ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAP V - ASSASSINO COM CARA DE BEBÊ
Eu ri daquele apelido e perguntei qual era seu nome de verdade. Ele repetiu “Assassino com cara de bebê”. Olhei sério para ele e mais sério ainda o garoto completou “Esse é meu nome”.
Ok. Não perguntei mais e permiti que ele trabalhasse comigo no jornal. Assassino, é, vamos chamar assim, tinha ar angelical, quase de príncipe, mas fechado, na dele, logo se transformou no meu braço direito.
O esquerdo era o Scarface. Sim, o mesmo do começo da história, o taxista. Scarface não tinha esse apelido por ter uma cicatriz, mas porque era viciado no filme “Scarface” estrelado por Al Pacino. Apesar de que ele tinha o sonho de comprar um táxi e rodar o Rio de Janeiro de madrugada como o personagem de “Táxi driver”.
Acho que o negócio dele era com o De Niro e Pacino.
Fora que ainda convivia com meus fantasmas, literalmente, Lucinho e Pardal.
Uma tarde sentado perto do muro fumando um cigarrinho do capeta via os presos jogando bola e Lucinho mandou que observasse Assassino. Olhei e respondi que tinha nada demais. Lucinho completou “esse cara não é confiável!”.
Ri afirmando que ninguém ali era confiável. Lucinho pediu minha maconha, deu uma puxada e completou “Olha lá como ele lê o livro”. Sim Assassino lia um livro e perguntei qual era o problema.
Lucinho respondeu “Olha a concentração dele. Uma barulheira em volta, os caras jogando bola e ele concentrado, completamente concentrado”.
Ainda sem entender perguntei novamente qual era o problema. Lucinho ficou puto “Porra Gilberto, olha o maluco!! Cara de bonequinho de porcelana num lugar desses lendo um livro concentrado, fora que o moleque tem maior olhar frio. Psicopata mano!! Psicopata!! Bate bem não!!”.
Ri e comentei “É, o normal aqui sou eu que to debatendo com fantasma”. Lucinho deu mais uma puxada na maconha e puxei de sua boca dizendo “Da aqui meu beck” e completei depois de puxar “Nunca tinha ouvido falar que fantasma fumava maconha”.
Lucinho deitando sob o Sol riu e respondeu “Muitas coisas sobre fantasmas que você não sabe”.
Não tinha queixas de Assassino com cara de bebê. O garoto era respeitoso, esforçado e seguia minhas ordens sem pestanejar. Queria fazer o correto, sair logo da cadeia. De dia trabalhava comigo no jornal e depois ainda ajudava na cozinha. Comportamento bom mais redução da pena com serviços prestados logo sairia dali.
“Vai sair logo não” comentou Pardal. “Porra Pardal até você? Lucinho já veio me encher o saco, agora você, por quê a marcação com o moleque?”.
“Marcação nenhuma” respondeu Pardal. “Você que se diz o fodão, grande jornalista nem tentou apurar por quê ele está aqui?”. Completou.
É..Aquelas palavras me intrigaram e perguntei a Pardal se ele sabia. O bandido fantasma me respondeu “Não, eu sou fantasma, esqueceu?”.
Decidi investigar. Um dia me aproximei do rapaz e chamei “Assassino com cara de bebê??”. É, é muito estranho chamar alguém assim.
O garoto se aproximou e perguntou se havia algum problema. Respondi que não, estava apenas curioso e queria saber o motivo dele tão jovem parar na cadeia.
Assassino abaixou a cabeça e respondeu que não queria falar sobre. Como um pai insisti, disse que poderia confiar em mim e perguntei porque não queria tocar no assunto.
Assassino me olhou e friamente respondeu “esse assunto me deixa nervoso”.
Não sei porque, mas gelei naquele olhar e nas palavras. Resolvi não insistir no assunto e disse que ele estava liberado.
Na mesma tarde Scarface varria a sala do jornal e perguntei se ele sabia de alguma coisa. O homem fez sinal de silêncio e pediu que eu falasse baixo, pois o garoto podia ouvir.
Puxei o bandido em um canto e perguntei qual era o problema afinal. Scarface respondeu que Assassino era um bandido perigosíssimo e tinha matado a família inteira começando pela mãe.
