ROMEU E JULIETA
*Conto da coluna "O buraco da fechadura" publicado no blog Ouro de Tolo em 18/5/2013
Não, esses não são de Shakespeare, são do Rio de Janeiro
mesmo e dos tempos modernos vivendo as agruras do dia a dia.
Romeu nunca conheceu a felicidade nem o significado de
família. Nasceu na miséria e ela se tornou sua companheira. Nasceu debaixo do viaduto
onde seus pais improvisaram um barraco com restos de madeira e plásticos. Sem
pré-natal, sem médicos fazendo seu parto, nada.
O sexto entre oito irmãos vivendo naquela miséria. Dois
sumiram pelo mundo, dois morreram assassinados e Romeu seguiu com os pais.
Trabalhava catando latinhas com o pai e arrumando objetos para vender em ferro
velho. Com cinco anos já era viciado em cola de sapateiro.
Nessa mesma época sua mãe lhe levou até o conselho tutelar
querendo se livrar do menino. Completamente bêbada e drogada tentou entregar
Romeu ao conselho alegando que era “cachorra de rua” e não tinha filhos, sim
ninhadas. Não conseguiu o que queria e voltou puxando Romeu pelo braço furiosa.
A relação nunca foi boa e Romeu apanhava constantemente do
pai. Um dia estava deitado sobre um papelão dormindo e percebeu a mãe se
aproximando com uma panela na mão. Notou o perigo e deu um salto quando a
mulher drogada jogou a água fervendo sobre o papelão.
Nesse dia Romeu percebeu que não poderia mais viver ali.
Vagou pelas ruas sozinho e para manter o vício em cola e praticar assaltos. Foi
levado a abrigos e fugiu todas as vezes para a rua.
A rua era sua morada, seu lar, a única casa que conheceu
assim como muitos meninos por esse país.
E história que tem Romeu tem que ter uma Julieta. Mas essa
Julieta nem perto dele morava. Vivia no interior do Nordeste com seus pais em
um casebre no meio do nada, com imensas dificuldades para viver.
A família acordava antes do dia amanhecer e percorria
quilômetros de terra até uma fazenda de cana de açúcar onde trabalhavam debaixo
de Sol forte. Julieta com apenas sete anos já trabalhava com os pais e irmão
perdendo assim sua infância.
Trabalhavam apenas em troca de comida e um punhado de
moedas, trabalho escravo na exatidão da palavra. Paravam meio dia para comer
marmita com um copo de água e não tinham tempo nem para descanso rapidamente
voltando ao trabalho.
Voltavam para casa apenas de noite a tempo de deitar e
dormir apenas para no dia seguinte continuar a luta.
Um dia estavam todos em casa quando chegou um caminhão com
dois homens chamando pelos donos da casa. O pai atendeu a porta e os homens
disseram que foram buscar a menina.
O pai gritou pra dentro “trás a Julieta” e a mãe foi até o
quarto onde a menina desenhava.
A mãe mandou que Julieta fosse até a sala e a menina sem
entender acompanhou. Chegando lá viu os homens e o pai mandou que acompanhasse
a eles. Julieta perguntou para onde e ele mandou que não discutisse.
A verdade é que os pais de Julieta lhe venderam para um
bordel na capital.
E Julieta com apenas dez anos de idade berrava e implorava
aos pais que não queria ir. A mãe apenas chorava e o pai gritava que ela não
desobedecesse e fosse com eles.
Julieta foi
colocada na caçamba chorando e viu outras meninas na mesma situação. Chorando baixinho viu o caminhão partindo
e sua casa ficando lá pra trás.
Antes de chegar no bordel se encheu de coragem e pulou do
caminhão sem que os homens percebessem.
Toda machucada andou pela estrada de terra por horas cheia
de fome e sede e tentou carona com ninguém parando. Conseguiu que um
caminhoneiro parasse e perguntasse para onde ela iria. A menininha olhando pro
chão respondeu “para onde o senhor for”.
Parou no Rio de Janeiro.
