AMOR: CAPÍTULO VII - O CASAMENTO
Passei
horas ali naquelas pedras, enxuguei as lágrimas e decidi voltar para casa.
Deixei um e-mail para minha mãe, peguei todas as economias que tinha e na manhã
seguinte parti.
Sim.
Parti. Abri mão da sociedade pedindo desculpas a Samuel. Fui até a via Dutra e
comecei a pedir carona com uma mochila nas costas. Depois de um tempo pedindo
um caminhoneiro parou e me ofereceu ajuda.
Entrei e
ele perguntou para onde eu ia. Devolvi a pergunta e ele respondeu “Bahia”. Sem
pensar duas vezes emendei “Eu também”.
Sim, era
loucura. Sim, fiz sem pensar. Sim, eu precisava fazer alguma coisa com a minha
vida. Podem imaginar que foi uma fuga e eu respondo, foi mesmo uma fuga. Mas eu
precisava daquilo.
Precisava
me livrar daquela loucura que a minha vida se transformava. Precisava me livrar
daquela areia movediça que me tragava. Sim. Precisava me livrar de Camila.
É duro
dizer isso de alguém que é tão importante para a gente, da mulher que amamos,
mas era necessário. Camila gostava muito de mim, mas como amigo e não tinha a
sensibilidade para perceber o quanto eu a amava e sofria ao seu lado com toda
aquela situação. Ela amava a Guga. Não a mim.
Só esse
fato era capaz de explicar que ela tivesse preferido um cara irresponsável, que
deu a mínima para ela em um momento tão difícil do que a mim que esteve ao lado
dela todo aquele tempo.
É. Talvez
o problema fosse esse. Eu estava muito a mão. As pessoas precisavam sentir
falta de mim.
Camila
precisava sentir falta de mim.
Parei na
Bahia com aquele caminhoneiro sem nunca ter estado ali e ter a mínima ideia do
que fazer. Como cheguei de madrugada dormi em um praça e no dia seguinte
acordei com o Sol de Salvador sobre meu rosto me dando bom dia.
Peguei
mais uma carona e parei no litoral. Batendo de porta em porta tentando arrumar
um trabalho antes que minhas economias acabassem acabou que virei pescador.
É.
Pescador. Eu, um garoto carioca, desajeitado que nem comer peixe comia estava
no mar com outros jogando rede e tentando fisgar alimento que serviria aos locais
e me daria dinheiro.
Não deu
muito certo e mesmo com aquela Lua maravilhosa que eu via todas as vezes que ia
dormir em uma rede na varanda de uma família que me abrigou eu sabia que tinha
que partir.
A Lua..a
Lua refletindo naquele mar lindo parecia descrever o rosto de Camila.
Saí da
Bahia e fui subindo o Brasil chegando a Belém. Lá acabei arrumando trabalho no
mercado Ver-o-Peso vendendo carne. Todas as manhãs ajudava a descarregar
caminhão e levar até a banca. Pegava duro, ralava bastante, nem eu me
reconhecia.
Apesar de
não estar acostumado com tanto sacrifício, pegar no pesado, acordar cedo, estar
longe das pessoas que eu amava sabia que era
necessário. Eu me sentia ainda muito garoto, muito protegido. Precisava virar
homem.
Em Belém
arrumei namorico com uma linda “nativa” e assim foi em cada cidade que passei.
O rapaz tímido que sempre fui tentava aos poucos conhecer as mulheres e se
conhecer melhor. Eu precisava entender quem eu era para assim poder entender
melhor o mundo e a minha vida.
Não
conseguia ficar muito tempo em nenhuma cidade e de tanto rodar, principalmente
pela região Norte do Brasil acabei parando em uma aldeia indígena.
Sim.
Aldeia indígena. Acabei passando três meses em uma reserva indígena andando
quase pelado e convivendo com sua cultura e costumes. Sentia uma paz imensa,
contato com a natureza que nunca tivera.
Mas ainda
sentia saudades.