Fiquei estarrecido e comentei que ele tinha cara de anjo e eu não poderia imaginar. Scarface completou que o menino era completamente louco, mais de cem mortes nas costas e não tinha nem vinte anos ainda.
Comecei a ficar de olho no moleque, sabe como é, precaução e caldo de galinha fazem mal a ninguém. Velha essa. Enfim, passei a observar e realmente ele era estranho. Vivia isolado, interagia com ninguém e nunca tinha visto um sorriso seu. A única pessoa que parecia ter algum contato com ele era eu. Tinha respeito por mim, acho que me via como pai. Bem, melhor não, ele matou o pai.
Um dia estávamos todos no pátio como de costume. Assassino lia. Eu tomava Sol com meus fantasmas, Scarface contava a alguns presos como era a noite do Rio de Janeiro e o que faria com seu táxi e um grupo jogava bola.
Tudo corria normalmente quando Assassino tomou uma bolada feia. Pardal apenas comentou “vai dar merda”.
Um gordão, o que chutara a bola se aproximou de Assassino e disse “me da a bola bicha”.
Todos no pátio pararam pra ver a cena enquanto Assassino apenas olhou o gordo. O gordo deu uma cuspida no chão e gritou “Vumbora viadinho!! Da logo a porra da bola!!”.
Scarface se aproximou e disse “Tranquilo gordo, eu pego a bola”. O gordo botou a mão no peito de Scarface lhe parando e repetiu “Eu quero que a bicha pegue”.
Assassino então pegou a bola que estava ao seu lado e entregou na mão do gordo. Ele pegou, olhou o garoto e falou “De noite passo na sua cela pra você chupar meu pau” dando as costas e voltando ao futebol.
Scarface perguntou a Assassino se estava tudo bem. Assassino olhou para ele e sorriu. O primeiro sorriso que vi daquele moleque que respondeu “está sim”. Depois disso Assassino se levantou e foi caminhar. Eu de longe observava a tudo e espiava seus passos.
De noite Assassino com cara de bebê foi o responsável pela janta fazendo a comida. Comemos uma carne gordurosa, mas macia, gostosa. Fui até a ele parabenizar pela comida. Assassino sem me olhar e lavando os pratos apenas respondeu “Sabia que vocês iriam gostar”.
Enquanto eu caminhava para a cela Scarface correu e me alcançou dizendo que estava preocupado com que o gordo poderia fazer com Assassino. Respondi que ficaria de olho e não deixaria ninguém fazer mal ao moleque.
Antes que entrássemos na cela Scarface comentou “To preocupado mesmo, gordo nem foi jantar, sumiu, deve estar planejando algo”.
No dia seguinte todos no pátio fazendo o mesmo de sempre, menos Assassino. Gordo também não aparecera e fiquei preocupado pensando que ele poderia ter feito algo com o garoto. Mas antes que eu fosse atrás do menino Assassino apareceu com uma lixeira nas mãos.
Parou com a lixeira na beira da marcação das linhas do futebol perguntando se poderia jogar. Um dos que estavam no campo perguntou “Ué? Você nunca quis jogar com a gente?”. O menino respondeu que naquele dia queria e perguntou se poderia.
Outro respondeu que sim e Assassino emendou “Legal, até trouxe a bola”. Falou isso e mexeu na lixeira. Tirando a cabeça do gordo.
Foi um grande susto. Todos ficaram espantados. Eu dei um pulo e gritei “Puta que pariu!! Ele matou o gordo!!”. Pardal gargalhava e repetia “O moleque é maluco”.
O garoto lá, com a cara mais inocente do mundo segurando pelos cabelos a cabeça decapitada do gordo enquanto o pessoal do futebol assustado dava passos para trás se afastando dele.
Assassino com cara de bebê, o menino psicótico com cara de anjo ficou puto e disse “Vocês são foda, não querem jogar com a cabeça dele, mas ontem na hora de comer o corpo todo mundo caiu dentro”.
É amigos. A carne gordurosa, macia e gostosa era o corpo do gordo. O moleque matou o cara, arrancou a cabeça e esquartejou o corpo servindo aos presos.
Foi um tal de bandido ficar branco, vomitar, fazer fila no ambulatório, foi uma festa. Eu fui um deles. Assim que percebi que tinha comido o gordo no pior sentido da palavra desmaiei e só acordei no ambulatório.