Desceu do caminhão e vagou pela cidade grande, colorida com
noite estrelada e sentiu frio mesmo com temperatura de 30 graus. Sentiu medo,
fome, saudade de casa e dos pais.
Olhou avidamente para uma carrocinha de cachorro quente e
sentiu água na boca vendo uma senhora preparar. A senhora reparou e chamou
Julieta para perto. Ela foi e a senhora perguntou se sentia fome.
Julieta respondeu que sim e a senhora preparou um cachorro
quente para a menina. Julieta agradeceu e com tanta fome devorou rapidamente.
Agradeceu e continuou sua caminhada pela cidade.
Sentiu sono, não tinha onde dormir e teve que se ajeitar
pela rua mesmo. Viu uma marquise de um prédio abandonado e pegou um papelão na
lixeira deitando por lá mesmo.
Com o tanto de sono que sentia dormiu na hora. Algum tempo
depois sentiu como se um homem lhe acariciasse e beijasse seu pescoço. Acordou
e viu um homem lhe beijando. Tentou se livrar, mas o homem era mais forte e
mandava que ela ficasse quieta. Julieta desesperada berrava por socorro.
Até que ele sofreu uma pancada e caiu sobre ela. Quando
Julieta percebeu viu um menino com uma garrafa quebrada na mão.
Era Romeu.
Ele acertara o homem com uma garrafa na cabeça e logo
depois do ato Romeu pegou Julieta pela mão e gritou “vem!!”. Os dois saíram
correndo com o homem correndo atrás com uma das mãos na cabeça dizendo que
mataria os dois.
Romeu e Julieta correram muito e conseguiram se livrar do
homem. Rindo Romeu perguntou se a menina estava bem e ela tremendo não
conseguia responder nada. Romeu pegou a mão de Julieta e disse que ela estava
segura pedindo para ir com ele.
Romeu levou Julieta até um local que contava com várias
crianças de sua faixa etária. Romeu, na ocasião com apenas doze anos, já era um
líder dos meninos e contou que uma nova pessoa chegava para se juntar a eles e
apresentou Julieta. Ninguém deu muita atenção e Romeu perguntou se a menina
tinha fome.
Fazia algum tempo que ela comera o cachorro quente e
respondeu que sim. Romeu foi até o local que dormia e deu a Julieta um saquinho
de batatas fritas. Julieta comeu desesperadamente enquanto o menino deduzia que
ela não era dali pelo sotaque.
Julieta não quis falar sobre e Romeu arrumou uma colcha
velha e entregou pra ela dizendo que poderia usar pra dormir. A menina
agradeceu e o rapaz contou que ela poderia dormir tranquila que ninguém iria lhe
atacar.
Julieta agradeceu, pegou a colcha e deitou. Toda encolhida
a menina dormiu enquanto Romeu olhava e velava seu sono. Debaixo de um viaduto
com barulhos de carros passando, o vai e vem da cidade que não dormia e nem
prestava atenção o coração de Romeu começava a conhecer outro sentimento, o
amor.
Julieta acordou de manhã e Romeu sorridente deu bom dia. A
moça se espreguiçou respondendo e ele perguntou se dormiu bem.
Julieta respondeu que dormira e Romeu pegou um pedaço de
pão e um copinho de plástico de suco oferecendo a ela. Julieta agradeceu e
enquanto comia falou que precisava arrumar emprego e um lugar para morar. Romeu
respondeu que as coisas não eram tão fáceis, mas a menina disse que
conseguiria, não tinha medo de trabalho.
Enquanto Romeu catava latinhas Julieta vendia balas em
sinais de trânsito e com a graninha que arrumavam compravam comida. Quando a
situação apertava Romeu praticava pequenos furtos uma vez apanhou muito de dois
guardas municipais.
Romeu ficou muito machucado e Julieta cuidou do rapaz com
todo carinho. Comprou remédio e fez curativo e passou compressas no garoto que
ardia em febre. Romeu agradeceu o cuidado contando que nunca tivera na vida e
Julieta contou que ela quem cuidava dos irmãos quando estavam doentes.
Romeu perguntou porque Julieta nunca falava da família e a
menina respondeu que era pra não sentir saudades. O menino pegou na mão de
Julieta e disse que era sua família agora.
