SAMBA SE APRENDE NO COLÉGIO
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 29/9/2013
Alguns
dias depois da grande decepção na Portela (Explicada, mas não totalmente
entendida) Cadinho, meu eterno parceiro de samba, apareceu em minha casa com
uma proposta inusitada.
Ensinar
crianças a fazer samba-enredo.
Como
assim? Nunca ouvi falar que se ensinasse a fazer samba-enredo. Vários sambas
pela história mostram que não se ensinam como em versos consagrados como “samba
não se aprende no colégio” ou “Ninguém faz samba só porque prefere”.
Parei pra
pensar. Será? Tudo bem que fazer samba-enredo é um dom que você recebe de Deus
ou compra de outra pessoa que recebeu o dom e assim assinar, mas é um dom. Como
se ensina um dom?
A coisa
parece mais simples quando lembramos que muitas aulas que temos por aí envolvem
dons. Aulas de futebol, aulas de capoeira, aula de tamborim, aula de canto,
aula de teatro. Todas envolvem dons. Ninguém aprende a ter um dom, mas quando
passa por uma aula quem tem pode desenvolver.
Topei o
desafio. Cadinho me entregou um papel com a sinopse do enredo que era uma
homenagem ao estado de São Paulo e um outro ensinando como se fazia samba. Li
esse rapidamente e desisti com medo de desaprender.
Não que o
papel estivesse errado. Mas tem certas técnicas que não são necessárias.
Assim
começou o projeto.
O projeto
consistia em fazer um samba-enredo para que as crianças do Colégio Municipal
Rotary disputassem com crianças de outras escolas do Rio de Janeiro a chance de
emplacar o samba na escola de samba mirim “Escola de Bamba”, que abre os
desfiles de terça-feira de carnaval na Marquês de Sapucaí.
Não seria
fácil. Primeiro tínhamos que passar a técnica de um samba-enredo e como
defendê-lo numa quadra a crianças de classes “não muito comportadas”. Depois
elas, que assim como o Rotary nunca participaram do concurso, enfrentariam
crianças de não sei quantas escolas e mais experientes para chegar ao carnaval.
Mas mesmo
assim encaramos. Estudei bem a sinopse. Fiz uma letra e essa letra foi
discutida com as crianças em salas de aula juntamente com os professores.
Cadinho ensinou como se faz uma melodia e canto. Vários ensaios foram
realizados no colégio até que partiram para a gravação em um estúdio
profissional aqui na Ilha do Governador. Na parte final do projeto contamos com
a ajuda do grande amigo e compositor Walkir que arrumou o estúdio.
O samba
estava pronto. Ficou bacana. As crianças preparadas.
Faltava o
grande dia.
Que foi
na terça-feira anterior a essa coluna.
Acordei
cedo. Tomei banho, naveguei na internet, dia normal como outro qualquer e fui
almoçar em um bar próximo de casa com Cadinho e Serjão do cavaco, um dos
melhores e mais antigos cavaquinistas que conheço e que seria responsável pela
harmonia no concurso.
Comecei a
sentir o clima da disputa quando passando em frente ao colégio vi o ônibus
lotado com crianças e professores mesmo com as escolas da cidade em greve.
Elias,
filho de Cadinho, seria o cantor principal do samba. Vestido como legítimo
malandro, com camisa em listras vermelhas e brancas ele seria o grande nome do
dia.
A disputa
seria no lendário bloco Cacique de Ramos. Eu nunca pisara no local e quando
cheguei me impressionei. Não é enorme, nem luxuoso, mas transpira história.
Chegamos
juntos com ônibus de várias escolas. Muito tempo que não via tantas crianças
juntas. Correndo, animadas, cantando. Era um clima de final. Mas um clima
gostoso ao contrário das disputas de samba que acompanhei nos últimos anos.
Como
legítimo “turista” tirei diversas fotos da fachada, algumas fotos históricas
que a quadra guarda, bonecos, de tudo. A quadra estava cheia, bateria da Corações
Unidos do CIEP. Cadinho chamou crianças e professores em um canto para ensaiar.
Não dava
para ser exigente. Eram crianças. O ensaio teve falhas, mas Elias se saiu
bem e a expectativa era que passariam
com dignidade.
Sete
sambas foram selecionados para a final. O primeiro começou assustando. Colégio
com ligações com a Corações Unidos com boa parte dos ritmistas sendo da mesma.