Saudades
da minha família. Saudades de Camila. Pelo menos uma vez por semana ia até a
cidade mais próxima da aldeia e entrava em uma lan house. Passava pelo menos
uma hora lá falando por vídeo com minha mãe, Samuel e Bia.
Perguntava
como eles estavam e contava as novidades sobre minha vida. Evidente que eles se
assustavam e não acreditavam nas coisas que eu dizia. Contavam sobre suas vidas
e parecia tudo na mesma a exceção de Samuel que começara a namorar e pelo jeito
a coisa era séria.
Nunca
perguntava por Camila e Guga apesar de ter uma vontade enorme de
perguntar como ela estava. Uma tarde eu estava na lan conversando com Bia e pra
minha surpresa ela disse “advinha quem está aqui hoje?”.
Era
Camila.
Muitos
meses que não via seu rosto, nem foto sua eu levara nessa minha aventura e
assim que vi seu rosto no vídeo meu coração congelou, acelerou, eu nem sei
direito o que ocorreu. Suando gelado desconectei o computador dando a impressão
que a conexão caíra.
Ver
Camila mexeu comigo, me incomodou demais. Eu achava que com aqueles meses fora
teria controlado todos os meus sentimentos e me tornado dono da situação, mas
ali vi que estava me enganando.
Naquela
madrugada peguei minha trouxa e decidi
ir embora da aldeia. Cruzei a fronteira pela floresta Amazônica e comecei um
pequeno tour pela América do Sul.
Um dia
barbado, um pouco mais forte e encasacado me protegendo do frio em uma montanha
de Cusco no Peru eu via monumentos perdidos da civilização Inca quando do nada
decidi que era hora de voltar.
Estava um
ano fora do Rio de Janeiro e só naquela montanha percebi que o Rio de Janeiro
nunca saíra de dentro de mim.
Desci da
montanha e fiz o caminho de volta pegando caronas até voltar pra casa.
Cheguei
na casa de Dona Hellen e seu Pinheiro tarde da noite. Deixei a mochila no chão
e bati palmas. Depois de um tempo minha mãe abriu a porta e abriu um largo
sorriso ao perceber minha presença. Abriu o portão e antes que me abraçasse o
cachorro da casa saiu em disparada pulando em cima de mim e me lambendo todo.
Era bom
me sentir querido.
Entrei,
tomei um belo banho como há muito tempo não tomava e botei uma roupa limpa,
confortável e cheirosa como há muito também não vestia antes de comer o
maravilhoso bolo de fubá da minha mãe com refrigerante.
Dona
Hellen empolgada me fazia um monte de perguntas sobre como foi meu ano e eu sem
sentir cansaço apesar da longa viagem contava. Pinheiro apenas me olhava
sorrindo e em determinado momento minha mãe se despediu indo deitar.
Pinheiro
continuou me olhando e eu desconcertado com o olhar perguntei se ele tinha
alguma pergunta a fazer. Ainda sorrindo meu padrasto perguntou “Decidiu parar
de fugir?”.
Respondi
que não sabia do que ele falava. Pinheiro levantou e disse “Não adianta você
fugir, ir até o outro lado do mundo se o problema está aqui” apontando para o
meu coração.
Pinheiro
se encaminhava para o quarto e antes de entrar virou e disse “ficar na asa da
sua mãe também adianta nada, você tem que voltar para sua vida”.
Entendi o
recado. No dia seguinte me despedi dos dois e voltei
para o apê.
Fui
recebido com uma grande festa por Samuel, Bia e toda a galera. Eu que não era
de beber até que bebi um pouco e deitei feliz e exausto na minha velha cama.
Botei meu velho som para tocar quando bateram na minha porta.
Abri e
era ela. Camila.
Tomei um
susto vendo a mulher que eu amava ali, depois de um ano e Camila indignada nem
me deu bom dia perguntando “Como você some do nada, comigo internada em um
hospital, fica um ano fora, volta e não fala comigo?”.