Ao abrir os olhos Lucinho e Pardal estavam lá pra debochar de mim perguntando como era gosto de carne humana e me chamando de frouxo.
Assassino com cara de bebê parou na solitária e ficou lá por uma semana. Ao voltar retornou ao serviço comigo, mas evidente, foi dispensado da cozinha.
Quando Assassino entrou na sala do jornal eu e Scarface logo olhamos para ele. Ficamos os três nos olhando por alguns segundos até que para aliviar o clima eu disse “Olha, de você não aceito nem big mac mais”.
Assassino continuou olhando sério pra mim e eu emendei “Foi uma piada”. Mais alguns segundos sério e Assassino deu uma gargalhada. Acho que foi a primeira gargalhada que o garoto deu na vida. Uma gargalhada de filme de terror. Psicótica, alta, intensa que obrigou a mim e Scarface também gargalharmos, mas com medo.
O tempo passou e o episódio foi sendo esquecido. O que mudou foi que Assassino com cara de bebê começou a conquistar amigos. O menino começou a andar em grupo e virou uma espécie de líder desse grupo que aumentava cada vez mais.
Continuou trabalhando comigo, se esforçando e lendo seus livros.
Os anos passaram e a liberdade se aproximava. Minha coluna no jornal ia muito bem além do meu blog que recebia uma quantidade formidável de visitas, tudo lindo e maravilhoso. Dr Eduardo Feitosa me visitou para dar uma ótima notícia. Eu seria libertado no dia seguinte.
Sorri e falei “poxa, agora que ta tão legal aqui”. Dr Eduardo retrucou e comentou que se eu quisesse poderia ficar mais tempo na cadeia, era só ele pedir. Peguei no braço de meu advogado e falei “De manhã estarei pronto”.
Realmente de manhã eu já estava preparado, com minha mala prontinha para ir embora. Sentado em meu colchão esperava ansiosamente pela liberação, tanto que nem fui ao pátio para o banho de Sol.
No pátio eu nem imaginava, mas começava uma rebelião. Assassino com cara de bebê e seu bando matou todos que jogavam futebol e se encaminharam para outro pavilhão, onde estavam membros de outra facção. Armados com fuzis e recebendo toda a facilidade do mundo de alguns guardas que se corromperam abriram os cadeados do pavilhão e fuzilaram todos os inimigos. Pegaram alguns guardas como reféns e invadiram a sala do diretor matando o mesmo.
Enquanto isso eu em cima do meu colchão tinha fones no ouvido e cantava alto Dancing Queen com o Abba sem perceber nada.
Com o presídio em chamas (quase literalmente), vários guardas como reféns, outros ajudando os bandidos e o BOPE na frente do da penitenciária negociando Assassino com cara de bebê chegou em Scarface e perguntou por mim.
Gaguejando Scarface respondeu que eu estava na cela esperando a ordem de soltura. Assassino sorriu e disse que tinha uma coisa pra resolver na cadeia. Era sua missão desde que entrou e estava na hora.
Virou-se para os comparsas, entregou o seu fuzil e contou que tinha uma parada pra resolver e ninguém fosse com ele que era pessoal.
Eu tranquilamente já ouvia Donna Summer quando Lucinho cutucou meu ombro. Tirei o fone do ouvido e perguntei o que ele queria. O fantasma perguntou se o clima na cadeia não estava estranho e respondi “é, ta quieto”.
Nisso Assassino com cara de bebê entrou na cela com uma garrafa na mão. Perguntei o que estava ocorrendo e ele me contou “Nada, só umas pessoas morrendo. Ah, você é o próximo”.
Assassino despejou o líquido em mim e acendeu um fósforo dizendo “Curte churrasco? Essa é pelo negão”. Antes que ele jogasse dei um chute em sua mão e saí correndo. Assassino correu atrás de mim começando uma perseguição. Só os dois no andar correndo pelas celas já que todos os presos estavam no pátio.
Eu corria tentando salvar minha vida enquanto um ensandecido Assassino com cara de bebê me perseguia. Corri o quanto pude até que dei de cara com uma parede. Fiquei sem saída.
Assassino parou na minha frente e riscou mais um fósforo. Com olhos vidrados, jeito de louco ironizou e perguntou “Você tem um último pedido?”. Respondi que sim.
