NA APURAÇÃO PERDI VOCÊ
*Capítulo do blog "Enredo do meu samba" publicado no blog "Ouro de Tolo" em 22/2/2014
Ótima forma de terminar os contos.
Gargalhamos e eu comentei que não conhecia a história, perguntando
porque meu pai não contara. Dodô contou que ele queria que essa fosse a
última. Assim foi, o fecho de ouro. Deixei Mariana em casa com a mesma
insistindo para passarmos a noite juntos. Mas dei desculpa de estar com
dor de cabeça. Não estava: só queria ficar sozinho.
Voltei pra casa no silêncio da madrugada
e peguei todas as histórias do caderno, as últimas do gravador e abri o
notebook. Decidi que estava na hora de encerrar aquela página. Encerrar
aquele livro.
Passei a noite toda digitando e
relembrando as histórias daqueles bambas. Cada um representava um pedaço
de nosso carnaval, de nossa cultura como era o “casa de bamba” agora
seriamente ameaçado de fechamento. Pensei qual seria meu papel nessa
história? O meu capítulo? Apenas presenciar esse fechamento?
Quando acabei de transcrever a última
história escrevi a palavra “fim” logo após. Pensei comigo mesmo “missão
cumprida”. Mas que missão? A do livro? Parecia pouco. Dei o livro por
encerrado, fechei o arquivo no computador, mas não estava satisfeito.
Aquele não era o fim que queria. Abri de novo o computador e tirei a
palavra fim. Ele não acabara ainda. Faltava o fim de minha história.
Vi os raios de Sol e decidi tomar um
banho e ir para o trabalho, mesmo pernoitado. Fui para a redação e
depois ao “casa de bamba”. Bar
lotado como se as pessoas se despedissem daquele local que era a
segunda casa de tantos. Não queria dormir, não tinha sono. Ninguém ali
tinha sono e mesmo com a alegria no ar o clima parecia ser de velório.
Feitosa sentou na minha mesa e pediu uma
cerveja. Almeidinha serviu e se lamentou “é, pode ser uma das últimas
que sirvo”. O dono da banca perguntou se o garçom tinha algo em vista e o
homem respondeu que tinha uma vaga de faxineiro em um mercado perto de
sua casa e tinha mandado currículo. O homem lamentou que também seria
prejudicado com o fechamento já que diminuiria o faturamento da banca
enquanto eu falava nada e estava com o pensamento longe.
Feitosa notou minha cara emburrada e
perguntou o que ocorria, afirmando que não era só o bar que me deixava
assim. Comentei que ele estava certo, o casamento de minha ex-mulher se
aproximava e eu era o padrinho do noivo.
Feitosa comentou “que
situação” e emendei que achava que o noivo era gay. O homem riu, pediu
desculpas e encheu meu copo dizendo que eu merecia beber. Agradeci e
falei que ele podia rir porque era uma situação para dar risada,
enquanto o dono do banca perguntou se eu não faria nada. Perguntei o que
poderia fazer e Feitosa respondeu que ao menos dizer que gostava dela,
pelo menos se não desse certo eu tentara.
Perguntei pelo Zé e ela respondeu que fora para sua despedida de solteiro e desligado o telefone.
Perguntei para qual hospital ia, desliguei e me despedi de Feitosa.
Cheguei no hospital e ao me ver Bia veio
correndo ao meu encontro me dando um abraço forte e chorando.
Mandei
que ela se acalmasse, pois crianças ficavam doentes assim mesmo e Bia
entre o choro disse que Ana Júlia estava bem e caiu doente do nada.
O médico surgiu e perguntei por nossa
filha. Ele respondeu que já estava medicada e em poucos instantes
poderíamos levar pra casa que era nada demais. Foi um alívio para nós
dois. De novo nos abraçamos e limpei as lágrimas de Bia dizendo que tudo
ficara bem. Nos olhamos por alguns segundos, próximos de nos beijar e
quando ia acontecer ouvi um “To bem gente”.
Olhamos e era Julinha. Bia correu para abraçá-la e pensei que não podia perder minha família. Tinha que fazer alguma coisa.
Cheguei próximo, abracei as duas e
perguntei como minha filha estava. Julinha respondeu que bem, só estava
com fome e Bia disse que faria um lanche bem gostoso para ela quando
chegasse em casa. Virou pra mim e perguntou se lhes acompanharia.
Respondi que sim e fomos.
Botamos nossa filha para dormir e
velamos seu sono. Julinha dormia pesadamente o sono dos inocentes quando
virei pra minha ex e comentei “que pena que a gente cresce”, ela
concordou e ficamos mais um tempo em silêncio. Olhei para o relógio e
disse que tinha que ir embora, estava tarde e ela também tinha que
descansar, pois casaria na noite seguinte.