Respondi
apenas “bom dia” e ela continuou exigindo satisfação minha. Respondi que ela
não estava mais internada quando viajei, eu vira o momento em que ela saiu com
a família e Guga. Camila tentou se explicar e respondi que ela não me devia
satisfações assim como eu não devia a ela.
Camila se
assustou com aquela minha reação. Disse que eu estava mudado e apenas respondi
que um ano, um dia ou um ato eram tempo suficiente para mudar uma pessoa.
Ela olhou
pra mim com lágrimas nos olhos, percebeu o som ligado e perguntou se poderíamos
ouvir Raspberries. Respondi que não tinha mais a música, tinha deletado então a
menina abaixou a cabeça dizendo que era melhor ir embora.
Camila
foi embora e eu não disse uma palavra para evitar aquilo. Assim que me vi
sozinho coloquei Raspberries, deitei e comecei a chorar.
Nada
tinha mudado. Eu era o mesmo e meu amor também.
No começo
Camila ainda tentava aproximação comigo, mas meu jeito frio acabou fazendo que
ela se afastasse aos poucos. Eu via a mulher que eu amava e Guga cada vez mais
próximos e nada podia fazer, não tinha forças para aquilo. Eu que achava que me
tornara um cara super seguro e esperto com minhas andanças descobri ali que
permanecia o mesmo cara bobo e tímido.
Pelo
menos perto de Camila.
Então
decidi me afastar de vez dela. Acabei que por tabela me afastei de meus amigos
fiéis fazendo novas amizades. Decidi voltar a ser DJ, mas sem sócios e passei a
varar as noites em farras e bebedeiras. Sim, começava a aprender a beber e meus
antigos amigos não me reconheciam mais.
Um dia
visitei minha mãe e fui com Pinheiro ao bar. Pela primeira vez bebi com meu
padrasto que ironizou e brincou dizendo “finalmente está virando homem”.
Virei um
copo de cerveja e perguntei a ele o que faltava para ser um de verdade.
Pinheiro encheu um copo e antes de beber respondeu “agir como um”.
Pinheiro
e minha mãe iram na gafieira naquela noite e o homem rapidamente se arrumou.
Pinheiro sempre foi um cara elegante e naquela noite não foi diferente ficando
bem bonito.
Minha
mãe, como sempre, se atrasara botando a roupa e meu padrasto me desafiou para
uma partidinha de botão.
Pela
primeira vez fizemos um jogo disputado. Pela primeira vez ele metia um gol em
mim e eu revidava. Foi assim o tempo todo em um embate dramático e violento que
chegou a 5 x 5 e minha mãe ficou pronta.
Pinheiro
colocou a bolinha no meio do campo e disse “quem fizer o gol vence”. Eu nunca
vencera, aliás, eu nunca chegara nem perto de vencer Pinheiro na minha vida e
aquilo me deixou muito tenso.
Pinheiro
disse “prepara”, ajeitou o botão e chutou. A bola bateu no travessão e voltou
em meu jogador. Eu com a palheta fui batendo devagar na bolinha com meu botão
até passar o meio de campo e muito tenso disse “prepara”.
Pinheiro
ajeitou o goleiro. Eu tremendo encostei a palheta no jogador e bati.
Fiz o
gol.
A
primeira vez. A primeira vez em minha vida que eu vencia Pinheiro no botão.
Vocês não tinham ideia de como aquilo era importante para mim. Eu gritei,
vibrei, comemorei, quase chorei emocionado com o feito enquanto o velho
Pinheiro sorrindo me abraçava e dava parabéns.
Eu feliz
agradeci enquanto minha mãe lhe puxava dizendo que estavam atrasados para a
gafieira. Pinheiro pediu que eu jantasse, fechasse a porta direito e deixasse a
chave debaixo do carpete para quando eles chegassem. Respondi que faria tudo
direitinho e antes que partissem Pinheiro sorriu, me deu parabéns e um tapinha
em meu rosto.