O garoto psicopata perguntou qual era e contei ‘Quero que você faça amor comigo”. O menino se espantou e acabou se distraindo. Nisso tirei minha camisa e falei “Vem”.
Antes que ele tivesse alguma reação joguei com força a camisa encharcada de álcool em cima de Assassino com cara de bebê. A camisa atingiu o fósforo e pegou fogo imediatamente pelo seu corpo.
Passei pelo garoto em chamas que urrava em dor procurando lugar seguro quando percebi o bando de Assassino subindo a escada. Perguntaram por ele e não respondi. Perceberam o garoto em chamas e começaram a atirar e eu correndo conseguindo fugir das balas.
Começaram uma perseguição para me matar, mas logo interrompida com gritos de “É o BOPE” e barulho de tiros vindo debaixo.
Consegui me esconder em uma cela enquanto o bando voltara para baixo e entrava no tiroteio. Fiquei um bom tempo embaixo de um colchonete tremendo até que tiraram bruscamente de cima de mim.
Era o BOPE apontando fuzis pra mim.
Antes que pudessem atirar levantei com os braços para cima e gritando “Sou inocente!! To sendo libertado hoje!! Não tem porque eu participar de rebelião!!”.
Mais de trinta presos mortos, entre os que se salvaram Scarface que foi obrigado a jogar a calça fora de tão suja que ficou atrás e eu fui até delegacia próxima prestar depoimento com a presença do coronel Rodrigo Saldanha, ainda secretário de segurança.
Falei tudo que eu sabia, tudo sobre o Assassino com cara de bebê e no fim Rodrigo virou para mim e perguntou “Quantas vidas você tem? Mil?”. Respondi “Espero ter mais de mil, porque elas estão chegando ao fim”.
Perguntei o que aconteceria comigo e o delegado respondeu “Está livre. Não é hoje o dia da sua libertação?”.
Saí sozinho da delegacia e vi a rua. Pela primeira vez depois de muitos anos via a rua como um homem livre. Ergui os punhos e gritei “Liberdade!!”.
Rapidamente a imprensa chegou para me entrevistar, saber tudo sobre o ocorrido. Dei um sorriso e abri a boca embaixo de câmeras e flashes.
É parceiro. Eu continuava uma celebridade e continuava vaidoso.
Ok. Não perguntei mais e permiti que ele trabalhasse comigo no jornal. Assassino, é, vamos chamar assim, tinha ar angelical, quase de príncipe, mas fechado, na dele, logo se transformou no meu braço direito.
O esquerdo era o Scarface. Sim, o mesmo do começo da história, o taxista. Scarface não tinha esse apelido por ter uma cicatriz, mas porque era viciado no filme “Scarface” estrelado por Al Pacino. Apesar de que ele tinha o sonho de comprar um táxi e rodar o Rio de Janeiro de madrugada como o personagem de “Táxi driver”.
Acho que o negócio dele era com o De Niro e Pacino.
Fora que ainda convivia com meus fantasmas, literalmente, Lucinho e Pardal.
Uma tarde sentado perto do muro fumando um cigarrinho do capeta via os presos jogando bola e Lucinho mandou que observasse Assassino. Olhei e respondi que tinha nada demais. Lucinho completou “esse cara não é confiável!”.
Ri afirmando que ninguém ali era confiável. Lucinho pediu minha maconha, deu uma puxada e completou “Olha lá como ele lê o livro”. Sim Assassino lia um livro e perguntei qual era o problema.
Lucinho respondeu “Olha a concentração dele. Uma barulheira em volta, os caras jogando bola e ele concentrado, completamente concentrado”.
Ainda sem entender perguntei novamente qual era o problema. Lucinho ficou puto “Porra Gilberto, olha o maluco!! Cara de bonequinho de porcelana num lugar desses lendo um livro concentrado, fora que o moleque tem maior olhar frio. Psicopata mano!! Psicopata!! Bate bem não!!”.
Ri e comentei “É, o normal aqui sou eu que to debatendo com fantasma”. Lucinho deu mais uma puxada na maconha e puxei de sua boca dizendo “Da aqui meu beck” e completei depois de puxar “Nunca tinha ouvido falar que fantasma fumava maconha”.
Lucinho deitando sob o Sol riu e respondeu “Muitas coisas sobre fantasmas que você não sabe”.