Bia perguntou se eu não queria beber um
café antes, me manter acordado para dirigir e aceitei. Fomos para a sala
e sentei no sofá enquanto ela fez o café e me serviu. Sentou ao meu
lado enquanto eu bebia até que tomei coragem e falei “não casa”.
Bia se assustou e perguntou porque eu
disse aquilo e repeti o pedido para que não casasse. Ela pediu que eu
desse um motivo, se eu falasse algo importante para que não casasse ela
cancelaria o casamento. Veio até a minha garganta a frase “porque eu te
amo”, mas em vez disso falei “porque ele é gay”. Bia fez cara de
decepcionada e disse que estava tarde e era melhor que eu fosse.
Saí, peguei o carro e irritado socava o
volante me perguntando porque eu não disse o que sentia. Sentia-me um
idiota, um imbecil que nem conseguia falar pra mulher que amava o que
sentia. Cheguei em casa e dormi. Dormi profundamente depois de dois
dias. Acordei apenas de tarde com Mariana tocando a campainha para que
eu me arrumasse para o casamento.
Abri a porta e tomei um lanche rápido
para também me arrumar quando o telefone tocou. Era Bia. Assustei-me e
perguntei se nossa filha estava bem. Bia respondeu que sim, estava
curada e ela que estava com problema. Perguntei qual era.
Ela disse que o pai não conseguira
embarcar de Belém para cá devido um caos aéreo e ficou sem ter quem
entrasse com ela na igreja. Perguntou se eu poderia fazer isso por ela.
Engoli em seco, olhei para Mariana e respondi que tudo bem. Entrava com
ela.
Falei pra Mariana ir à igreja que lhe
encontraria lá e fui para a casa de Bia. Julinha veio ao meu encontro e
logo depois Bia apareceu. Linda em um vestido branco, discreto perguntou
como eu estava. Triste, respondi que bem, muito bem. Entramos em meu
carro e não trocamos uma palavra até a igreja. Sufocado tentava falar e
não conseguia, olhava para a Bia e não via o semblante de alguém feliz
como devia estar.
Chegamos à igreja e desci minha ex do
carro. Fomos até a porta da igreja, Julinha se posicionou a nossa frente
como dama de honra e eu e Bia nos olhamos. Ficamos alguns segundos
naquela troca de olhares que parecia durar uma eternidade quando ela me
perguntou se eu tinha algo para falar.
Minha vontade era de me
ajoelhar a seus pés e mandar largar tudo e fugir dali para sermos
felizes numa casinha branca de varanda, um quintal e uma janela para ver
o Sol nascer, mas não tive coragem. Apenas respondi “nada não”. Bia
olhou para o chão e disse “vamos entrar”.
Entramos. A música começou a tocar e
iniciamos nossa caminhada até o altar onde o Zé nos esperava. Eram os
últimos passos, os últimos momentos em que eu poderia fazer alguma
coisa. Podia agarrar a Bia e sair correndo, podia gritar que não
permitiria aquele casamento, pois a amava, podia gritar que a igreja
estava pegando fogo.
Podia fazer um monte de coisas e fiz
nada, continuei caminhando. Zé desceu do altar para receber a Bia.
Peguei a mão de minha ex e pela última vez nos olhamos nos olhos. Ela
tinha lágrimas nos olhos quando entreguei sua mão ao Zé.
O problema é que ele não pegou.
Estranhei e de novo levei a mão de minha ex até ele e nada. Baixinho
perguntei ao homem qual era o problema e que ele pegasse logo. Mas o Zé
gritou “Juro que tentei, mas não aguento, é mais forte que eu!!” Falou e me agarrou, beijando na boca.
Perguntei se ela enlouquecera, pois meu
negócio era mulher. Zé mandou que eu parasse de fingimento, pois me
perguntara se eu gostava da Bia ou de alguma mulher e eu respondi que
não, o que deixava claro que ele tinha chance. Coloquei Bia entre eu e
ele e perguntei se ele estava doido. Zé respondeu que sim, por mim e não
conseguia mais disfarçar. Tentava de todos os jeitos me agarrar.
Uma grande confusão, com pancadaria
generalizada, tomou conta da igreja até que a polícia chegou e todos
foram levados para a delegacia. Fui algemado, carregado e gritava que
tudo bem. Só não queria ser levado junto com o Zé.
Mais tarde estávamos eu e Bia sentados
na recepção da delegacia, esperando nossa vez de prestar depoimento. Os
dois quietos, sérios. Um tempo depois, de forma séria Bia disse “É, você estava certo, ele é gay”. Ficamos mais um tempo quietos e ela completou:
“- Mas que bichona!!”
Não aguentamos e começamos a rir. A risada virou uma grande gargalhada nossa, como há muito tempo não ríamos.
Bem que eu avisei.
ENREDO DO MEU SAMBA (CAPÍTULO ANTERIOR)
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