O JOGO


*Conto publicado na coluna "O buraco da fechadura" do blog Ouro de Tolo em 01/07/2013

Téo era um menino como todos os outros de sua idade nessa era moderna. Morava em um condomínio e lá dentro fazia toda sua vida mal botando a cara na rua.
Lá tinha seus amigos e a brincadeira deles eram todas feitas dentro do local que tinha piscina, sauna, churrasqueira, quadras de tênis, de futebol, heliponto..se  desse mole tinha até banquinha do jogo do bicho.
O menino era fissurado em games. Tinha vídeo game moderníssimo em casa onde ficava quase 24 horas jogando e quando não estava nele jogava no celular. Mãe e pai repreendiam, colocavam de castigo, mas não adiantava o moleque era fissurado.    
Um dia saiu com os amigos do condomínio para ir a uma danceteria. Dançou muito, beijou algumas meninas e teve uma noite agradável longe dos games. Na saída o grupo passou em uma lanchonete e dois amigos começaram a jogar sinuca.
Téo bebia um refrigerante e comia um hambúrguer olhando entediado o jogo quando reparou que na sala ao lado tinha máquinas de fliperama. Curioso foi até o local sem que ninguém percebesse.
O local estava vazio, meio empoeirado com todas as máquinas ligadas. Téo passou por elas rindo da antiguidade e teve que tirar algumas teias de aranha da frente para ver todas.
Até que percebeu uma em especial. Nunca vira aquele jogo antes então Téo se aproximou. O jogo chamava-se “No inferno com o diabo” e o rapaz ficou curioso.
Procurou alguém que lhe vendesse uma ficha e não encontrava até que viu um velho estranho varrendo o chão parecendo sair de algum filme de terror e perguntou quem vendia fichas.              
O velho parou de varrer e olhou o rapaz por um tempo. Téo incomodado perguntou novamente e o velho voltou a varrer respondendo “cinquenta reais”.
Téo tentou argumentar que o preço era um absurdo enquanto o velho varria e respondia que era esse mesmo. O rapaz pensou, pensou e estava muito curioso para conhecer o game. Decidiu aceitar a proposta e deu o dinheiro para o velho que lhe entregou uma ficha.
Téo com a ficha na mão caminhou até a máquina, olhou bem pra ela e comentou “vamos ver como é essa belezinha”. Colocou a ficha e começou a jogar.
O rapaz era expert em games, não tinha um no qual não se saísse bem e chegasse até o fim “zerando” a máquina, mas com o tal jogo foi totalmente diferente.
Téo perdeu rapidamente e se aborreceu, foi atrás do velho e comprou mais uma ficha perdendo novamente rápido. Mais uma, mais uma até que já comprara dez fichas e no máximo chegara perto de ultrapassar a primeira fase, mas fracassando.
O dinheiro acabou então não tinha mais como Téo fazer nada. O Garoto olhou para a máquina fascinado com o jogo que conhecera e a dificuldade que lhe impôs. Chegou bem perto do jogo e disse baixinho “eu volto”. Caminhou empolgado em direção a saída e gritou para o velho, que nem se importou e continuou varrendo, que voltaria.
Encontrou os amigos no salão da lanchonete que perguntaram onde ele estava. Téo entusiasmado contou sobre a máquina de fliperama e como ela lhe derrotou. Os amigos curiosos pediram para ir até o salão de fliperama e quando tentaram entrar encontraram a porta fechada. 
Téo socava a porta tentando que abrissem e os amigos ironizavam falando que pelo jeito da porta ela não era aberta há muito tempo e Téo apenas devia ter imaginado que jogou. O grupo voltava para o salão da lanchonete com Téo jurando que tinha fliperama lá e os amigos brincando dizendo que ele fumou maconha.
Téo foi pra casa e sonhou com o jogo, ficara obcecado. No café da manhã os pais notaram que Téo estava quieto e perguntaram se ele tinha algum problema com o menino respondendo que não.
Ele saiu e foi até a lanchonete que tinha fliperama nos fundos. Entrou indo até o local que os jogos funcionavam e ele estava fechado. Perguntou a um homem que limpava o chão da lanchonete que horas abria o salão de jogos e ele respondeu que era novo na casa e nem sabia que tinha fliperama.
Téo foi pra casa e recebeu novo convite de amigos para sair. Seu melhor amigo contou que tinha uma menina especial naquela noite para acompanhar e que ele iria adorar.
De noite foram todos de novo a danceteria e a menina se apresentou a Téo como Marina. Conversaram um pouco, Téo pegou bebida para os dois e logo depois já estavam se beijando.
No final da noite todos se perguntavam aonde seria a “saideira” e Téo sugeriu a lanchonete. Alguns reclamaram que já estiveram no local no dia anterior e Téo insistiu contando que o lugar era legal e tinha sanduíches ótimos conseguindo assim convencer.
Foram até a lanchonete e enquanto os garotos faziam os pedidos Téo contava a Marina do fliperama. A moça pediu que ele a levasse até lá, Téo olhou em direção ao salão de jogos percebendo que a porta estava aberta e chamou a menina para acompanhá-lo.
Téo andou em direção ao salão sem avisar aos amigos e quando entrou viu que se desencontrara de Marina. O lugar estava exatamente como Téo deixara na noite seguinte, com as máquinas ligadas e vazio.
Téo andou pelo local procurando o velho e depois de procurar um tempo encontrou o senhor varrendo. Cumprimentou o homem que olhou e voltou a varrer dizendo “você de novo”.