O mestre de bateria, adulto, também sendo dela e vibrando e o cantor, oficial
da Corações Unidos, devia ter uns 18 anos e cantava com a segurança de quem já
atravessou a Sapucaí.
Os quatro
sambas seguintes já pareciam ser de crianças como as nossas e o sexto também
ligado ao Corações Unidos, mas era
enorme o que me fez pensar que dava.
E deu.
O Rotary,
anunciado como caçulinha da disputa, se preparou muito bem. Em vez se botar
crianças fazendo coreografia botou com bolas de gás e cantando. Era a maior
torcida. Cadinho sentiu que as crianças de apoio ao Elias não tinham dominado o
samba e pediu ao cara do som que deixasse mais baixo seus microfones. Dessa
forma começou a apresentação.
Elias não
se vestia apenas como malandro, ele era malandro. Acostumado com o pai cantor
foi o primeiro a dar boa tarde ao público. Como os cantores de samba fazem
repetiu que não estava ouvindo até que recebeu o “boa tarde” que queria.
Começou a cantar o samba e foi o primeiro a “Soltar o samba” pra torcida.
Depois se aproveitou do microfone sem fio e desceu para o meio do público. Doze
anos e é um artista.
Carismático,
talentoso, conquistou a todos numa grande apresentação, de gente grande. Via
aquelas crianças vibrando, sambando, cantando, os nossos pupilos e uma grande
emoção tomou conta de mim. Não mais que ao Cadinho que no fim da apresentação
se escondeu para chorar.
Assim que
acabou a apresentação o Chopp, famoso harmonia de escolas cariocas chamou Elias
a um canto. Era convite que ele fizesse parte do Cacique de Ramos. Como cantor
revelação.
Imaginem
só. Doze anos e já tinha a oportunidade de começar no topo. No Cacique.
Mais ou menos
quarenta minutos depois veio que eu no íntimo já tinha certeza. A vitória da
molecada.
Tempo que
eu não sentia uma felicidade tão grande no samba. Ver aquelas crianças pulando,
vibrando, chorando. Professores se abraçando. Todos invadindo o palco para
comemorar. Ali estava a essência do samba, aquilo que me fez gostar dele. Fui
até a eles dar aula de samba e fui eu que aprendi. Aprendi que sim, o samba tem
jeito.
Uma tarde
consagradora para o pequeno Elias e seus amigos que lhe carregaram nos braços e
voltaram no ônibus da escola cantando e gritando que eram campeões. Crianças
que desceram do ônibus comemorando e abraçando os pais dizendo que eram
vencedores.
São
crianças de famílias humildes. Muitas devem esconder mazelas, tristezas, mas
naquela tarde eram vencedoras. O samba proporcionou isso a elas e àquele
colégio que passa por dificuldades. Colégio que fica na rua ao lado da casa que
nasci e moro até hoje e que os fundos de minha casa dão para ele.
O que a
tarde dessa terça-feira vai significar na vida daquelas crianças? Na vida do
colégio? Como as lembranças daquela tarde gloriosa vão lhes acompanhar pela
vida? O Rotary com o samba que fizemos
vai representar 1700 colégios de ensino público na Marquês de Sapucaí. Como
isso ficará na alma delas? Será que tudo que passamos fará surgir novos
sambistas?
Não sei.
Só sei que em tempos de pombos, sambas de escritórios, sambas de celebridades,
super produções com dvds de gravações, shows pirotécnicos e estruturas
hoolywoodianas, de recalls, sambas bons eliminados por não serem da casa ou pra
limpar caminho a outros, de escolhas viciadas, recalls ou esperanças que caem
na vala vazia da decepção àquelas crianças me fizeram novamente sonhar.
Ninguém
faz samba só porque prefere.
A gente
faz samba porque ama.
Oi! eu sou a intérprete da Corações Unidos do Ciep. Adorei o seu texto! foi muito emocionante ver toda aquela criançada participando e contribuindo para o futuro do samba. Torci pelo samba de vocês antes mesmo de ser cantado e fiquei muito feliz em poder cantá-lo na avenida, espero interpretá-lo com a mesma garra e emoção do menino Elias, ele tem uma voz marcante e uma simpatia enorme. Bjs!
ResponderExcluirObrigado Juliana. Já ouvi a versão oficial do samba na sua voz e gostei muito, você tem muito talento, parabéns e boa sorte na avenida, Bjs
ExcluirDe nada :D Espero que tenha visto o desfile, foi lindo! bjs.
ExcluirVi sim. Estava na frisa do setor 7 cantando junto e vcs deram um show, parabéns
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