Não tinha queixas de Assassino com cara de bebê. O garoto era respeitoso, esforçado e seguia minhas ordens sem pestanejar. Queria fazer o correto, sair logo da cadeia. De dia trabalhava comigo no jornal e depois ainda ajudava na cozinha. Comportamento bom mais redução da pena com serviços prestados logo sairia dali.
“Vai sair logo não” comentou Pardal. “Porra Pardal até você? Lucinho já veio me encher o saco, agora você, por quê a marcação com o moleque?”.
“Marcação nenhuma” respondeu Pardal. “Você que se diz o fodão, grande jornalista nem tentou apurar por quê ele está aqui?”. Completou.
É..Aquelas palavras me intrigaram e perguntei a Pardal se ele sabia. O bandido fantasma me respondeu “Não, eu sou fantasma, esqueceu?”.
Decidi investigar. Um dia me aproximei do rapaz e chamei “Assassino com cara de bebê??”. É, é muito estranho chamar alguém assim.
O garoto se aproximou e perguntou se havia algum problema. Respondi que não, estava apenas curioso e queria saber o motivo dele tão jovem parar na cadeia.
Assassino abaixou a cabeça e respondeu que não queria falar sobre. Como um pai insisti, disse que poderia confiar em mim e perguntei porque não queria tocar no assunto.
Assassino me olhou e friamente respondeu “esse assunto me deixa nervoso”.
Não sei porque, mas gelei naquele olhar e nas palavras. Resolvi não insistir no assunto e disse que ele estava liberado.
Na mesma tarde Scarface varria a sala do jornal e perguntei se ele sabia de alguma coisa. O homem fez sinal de silêncio e pediu que eu falasse baixo, pois o garoto podia ouvir.
Puxei o bandido em um canto e perguntei qual era o problema afinal. Scarface respondeu que Assassino era um bandido perigosíssimo e tinha matado a família inteira começando pela mãe.
Fiquei estarrecido e comentei que ele tinha cara de anjo e eu não poderia imaginar. Scarface completou que o menino era completamente louco, mais de cem mortes nas costas e não tinha nem vinte anos ainda.
Comecei a ficar de olho no moleque, sabe como é, precaução e caldo de galinha fazem mal a ninguém. Velha essa. Enfim, passei a observar e realmente ele era estranho. Vivia isolado, interagia com ninguém e nunca tinha visto um sorriso seu. A única pessoa que parecia ter algum contato com ele era eu. Tinha respeito por mim, acho que me via como pai. Bem, melhor não, ele matou o pai.
Um dia estávamos todos no pátio como de costume. Assassino lia. Eu tomava Sol com meus fantasmas, Scarface contava a alguns presos como era a noite do Rio de Janeiro e o que faria com seu táxi e um grupo jogava bola.
Tudo corria normalmente quando Assassino tomou uma bolada feia. Pardal apenas comentou “vai dar merda”.
Um gordão, o que chutara a bola se aproximou de Assassino e disse “me da a bola bicha”.
Todos no pátio pararam pra ver a cena enquanto Assassino apenas olhou o gordo. O gordo deu uma cuspida no chão e gritou “Vumbora viadinho!! Da logo a porra da bola!!”.
Scarface se aproximou e disse “Tranquilo gordo, eu pego a bola”. O gordo botou a mão no peito de Scarface lhe parando e repetiu “Eu quero que a bicha pegue”.
Assassino então pegou a bola que estava ao seu lado e entregou na mão do gordo. Ele pegou, olhou o garoto e falou “De noite passo na sua cela pra você chupar meu pau” dando as costas e voltando ao futebol.
Scarface perguntou a Assassino se estava tudo bem. Assassino olhou para ele e sorriu. O primeiro sorriso que vi daquele moleque que respondeu “está sim”. Depois disso Assassino se levantou e foi caminhar. Eu de longe observava a tudo e espiava seus passos.
De noite Assassino com cara de bebê foi o responsável pela janta fazendo a comida. Comemos uma carne gordurosa, mas macia, gostosa. Fui até a ele parabenizar pela comida. Assassino sem me olhar e lavando os pratos apenas respondeu “Sabia que vocês iriam gostar”.
