DENER, O ADORÁVEL INIMIGO
O
ano de 1994 é marcado por uma tragédia que abalou o país e não falo da morte de
Ayrton Senna. Uma outra tragédia ocorreu tão terrível quanto, mas ofuscada pela
morte do tricampeão.
Eram
outros tempos de campeonatos estaduais como citei na coluna de segunda-feira. O
campeonato carioca era disputado com vontade, por bons times e ganhar ou perder
o carioca podia afundar ou garantir a temporada.
O
Fluminense com nove anos sem títulos, mas sem passar ainda pelos traumas dos
rebaixamentos vinha comandado pelo futuro tetracampeão Branco, o Botafogo
apesar do título da CONMEBOL de 1993 estava com um time fraco, sofrendo ainda
com a saída do bicheiro Emil Pinheiro, o Flamengo começou mal o campeonato, mas
com reforços importantes como de Charles Baiano, Valdeir, Carlos Alberto Dias,
Boiadeiro e o surgimento de Sávio cresceu.
Mas
sem dúvidas o grande time carioca da ocasião era o Vasco. O clube da colina era
bicampeão carioca e buscava um inédito tricampeonato. A dupla Calçada e Eurico
dominava os bastidores do futebol brasileiro e também investiam pesado em
campo.
Graças
a isso fez a melhor campanha da primeira fase vencendo a Taça Guanabara e
entrando com um ponto já na segunda fase disputada apenas entre os 4 grandes do
futebol carioca. Foi o último campeonato realizado no Brasil em que a vitória
valia dois pontos e por isso aquele ponto extra era fundamental e fez diferença
no fim.
O
campeonato carioca de 1994 de grandes jogos, estádios cheios, polêmicas e teve
um nome. Dener.
Para
a molecada de hoje posso dizer sem exagero nenhum que o Dener era um Neymar
melhorado. Seguramente teria sido um dos melhores jogadores do mundo e ganho
algumas vezes a bola de Ouro. Dono de uma grande velocidade, habilidade e
controle da bola poucas vezes vistas no futebol Dener era uma espécie de
Carlitos de nossos gramados. Um jogador que sorria de forma inocente e dizia
que muitas vezes uma jogada bonita era melhor que um gol.
Dener
surgiu na Portuguesa de São Paulo graças a uma impressionante Copa São Paulo de
juniores que fez em 1991. Continuou crescendo na carreira, passou emprestado
pelo Grêmio e chegou no começo daquele fatídico ano de 1994 ao Vasco. Dener
destoava do “futebol brucutu” que tomava conta do Brasil naquele ano e foi
simbolizado na conquista do tetra em julho em um 0x0 tomado pela emoção da
conquista, mas modorrento como partida.
Logo
nas primeiras partidas pelo Vasco Dener assombrou. Participando de um torneio
amistoso na Argentina fez jogadas que entraram para a história e assim o Vasco
chegou em outro patamar para o carioca.
Eu
fui no Flamengo x Vasco pela Taça Guanabara e o Vasco destruiu o Flamengo.
Venceu por 3x1 com show do malabarista da bola. A torcida rubro-negra o
xingava, tentava tirar do sério e ele respondia com futebol.
Foi
o último Flamengo x Vasco que fui e foi
o único de Dener também.
A
tragédia ocorreu no dia 19 de abril de 1994, poucos dias antes de um
Flamengo x Vasco pelo turno da fase final. Dener estava sendo negociado com o
futebol alemão. Foi até São Paulo fechar detalhes da negociação e quis voltar
ao Rio de madrugada para não perder o treino.
Não
chegou. Faltando poucos quilômetros para chegar em casa morreu dormindo. Estava
no banco de carona do carro, com o cinto de segurança mal colocado e com a
batida na árvore acabou estrangulado.
Um
choque, uma tragédia. O Carlitos da bola não iria mais driblar, a voz destoante
dos brucutus silenciava para sempre, Dener poderia ter sido um dos grandes,
infelizmente ficou apenas no poderia. Como Geraldo, o assobiador que muitos
dizem que era melhor que o Zico e graças a uma operação de amídalas nunca
saberemos.
Um
Vasco devastado entrou em campo domingo com o Flamengo e foi derrotado por 2x1
num dos dias mais tristes da história do Maracanã e mais vergonhosos da
história do Flamengo com a torcida do clube cantando música debochando da
morte.
O
Vasco acabou campeão, o Fluminense chegou a meter 7 no Botafogo em um jogo, mas
o gosto no fim foi amargo. O tricampeonato vascaíno teve sabor de saudade.
Dener
não fez história no futebol como deveria, sua família até hoje passa
necessidades e tem clubes lhes devendo. Mas acho que o genial malabarista da
bola acabou permitindo que com sua passagem relâmpago outros jogadores
surgissem como Ronaldinho Gaúcho e Neymar. Percebemos com Dener que existia sim
espaço para o talento e a habilidade.
Comparei
Dener na coluna inteira com Chaplin e sua genial criação Carlitos, mas poderia
compará-lo também com Picasso.
Dener foi dono de obras de arte colocando sua
assinatura em algumas das telas mais bonitas que o futebol contemporâneo
produziu.
Telas
emolduradas pela memória de quem teve o prazer de observar, como eu naquela tarde
de domingo no Maracanã mesmo na torcida adversária.
Porque
arte é arte independente da camisa que veste. A gente não consegue torcer
contra a arte e nem adianta porque é um esforço em vão.
A
arte sempre vence e resiste ao tempo. O tempo da arte é infinito, vai muito além de 20 anos.
Saudades
Dener, adorável inimigo.
Coluna que emociona e nos faz viajar, lembro de uma hilária participação do Dener no quadro "Sexolândia" do ainda suportável "Domingão do Faustão". Infelizmente a chamada grande mídia ignora e quis esquecer a história daquele relâmpago e o quanto a família dele ficou desamparada.
ResponderExcluirPS: a tragédia se deu em abril, e não em dezembro.
Verdade, escrevi errado, vou editar
ResponderExcluirabraço