FIM DO CARNAVAL
*Último capítulo do livro "Enredo do meu samba" publicado no blog "Ouro de Tolo" em 8/3/2014
É amigos… A vida tem dessas surpresas.
Eu avisei que o rapaz era gay desde o início, só não esperava que fosse
apaixonado por mim!! Pelo menos alguém nessa história me amava. Mas o
melhor de tudo era que Bia estava livre. Fomos todos liberados da
delegacia e levei minha ex e minha filha para casa. Ana Júlia foi
correndo abrir a porta e ficamos eu e Bia no carro sozinhos e em
silêncio por um tempo.
Eu tentava falar que lhe amava e não
conseguia. A única coisa que consegui perguntar foi como ela estava. Bia
respondeu que bem, só estava surpresa do Zé estar apaixonado justo por
mim. Ri e comentei que eu era uma pessoa apaixonante, Bia se virou pra
mim e disse “sim, você é e sabe disso”. Era a minha senha, a chance de
falar alguma coisa e disse nada. Fiquei em silêncio e Bia disse que
estava tarde e se despediu de mim. Quando descia, falei “espera”.
Ela virou pra mim e em vez de falar tudo
que queria apenas comentei que para o dia seguinte estava marcado o
encerramento do “casa de bamba” então não pegaria a Julinha. Com jeito
frustrado minha ex apenas balançou a cabeça concordando, mandou que eu
desse um abraço em Manolo e desceu. Assim vi a Bia entrar e falei nada.
Quando entrou dei um soco no volante que disparou a buzina.
Que idiota…
No dia seguinte fui para o trabalho e
todos já sabiam do ocorrido no casamento e me gozavam. Levei na
esportiva enquanto meus colegas diziam que fugi com o noivo.
Um tempo depois meu chefe chamou até a
sua sala. Entrei e ele mandou que eu sentasse. Estranhei e sentei. Ele
botou uísque para mim e perguntou se eu me casaria com o noivo de minha
ex-esposa. Apenas ri e ele, sério, perguntou se eu iria ao fechamento do
“casa de bamba”.
Respondi que sim e disse que ainda tinha
um fio de esperança das coisas se reverterem e não precisar fechar. Meu
chefe corroborou na esperança e pediu que eu fizesse uma matéria do que
ocorresse no bar. Concordei e ele emendou “e amanhã você assume a
editoria de política”.
Não entendi e pedi que ele repetisse.
Meu chefe repetiu. Eu assumiria a editoria mais importante do jornal e
ganharia um substancial aumento de salário. Feliz com o reconhecimento
abracei meu chefe e ele mandou que soltasse, pois gostava de mulher.
Passei o dia feliz e trabalhando. Ao
mesmo tempo passava as horas olhando o celular ansioso por receber uma
ligação. Meus colegas brincando perguntaram se era de Zé e Luisinho se
era de Bia. Respondi que não, mas era uma ligação muito importante. O
expediente se encerrou, nada da ligação e era hora de partir ao “casa de
bamba”. A hora do adeus.
Cheguei lá e o bar estava vazio. Entrei e
encontrei Almeidinha arrumando tudo. Perguntei como ele estava e o
garçom com lágrimas nos olhos respondeu que bem. Dei um abraço nele e
perguntei por Manolo. O homem disse que estava no segundo andar.
Subi e encontrei Manolo sentado olhando
os quadros. Quadros com cada figura não só importante para o samba, mas
para aquele bar, para sua vida. Sentei a sua frente e peguei sua mão.
Manolo olhou pra mim e disse nada. Ficamos lá os dois com mãos dadas
apenas nos olhando.
Depois de um tempo Manolo disse
“acabou”. Respondi que muitas vezes quando achávamos que era o fim
poderia ser o começo. O dono do bar me falou que não saberia viver sem o
bar e Almeidinha subiu dizendo que o pastor chegara.
Manolo mandou que subisse ao mesmo tempo
em que meu telefone tocou com o telefonema que eu tanto queria receber.
Atendi e sorrindo respondi ao meu interlocutor “tudo bem” e desliguei. O
pastor subiu e nos cumprimentou. Entregou um cheque com a terceira
parte do pagamento, Manolo pegou e colocou no bolso. Faltava assinar o
contrato repassando o imóvel para o pastor.
