VOLTA NO MORTO
*Capítulo publicado na coluna "Enredo do meu samba" no blog Ouro de Tolo em 26/10/2013
Tive que rir né? Afinal Apolinério recebeu o troco merecido. Perguntei a Panguá se ele tinha mais alguma história envolvendo carnaval e o homem fez o sinal da cruz dizendo “to fora”. Logo depois levantou e foi ao 402.
Fui para o trabalho e depois passei na casa de meu pai para ir ao “Casa de bamba”. Tempo que não íamos lá. Chegando pegamos uma “gelada” com o Almeidinha e perguntei ao Manolo como estava a situação do bar. O dono do local triste, respondeu que estava perto de fechar e entregar a chave pra igreja.
Perguntei se não podíamos fazer nada e ele respondeu que a dívida era alta demais. Ficamos um tempo em silêncio e o homem perguntou se eu conhecia o Dodô do Estácio.
Respondi que não e meu pai percebeu um homem sentado em outra mesa bebendo uma cerveja e comentou “Ih, olha o Dodô ali!!”. Dodô tinha noventa anos e vivido tudo do carnaval. Manolo comentou “Cheguem lá que terão histórias deliciosas pro livro.”
Peguei nossa cerveja e cheguei com meu pai na mesa de Dodô. O homem já conhecia meu pai e lhe deu um abraço nos convidando para sentar. Pedi mais uma cerveja para Almeidinha e começamos a jogar conversa fora.
Conversávamos quando ouvimos um barulho do lado de dentro do bar.
Depois ouvimos a voz de Manolo reclamando com Almeidinha pelo garçom ter deixado cair um copo e Dodô bebericando a gelada riu e comentou “Ufa, pensei que fosse o espírito de Borjalo”.
A disputa na
Acadêmicos da Guanabara sempre foi difícil. A escola é conhecida por ter os
maiores poetas e os sambas mais famosos do Rio de Janeiro e foi assim até
recentemente.
Até que os talentosos
e malandros Dudu, Martinho, Larcinho e Quito decidiram montar uma parceria.
Dudu e Martinho já
eram compositores antigos da casa e se juntaram a Quito que era um excepcional
cantor e que se transformara na voz oficial da escola e Larcinho, um garoto
filho do vice presidente da escola o sr Lárcio Sodré.
Ganharam dois anos a
competição na escola e como cada vez que se ganha fica mais difícil vencer no
ano seguinte tinham que fazer algo para garantir o tricampeonato.
Conseguiram um
patrocínio poderoso com o major Barrosão, chefe da milícia na área que se
dispôs a ajudar financeiramente no que precisasse a parceria, só querendo sua
grana de volta em caso de vitória do grupo.
Concordaram com a
oferta e para fechar o grupo pensaram em um antigo compositor da Acadêmicos que
há muito tempo não escrevia e se transformara o responsável pela quadra da
escola, Gilberto Borjalo.
Parceria
formada fizeram o samba e foram para disputa. A parceria era muito talentosa e
conseguiu o tricampeonato, grana preta garantida
por mais um ano.
Na semana
seguinte Dudu, Martinho, Quito, Larcinho, Barrosão e Borjalo promoveram um mega
churrasco no morro com presenças até de políticos que promoviam o “beija mão”
ao major. Barrosão dava tiros ao alto dizendo que quem mandava ali era ele e
sempre ganharia o samba que ele quisesse na escola e que usaria a grana que os
compositores lhe devolveriam para fazer uma escolinha de percussão na
comunidade.
O
dinheiro só saía depois do carnaval. A escola não fez um bom desfile escapando
do rebaixamento por pouco, mas escapou que era o que importava. Assim a
parceria poderia planejar o tetra e ganhar mais dinheiro.
Souberam
que o dinheiro seria liberado na segunda de manhã e no domingo resolveram fazer
uma festinha para comemorar. Quito era casado e Dudu homem caseiro então não
foram. A festinha foi comandada por Martinho e Larcinho.
Pelas
tantas Larcinho comunicou a Martinho que tinha chamado Borjalo. Martinho
perguntou se era uma boa, a festa estava cheia de mulheres, bebida, não era
muito a praia de Borjalo que gostava mais de tomar café e jogar cartas, mas
Larcinho mandou que o parceiro não se preocupasse que o “coroa iria se
amarrar”.
Borjalo
chegou um pouco depois e os três farrearam muito com cinco mulheres
estonteantes, cheias de amor para dar e bebidas de todas as espécies. A farra
durou a noite toda até que todos apagaram e Martinho acordou com o relógio
tocando, era hora de pegar o dinheiro.
Cheio de
ressaca Martinho acordou e perguntou a Larcinho por Borjalo, o rapaz respondeu
que não vira. Procuraram por toda a casa até que encontraram o velho no
banheiro com a cabeça na privada. Borjalo estava morto.
Larcinho
soltou um “puta que pariu” e correu para tirar a cabeça de Borjalo da privada.
Martinho reclamava que bem que tinha dito para não chamar Borjalo e Larcinho
revidada mandando que ele fizesse alguma coisa. Martinho pegou o telefone e
ligou correndo para Quito e Dudu.