Enquanto eu caminhava para a cela Scarface correu e me alcançou dizendo que estava preocupado com que o gordo poderia fazer com Assassino. Respondi que ficaria de olho e não deixaria ninguém fazer mal ao moleque.
Antes que entrássemos na cela Scarface comentou “To preocupado mesmo, gordo nem foi jantar, sumiu, deve estar planejando algo”.
No dia seguinte todos no pátio fazendo o mesmo de sempre, menos Assassino. Gordo também não aparecera e fiquei preocupado pensando que ele poderia ter feito algo com o garoto. Mas antes que eu fosse atrás do menino Assassino apareceu com uma lixeira nas mãos.
Parou com a lixeira na beira da marcação das linhas do futebol perguntando se poderia jogar. Um dos que estavam no campo perguntou “Ué? Você nunca quis jogar com a gente?”. O menino respondeu que naquele dia queria e perguntou se poderia.
Outro respondeu que sim e Assassino emendou “Legal, até trouxe a bola”. Falou isso e mexeu na lixeira. Tirando a cabeça do gordo.
Foi um grande susto. Todos ficaram espantados. Eu dei um pulo e gritei “Puta que pariu!! Ele matou o gordo!!”. Pardal gargalhava e repetia “O moleque é maluco”.
O garoto lá, com a cara mais inocente do mundo segurando pelos cabelos a cabeça decapitada do gordo enquanto o pessoal do futebol assustado dava passos para trás se afastando dele.
Assassino com cara de bebê, o menino psicótico com cara de anjo ficou puto e disse “Vocês são foda, não querem jogar com a cabeça dele, mas ontem na hora de comer o corpo todo mundo caiu dentro”.
É amigos. A carne gordurosa, macia e gostosa era o corpo do gordo. O moleque matou o cara, arrancou a cabeça e esquartejou o corpo servindo aos presos.
Foi um tal de bandido ficar branco, vomitar, fazer fila no ambulatório, foi uma festa. Eu fui um deles. Assim que percebi que tinha comido o gordo no pior sentido da palavra desmaiei e só acordei no ambulatório.
Ao abrir os olhos Lucinho e Pardal estavam lá pra debochar de mim perguntando como era gosto de carne humana e me chamando de frouxo.
Assassino com cara de bebê parou na solitária e ficou lá por uma semana. Ao voltar retornou ao serviço comigo, mas evidente, foi dispensado da cozinha.
Quando Assassino entrou na sala do jornal eu e Scarface logo olhamos para ele. Ficamos os três nos olhando por alguns segundos até que para aliviar o clima eu disse “Olha, de você não aceito nem big mac mais”.
Assassino continuou olhando sério pra mim e eu emendei “Foi uma piada”. Mais alguns segundos sério e Assassino deu uma gargalhada. Acho que foi a primeira gargalhada que o garoto deu na vida. Uma gargalhada de filme de terror. Psicótica, alta, intensa que obrigou a mim e Scarface também gargalharmos, mas com medo.
O tempo passou e o episódio foi sendo esquecido. O que mudou foi que Assassino com cara de bebê começou a conquistar amigos. O menino começou a andar em grupo e virou uma espécie de líder desse grupo que aumentava cada vez mais.
Continuou trabalhando comigo, se esforçando e lendo seus livros.
Os anos passaram e a liberdade se aproximava. Minha coluna no jornal ia muito bem além do meu blog que recebia uma quantidade formidável de visitas, tudo lindo e maravilhoso. Dr Eduardo Feitosa me visitou para dar uma ótima notícia. Eu seria libertado no dia seguinte.
Sorri e falei “poxa, agora que ta tão legal aqui”. Dr Eduardo retrucou e comentou que se eu quisesse poderia ficar mais tempo na cadeia, era só ele pedir. Peguei no braço de meu advogado e falei “De manhã estarei pronto”.
Realmente de manhã eu já estava preparado, com minha mala prontinha para ir embora. Sentado em meu colchão esperava ansiosamente pela liberação, tanto que nem fui ao pátio para o banho de Sol.
No pátio eu nem imaginava, mas começava uma rebelião. Assassino com cara de bebê e seu bando matou todos que jogavam futebol e se encaminharam para outro pavilhão, onde estavam membros de outra facção. Armados com fuzis e recebendo toda a facilidade do mundo de alguns guardas que se corromperam abriram os cadeados do pavilhão e fuzilaram todos os inimigos. Pegaram alguns guardas como reféns e invadiram a sala do diretor matando o mesmo.