Quando Manolo ia assinar o contrato
mandei que esperasse. O pastor perguntou se havia algum problema e pedi
que apenas esperasse por dois minutos. O homem irritado perguntou se
Manolo compactuava com aquilo e o que ocorria. O dono do bar tentava se
explicar quando Almeidinha novamente subiu dizendo que tinham visitas.
Antecipei-me e mandei subir.
Muito
aborrecido o pastor perguntou que palhaçada era aquela quando uma
mulher subiu. Dei lhe um abraço e puxei para perto dos homens lhe
apresentando. Dona Ivone Aragão, vereadora da cidade do Rio de Janeiro.
Foi a vez de Manolo perguntar o que ocorria e pedi que dona Ivone
contasse. Ivone explicou que eu lhe procurei um tempo antes contando do
drama do bar e pedindo que ela fizesse algo e ela fez.
Os dois ouviam Ivone que respirou e
contou que entrou com pedido de emergência para votação do tombamento do
“casa de bamba” como patrimônio cultural do Rio de Janeiro, a emenda
fora aprovada e sancionada pelo prefeito alguns minutos antes, entrando
no dia seguinte do diário oficial.
Resumindo. O bar não podia mais ser vendido e transformado em igreja.
Almeidinha comemorou abraçando Manolo
que, estarrecido, não acreditava no que ouvia. O pastor riu e comentou
que a história toda era muito bonita, mas dera duas parcelas de
pagamento a Manolo e perguntou se o dono do bar tinha o dinheiro para
lhe devolver. O homem respondeu que não mais e ele perguntou como
ficariam.
Contei que pensara em tudo e nesse
momento um homem subiu as escadas. Apresentei a todos. Era Jorge Lara,
um grande amigo meu que contou que eu lhe procurara contando toda a
história da casa, sua tradição, as pessoas que passaram por lá e se
sensibilizou e empolgou. Perguntou se Manolo lhe aceitaria como sócio.
Manolo, atordoado, não conseguia
acreditar naquilo tudo. Jorge ofereceu devolver as parcelas pagas pelo
pastor e restaurar o bar. Perguntou se Manolo queria e eu incentivei
dizendo que o homem tinha nada a perder.
Manolo sorriu respondendo que sim; então
Jorge sentou-se à mesa, assinou um cheque preenchendo com o valor que o
dono do dar devia ao pastor e lhe entregou. O pastor olhou o cheque,
disse que era o valor certo, falou que não faltavam lugares decadentes
no Rio para comprar e foi embora.
Jorge olhou para Manolo, estendeu a mão e
perguntou “sócios?”. Manolo – com lágrimas nos olhos – sorriu e apertou
sua mão dizendo “sócios”. Mandei que Almeidinha pegasse uma gelada para
celebrarmos aquele momento.
Consegui!! O “casa de samba” não fecharia mais, a cultura carioca estava preservada.
Manolo reservou uma feijoada com grande
festa para que todos comemorassem que o bar continuaria de pé. Cheguei
com Mariana, Bia e Ana Júlia e o homem foi logo me puxando para o
segundo andar.
Quando subi Manolo falou que tinha um
quadro novo e queria que eu visse. Quando olhei era uma foto minha com
meu pai. Surpreso e emocionado perguntei o que era aquilo. Manolo
respondeu que era a homenagem que podia fazer a pessoa mais importante
que já passou por aquele bar. Eu.
Pois é. Eu que não era tão
ligado a samba, fui pela primeira vez naquele bar apenas para cobrir
seu possível fechamento cheguei naquela situação. Mal consegui falar
obrigado e o homem disse: “Pedro, você é um bamba”.
Voltamos para a roda de samba e enquanto
eu bebia com Mariana troquei olhares com Bia. Mariana notou e falou que
achava bom nós terminarmos. Engasguei com a cerveja e perguntei porquê.
Mariana contou que recebera proposta pra trabalhar como modelo em São
Paulo. Fiquei feliz por finalmente conseguir realizar seu sonho e ela
completou “Não é interessante para mim trabalhar como modelo e namorar”.
Eu entendi onde ela quis chegar. Abracei Mariana e agradeci. Ela falou em meu ouvido “vai lá, não a perca”.
Enchi
de coragem e me aproximei. Chegando perto vi que ela conversava com o
Zé. Pensei em correr quando ele me viu e me deu um beijo na bochecha,
apresentando seu namorado chamado Rob. Antes que eu falasse algo Zé
disse que ia pro meio do povo sambar com Rob porque o corpo dele pedia
isso. Muito gay.