Os quatro
ficaram lá na sala com o corpo de Borjalo perguntando o que fariam. Quito
respondeu que ligaria para a escola de samba informando o falecimento e
perguntando por parentes para comunicar. Quando começou a discar o celular Dudu
mandou que desligasse.
Dudu
falou que não podiam fazer isso, porque se comunicassem a parte do dinheiro de
Borjalo ficaria presa e sobraria pros quatro ter que dar a parte de Barrosão.
Ficaria muito pesado para eles dividir aquela
despesa em quatro em vez de cinco, quase sobraria nada.
Larcinho
disse que ele tinha razão e Dudu continuou dizendo que Borjalo não tinha mulher
nem filhos então poderiam dar a parte dele toda para Barrosão e completar só
com um pouco de dinheiro deles, seria perfeito eles ficariam com muito mais
dinheiro que pensaram, dariam o dinheiro de Barrosão e ficariam todos felizes.
Martinho
disse que o plano era bom, mas perguntou como fariam aquilo.
Dudu,
Quito, Martinho e Larcinho foram até a arrecadadora de direitos
autorais com Borjalo a tiracolo de chapéu e óculos escuros copiando o filme “um
morto muito louco”. A diretora do órgão notou que Borjalo estava muito quieto e
os rapazes disseram que era ressaca. Ela entregou documentos à eles e disse que
já voltava com os cheques.
Na saída
dela rapidamente Dudu assinou os documentos referentes a Borjalo com assinatura
perfeita e quando ela voltou entregaram os documentos e pegaram os cheques.
Saíram
dela, pegaram o dinheiro no banco, deixaram o corpo de Borjalo sem que ninguém
visse na secretaria da escola e todos pensaram que ele morrera na agremiação.
Depois entregaram a parte de Barrosão e concluíram o “crime perfeito”.
Borjalo
foi enterrado com a agremiação toda presente, um surdo fazendo a marcação do
minuto de silêncio e os parceiros chorando sua morte e com grana no bolso.
As
semanas se passaram com tudo parecendo cair no esquecimento
quando Dudu foi ao supermercado e voltando ao carro viu um bilhete no vidro,
pegou para ler e estava escrito “deram volta em morto”.
Dudu se
irritou com aquela brincadeira sem graça, mas deixou para lá e entrou no carro.
Chegando em casa viu no espelho do banheiro escrito em batom “deram volta em
morto, vão pagar”. O telefone tocou logo depois, ele começando a ficar
assustado atendeu e ninguém falava nada do outro lado. Ficou realmente
assustado.
A
campainha tocou e Dudu cheio de medo abriu a porta. Eram seus parceiros de
samba assustados relatando os mesmos tipos de fenômeno.
Quito apavorado dizia que era o fantasma de Borjalo assombrando e Dudu mandava
ele parar de ser ridículo que fantasmas não existiam.
Martinho
teve ideia de rezarem uma missa pela alma de Borjalo e eles foram até a igreja
que o defunto frequentava e fizeram. Mas não adiantou nada, a perseguição
continuava.
Os quatro
se reuniram novamente na casa de Dudu já pensando em contratar um exorcista
quando bateram na porta violentamente. Quito se assustou dizendo que era a alma
de Borjalo e Larcinho mandou que ele deixasse de ser idiota que fantasma não
batia portas.
Abriu a
porta e Barrosão, que era um negão, entrou branco na casa com uns capangas
armados e contou que há uma semana vinha sendo perseguido pelo fantasma de
Borjalo. Sonhava com o defunto e recebia cartas dizendo que o dinheiro que
recebeu era roubado de morto e que ele iria pagar por isso.
Dudu
tentou desconversar dizendo que era mentira, mas um
pai se
Santo acompanhava Borjalo desmentiu Dudu afirmando que era verdade e que
inclusive ele recebeu o espírito do morto dizendo que se vingaria de todos a
começar por Barrosão.
Barrosão
fez o sinal da cruz e os quatro começaram a gaguejar e não dizer coisa com
coisa. O pai de Santo completou que a única forma de Barrosão escapar da
maldição era que dessem as partes de dinheiro deles ao miliciano.
Martinho
tremendo e gaguejando respondeu que não tinham mais a grana e
nessa hora o miliciano e seus capangas sacaram as armas e
apontaram aos compositores. O pai de Santo saiu de fininho da casa enquanto os
quatro se ajoelhavam e pediam piedade.
Barrosão
contou “um, dois..” e interrompeu a contagem pra perguntar “vocês não estão
ouvindo um tic tac?”.
Sim,
tinha um tic tac e a casa explodiu mandando tudo pelos ares.
Enquanto
os bombeiros tentavam apagar o fogo da casa e a polícia entender o que ocorria
em outro canto da cidade o pai de Santo chegava com uma mochila para encontrar
uma mulher que também tinha uma mochila.
O homem
deu um beijo na mulher e disse “o dinheiro do otário ta aqui, ele acreditou na
história que seu irmão baixou em mim e falou que era dinheiro maldito”.
A mulher
riu e respondeu “o dinheiro daqueles quatro idiotas também está comigo, esses
nunca mais darão volta em morto, que se entendam com meu irmão no inferno”.
Deram
outro beijo e entraram em um carrão em direção ao aeroporto e desfrutar de todo
aquele dinheiro.
Vai..vai
dar volta em morto pra você ver...
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MALANDRO ENFEITIÇADO
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