O rapaz respondeu que sim e pediu dez fichas para o velho que entregou as mesmas e pegou o dinheiro. Téo se aproximou da máquina que parecia estar lá esperando por ele e vociferou “hoje você não escapa”.
Colocou a primeira ficha e começou a jogar. Novamente não fora bem sucedido e colocava uma a uma fracassando. Na hora da última ficha é que ocorreu de pela primeira vez Téo chegar a segunda fase.
Entusiasmou-se e pegou mais três fichas, nas três conseguiu chegar novamente na segunda fase, mas fracassou na tentativa de “zerar”. Abismado olhava a maquina que lhe derrotara novamente se perguntando o que poderia fazer.      
Saiu do salão de jogos e perguntou a Marina onde ela estava. A moça respondeu que foi lhe seguindo, mas se desencontrou dele. Perguntou se ele conseguira entrar no salão e brincar com o fliperama e Téo respondeu que sim, mas novamente fracassara na disputa.
Marina consolou o rapaz dizendo que era assim mesmo e lhe beijou. Téo perguntou se Marina queria namorar com  ele e ela não respondeu nada, colocou o indicador em sua boca e lhe beijou novamente.
Téo e Marina começaram a namorar e a obsessão do rapaz com o jogo aumentava a cada dia.
Ele só conseguia entrar no fliperama de noite e perdia todo seu dinheiro na máquina. Cada vez ele conseguia passar mais fases e sonhava com o dia de “zerar”.
Os pais começaram a se preocupar com o filho que sumia todas as noites e seu dinheiro ia todo embora. O pai começou a pensar que Téo tinha problema com drogas e chamou o filho para uma conversa.
Téo jurou ao pai que não e que a única coisa que fazia era jogar em um fliperama. O pai não entendia o porque com tantos jogos em casa o filho se preocupava com um jogo velho. Téo contou que não sabia responder, era mais forte que ele e precisava chegar à fase final daquela máquina.
O pai não acreditou muito naquela história e levou o filho a um psicólogo. Na sala para a consulta Téo confirmou a versão que não usava drogas, apenas jogava e no fim da sessão com Téo se afastando o psicólogo contou ao pai que ele teria problemas.
Téo cada vez menos aparecia em casa aumentando a preocupação dos pais.  O rapaz não comparecia mais ao colégio e todos os amigos reclamavam de sua ausência, menos Marina que teria todos os motivos em reclamar por ser a namorada, mas não fazia, ao contrário ainda incentivava o rapaz a jogar.
Téo passava as noites no salão e sua insistência começava a fazer efeito. O rapaz já conseguia chegar em fases intermediárias e vibrava como se fosse a coisa mais importante do mundo. Téo virava para o velho faxineiro e falava que ele ainda iria lhe aplaudir quando zerasse a máquina.
O velho olhava sério Téo e nem lhe dava muita atenção voltando a varrer aquele salão poeirento.
No dia seguinte Téo se despediu dos pais contando que iria sair e o pai perguntou aonde, Téo respondeu que iria ao fliperama.
O pai que lia jornal e continuou lendo respondeu “essa noite não”. Téo se espantou e seu pai mandou que ele voltasse ao quarto.
O rapaz esbravejou, discutiu com o pai, mas em vão sendo obrigado a voltar para o quarto e trancado no local.
Téo sentia necessidade de jogar, a fissura que só viciados sentem. Olhou a janela trancada pelo pai e se aproximou dela. Observou o chão e consigo mesmo pensou que nem era tão alto.
Quebrou a janela e pulou de uma boa altura já que o apartamento ficava no terceiro andar. O pai nada ouvira porque prestava atenção em ópera naquele dia. Téo se ralou um pouco na queda, mas estava livre.
Foi até a garagem e lá encontrou o carrão importado de seu pai. Fez ligação direta e partiu com ele. Foi até uma favela próxima e mostrou o carro ao traficante que se entusiasmou, mas comentou que devia valer “os olhos da cara”.
Téo respondeu que faria uma pechincha para ele dando o preço. O traficante gostou e fechou negócio. Entregou a maleta cheia de dinheiro para o rapaz e perguntou se ele iria usar drogas. Téo abriu a mala, viu cheia de dinheiro e respondeu “não mano, eu vou jogar”.
Foi para a máquina e comprou a primeira ficha. De novo caiu em posição intermediária e comprou mais, mais até que chegou  na penúltima fase.
Entusiasmou-se vendo que estava no caminho certo e nem reparou que as horas passavam. Não só horas, mas dias, semanas e Téo chegava mais perto de seu feito. O menino parecia um zumbi, não dormia e a policia da cidade toda caçava seu paradeiro.
Até que depois de duas semanas jogando direto Téo chegou a última fase.
O menino com todo jeito, toda tato conduziu o jogo naquela fase crucial e com imensa tensão rezava para que conseguisse, acabasse aquele drama e voltasse a vida.
Até que conseguiu, zerou a máquina. Téo levantou os braços e deu um urro de felicidade. Alcançara seu objetivo e tinha que contar a todo mundo que conseguira, queria tirar uma onda com o velho faxineiro.
Até que notou um rosto no visor. Quando chegou mais perto para olhar percebeu que era Marina e nada entendeu.
Uma forte luz branca saiu de dentro do jogo puxando Téo para seu interior. Quando a luz se dissipou não tinha mais nada lá no salão, Téo desaparecera.
O velho faxineiro continuava sua varrida e entre assovios comentou “mais um”.
Game over.

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