Ficamos eu e Bia ali. Muita gente em
volta, mas parecia ser apenas nós dois. Peguei uma cerveja e enquanto
enchia seu copo contei que acabara de tomar um fora. Bia perguntou de
quem e respondi de Mariana, virara modelo e achou melhor assim.
Era a hora!! De dizer pra Bia que lhe
amava!! Mas não conseguia, não saía. Bia perguntou se eu queria falar
algo e não consegui. Tentei me lembrar de como consegui da outra vez,
quando nos conhecemos e lembrei que não falei, cantei em um videokê.
Naquele momento Penteado,
que comandava a roda de samba, me chamou pra cantar. Tinha que ser ali,
naquele instante e fui. Penteado perguntou o que eu iria cantar e pedi
um dó maior.
Enquanto o cavaco tocava olhei pra Bia e cantei “pôxa” de Gilson de Souza. Aquela que diz “Pôxa
como foi bacana te encontrar de novo/ Curtindo um samba junto com meu
povo/ Você não sabe como eu acho bom/ Eu te falei que você não ficava
nem uma semana/ Longe desse poeta que tanto te ama/ Longe da batucada e
do meu amor”.
Era minha música com Bia. A música que cantei no videokê.
Ela já me olhava e chorava quando
finalmente tomei coragem e disse ao microfone “Bia eu te amo”. Ela
correu para meus braços e me beijou. Um beijo apaixonado, tão desejado
por tanto tempo que foi aplaudido e receber rufar da bateria presente.
Vi um juiz de paz amigo meu ali e pedi
que nos casasse. Ele se espantou e perguntou “Aqui?”. Respondi que sim e
perguntei se Bia topava. Ela riu e perguntou se eu era louco. Falei
“Sim, eu sou, quer ou não?”.
Ela, sem graça e gargalhando, me abraçou e disse: “claro, sua besta”.
O corredor foi formado. Na frente as
porta bandeiras de todas as escolas de samba do Rio de Janeiro
caminhavam com as bandeiras das agremiações e atrás Julinha. Atrás de
Julinha Zé conduzia Bia até o altar improvisado ao som de “pôxa” sendo
cantado pela rapaziada.
Ele me deu a mão de minha ex futura
atual e eu disse pro homem “nada de beijos”. Peguei a mão e me virei pro
juiz. Dessa forma finalmente nos casamos naquele sábado de Sol que
irradiava felicidade pelo Rio de Janeiro. Não era sábado de carnaval,
mas era como se fosse. Era um dia feliz onde mais uma vez o samba
quebrara barreiras, ultrapassava as dificuldades e vencia emoldurando
uma louca e linda história de amor.
Todos os personagens dos contos do livro
estavam lá celebrando o samba e a alegria. Sambavam, batucavam,
cantavam felizes em um congraçamento de raças e vidas.
Eu em um canto assistia a tudo quando
Penteado ao microfone, já com Jorge e Ivone ao lado, virou pra mim e
disse que cantaria uma em especial que sabia que mexeria com meu
coração.
Completou “Em especial pro meu parceiro Pedro de Oliveira e a seu Jair”.
E começou a cantar “Enredo do meu
samba”. A música preferida de meu pai. Emocionado olhei pro céu e fiz um
brinde dizendo “tamos juntos meu velho!! Obrigado por tudo seu Jair!!”
Bia e Julinha se aproximaram. Minha filha foi para meu colo e minha
mulher me abraçou. Eu, com lágrimas nos olhos, observava aquela gente
toda feliz cantando e Julinha me perguntou como acabava meu livro.
Apontei aquela gente sambando e respondi.
“Acaba assim minha filha”.
Viva o samba!! Viva nossa maior cultura!!
FIM
FIM DO CARNAVAL?
Alguns meses depois fiz o lançamento de
meu livro “Enredo do meu samba” no “Casa de bamba”. Casa cheia, com
muitos convidados, muitos dos retratados no livro. Um dia muito feliz.
No fim um homem se aproximou para dizer que tinha uma história
sensacional para mim. Retruquei que o livro já estava encerrado e
publicado quando ele respondeu “Mas é uma história incrível que ocorreu
com um amigo meu lá da Vai vai”.
Perguntei “Vai vai?” e ele respondeu “Sim meu, a escola de São Paulo”.
São Paulo… Meu Deus!! Vai começar tudo de novo!!
FIM?
ENREDO DO MEU SAMBA
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