Enquanto isso eu em cima do meu colchão tinha fones no ouvido e cantava alto Dancing Queen com o Abba sem perceber nada.
Com o presídio em chamas (quase literalmente), vários guardas como reféns, outros ajudando os bandidos e o BOPE na frente do da penitenciária negociando Assassino com cara de bebê chegou em Scarface e perguntou por mim.
Gaguejando Scarface respondeu que eu estava na cela esperando a ordem de soltura. Assassino sorriu e disse que tinha uma coisa pra resolver na cadeia. Era sua missão desde que entrou e estava na hora.
Virou-se para os comparsas, entregou o seu fuzil e contou que tinha uma parada pra resolver e ninguém fosse com ele que era pessoal.
Eu tranquilamente já ouvia Donna Summer quando Lucinho cutucou meu ombro. Tirei o fone do ouvido e perguntei o que ele queria. O fantasma perguntou se o clima na cadeia não estava estranho e respondi “é, ta quieto”.
Nisso Assassino com cara de bebê entrou na cela com uma garrafa na mão. Perguntei o que estava ocorrendo e ele me contou “Nada, só umas pessoas morrendo. Ah, você é o próximo”.
Assassino despejou o líquido em mim e acendeu um fósforo dizendo “Curte churrasco? Essa é pelo negão”. Antes que ele jogasse dei um chute em sua mão e saí correndo. Assassino correu atrás de mim começando uma perseguição. Só os dois no andar correndo pelas celas já que todos os presos estavam no pátio.
Eu corria tentando salvar minha vida enquanto um ensandecido Assassino com cara de bebê me perseguia. Corri o quanto pude até que dei de cara com uma parede. Fiquei sem saída.
Assassino parou na minha frente e riscou mais um fósforo. Com olhos vidrados, jeito de louco ironizou e perguntou “Você tem um último pedido?”. Respondi que sim.
O garoto psicopata perguntou qual era e contei ‘Quero que você faça amor comigo”. O menino se espantou e acabou se distraindo. Nisso tirei minha camisa e falei “Vem”.
Antes que ele tivesse alguma reação joguei com força a camisa encharcada de álcool em cima de Assassino com cara de bebê. A camisa atingiu o fósforo e pegou fogo imediatamente pelo seu corpo.
Passei pelo garoto em chamas que urrava em dor procurando lugar seguro quando percebi o bando de Assassino subindo a escada. Perguntaram por ele e não respondi. Perceberam o garoto em chamas e começaram a atirar e eu correndo conseguindo fugir das balas.
Começaram uma perseguição para me matar, mas logo interrompida com gritos de “É o BOPE” e barulho de tiros vindo debaixo.
Consegui me esconder em uma cela enquanto o bando voltara para baixo e entrava no tiroteio. Fiquei um bom tempo embaixo de um colchonete tremendo até que tiraram bruscamente de cima de mim.
Era o BOPE apontando fuzis pra mim.
Antes que pudessem atirar levantei com os braços para cima e gritando “Sou inocente!! To sendo libertado hoje!! Não tem porque eu participar de rebelião!!”.
Mais de trinta presos mortos, entre os que se salvaram Scarface que foi obrigado a jogar a calça fora de tão suja que ficou atrás e eu fui até delegacia próxima prestar depoimento com a presença do coronel Rodrigo Saldanha, ainda secretário de segurança.
Falei tudo que eu sabia, tudo sobre o Assassino com cara de bebê e no fim Rodrigo virou para mim e perguntou “Quantas vidas você tem? Mil?”. Respondi “Espero ter mais de mil, porque elas estão chegando ao fim”.
Perguntei o que aconteceria comigo e o delegado respondeu “Está livre. Não é hoje o dia da sua libertação?”.
Saí sozinho da delegacia e vi a rua. Pela primeira vez depois de muitos anos via a rua como um homem livre. Ergui os punhos e gritei “Liberdade!!”.
Rapidamente a imprensa chegou para me entrevistar, saber tudo sobre o ocorrido. Dei um sorriso e abri a boca embaixo de câmeras e flashes.
É parceiro. Eu continuava uma celebridade e continuava vaidoso.
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