para enredos críticos ou sociais.
Bem..Aí estão cinco carnavais inesquecíveis para mim do Império Serrano. A escola se encontra faz alguns anos no grupo de acesso, mas não pode ficar lá com todo o respeito que o grupo merece. O lugar do Império Serrano é no grupo especial, é um patrimônio cultural de nosso país a qual devemos respeito e agradecimento por sua história.
Um sambão que amo do Império pós-84: "Eu Quero", de 1986. No mais tem que se tirar o chapéu e agradecer a grande contribução à cultura popular de uma agremiação que nos presenteou com jóias musicais do quilate de "Aquarela Brasileira" e "Heróis da Liberdade".
ResponderExcluirTeria que fazer um "Império em 30 carnavais" pra pegar todos seus grande sambas, só podemos agradecer mesmo
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