No dia seguinte Julieta acordou e assustada não encontrou
Romeu. Olhou para os lados procurando e chamando quando ele apareceu com as
mãos para trás. Julieta perguntou o que ele escondia e Romeu mostrou uma boneca
e entregou em suas mãos dando de presente por gratidão pela noite anterior.
Julieta comovida deixou lágrimas cair de seus olhos. Romeu
perguntou qual era o problema, se não tinha gostado e Julieta respondeu que era
linda e nunca ganhara uma boneca na vida.
Levantou e deu um beijo no rosto de Romeu dizendo que era
hora de trabalhar. O rapaz apaixonado ficou passando a mão no rosto.
Era dia de trabalho, mas Romeu queria mais, queria
impressionar Julieta. Foi para um local afastado de Julieta, mais movimentado e ficou reparando nas pessoas.
Viu uma senhora passando e pegou sua bolsa saindo
correndo. A mulher gritou pela polícia que correu atrás, mas não alcançou.
Depois de se livrar dos policiais Romeu abriu a bolsa e viu que tinha um bom
dinheiro, o suficiente.
Quando Julieta chegou embaixo do viaduto encontrou uma
mesa posta com toalha e velas acesas em cima. Nada entendeu e Romeu lhe
esperava com uma flor.
Julieta pegou, agradeceu e Romeu puxou uma cadeira para
que ela sentasse. A menina sentou e ele abriu uma garrafa de refrigerante de
uva como se fosse vinho e depois abriu uma caixa com uma pizza portuguesa
quentinha.
Romeu serviu Julieta que agradeceu e perguntou que fartura
toda era aquela. Romeu respondeu que o dia de trabalho fora produtivo e
brindaram à felicidade e o amor.
Romeu queria impressionar Julieta e parou de catar
latinhas para apenas assaltar. Furtava pedestres no centro da cidade e a cada
dia aparecia com um presente diferente para Julieta. A menina estranhava os
presentes e o fato de Romeu começar a chamá-la para comer em pizzarias e
lanchonetes perguntando onde ele arrumava o dinheiro e ele sempre respondia que
dava sorte com as latinhas.
Arrumou um revólver e aumentou sua ação começando a
assaltar motoristas parados em sinal.
Um dia andava pelo centro depois de usar cola de sapateiro
e fumar maconha procurando pela rua algum motorista para assaltar. Viu um carro
bonito guiado por um senhor idoso e viu ali a oportunidade.
Anunciou o assalto, mas era um ex delegado que atirou
acertando seu braço, Romeu reagiu e atirou três vezes no motorista
fugindo.
O garoto ferido vagou pela cidade até voltar para sua
morada. Lá Julieta preocupada queria saber como acontecera aquilo e ele
respondia que só precisava ficar um pouco quieto que melhoraria.
De noite Romeu não estava nada bem. Suava frio e Julieta
cuidava do rapaz, ela insistia para levá-lo a um hospital e Romeu negava-se
respondendo que se fosse pra lá lhe prenderiam.
Durante a madrugada uns homens armados desceram de
veículos e um dos meninos acordou e percebendo o perigo gritou. Todos acordaram
e começaram a ser fuzilados um a um.
As crianças tombavam mortas enquanto os homens atiravam.
Romeu e Julieta tentaram correr, mas se separaram, os homens correram atrás de
Julieta e lhe encurralaram.
Julieta chorando pediu piedade quando os homens apontaram
as armas. Na hora de atirarem Romeu se meteu na frente e sofreu os disparos. As
balas atravessaram o corpo de Romeu também acertando Julieta.
Os dois caíram mortos com o sangue se misturando ao chão.
Os homens depois jogaram álcool por todo lugar e atearam fogo indo embora.
No começo se ouviu gritos desesperados de algumas crianças
que ainda agonizavam, mas depois só o silêncio no meio das chamas.
O que o amor uniu o fogo não separou e abraçados Romeu e
Julieta morreram.
Consumidos pela miséria.
Muito bommmm!
ResponderExcluirObrigado amor
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