Os dois
saíram cantarolando e dançando em direção ao ponto de ônibus já que o carro
estava quebrado, como sempre, e eu esquentei no microondas a maravilhosa
macarronada que minha mãe fizera.
Enquanto
eu comia uma borboleta entrou pela janela quase pousando na travessa. Irritado,
levantei e afastei o bicho dizendo “Ta maluco? Quer morrer? A comida é
minha!!”. A borboleta se afastou e voltei a comer.
Me
sentindo um campeão do mundo.
Pinheiro
e minha mãe pegaram o ônibus. Sentaram na parte de trás e ficaram abraçadinhos.
Minha mãe colocou a cabeça no ombro de meu padrasto e ficaram assim nesse clima
de namoro na viagem no ônibus vazio.
Depois de
um tempo dois garotos entraram no ônibus e antes mesmo de passarem pela roleta
anunciaram assalto.
O
primeiro pulou a roleta e começou a pegar o dinheiro dos passageiros enquanto o
outro assaltava o cobrador. Pinheiro percebeu e disse “Hellen, calma, vamos ser
assaltados”.
O ladrão
que pulou, fez a limpa no ônibus todo e chegando no casal pediu a carteira a
Pinheiro que com calma deu.
O homem
abriu a carteira, pegou o dinheiro, mas um documento chamou a atenção do
meliante. O ladrão olhou e perguntou “polícia?”. Pinheiro respondeu “não,
militar”. Mas o bandido quis nem saber. Sacou a pistola e deu um tiro na cabeça
de Pinheiro.
O que
estava na frente perguntou o que ocorria enquanto o que atirou gritava para o
motorista abrir a porta para que eles descessem logo. Desceram enquanto minha
mãe desesperada gritava ao motorista para que fossem a um hospital, pois o
marido dela estava morrendo.
Eu dormia
no apartamento em que morava quando Samuel bateu na porta. Abri perguntando o que
ocorria e ele disse para atender ao telefone que minha mãe estava desesperada.
Atendi e
veio a notícia. Pinheiro estava morto.
Não era
meu pai. A transa que minha mãe teve pra me gerar não foi com ele. Mas foder e
fazer filho é mole, o difícil é criar, dar dinheiro, educação, amor..Pinheiro
me deu tudo isso. Foi minha referência paterna, o cara que me deu broncas,
conselhos e acima de tudo um dos grandes amigos que tive na vida. Meu
companheiro de jogo de botão.
Um cara
fantástico e que fez o que eu mais queria que alguém fizesse. Fez minha mãe
feliz.
Perdeu a
vida de uma maneira idiota, estúpida. Um assalto imbecil onde o ladrão,
provavelmente drogado, confundiu uma carteira militar com policial. Mesmo que
fosse policial, por isso deve morrer? Esse é o mundo em que vivemos, a cidade
em que vivemos. Uma vida perdida, ceifada de seus entes queridos por um motivo
babaca.
Ah..como
esse cara me faz falta meu Deus!!
Fui ao
hospital consolar minha mãe que já tomara calmante e não
conseguia
melhorar. Fiquei ali sentado abraçado a dona Hellen enquanto amigos deles e
meus amigos chegavam. Camila chegou com Guga e meu amigo, ou ex-amigo, cheio de
dedos disse “meus pêsames” a mim e deu um abraço em minha mãe. Camila perguntou
como eu estava e seco respondi “já estive melhor”.
Fomos
para o velório. Eu olhava o corpo de meu amado padrasto e lhe observava sereno,
calmo, como alguém que cumprira sua missão na vida. Tão jovem ainda, não dava
pra me conformar.
Antes do
caixão fechar, logo após missa, cheguei baixinho em seu ouvido e disse “Não
adianta querer tirar onda, a última quem venceu fui eu”. Coloquei em sua mão o
botão com quem eu fizera o gol da vitória em nosso jogo e emendei “Um dia a
gente joga de novo” lhe dando um beijo na testa.
O caixão
fechou e longe percebi a presença de meu pai, o Turco. Ele olhava toda aquela
movimentação e ao perceber que eu lhe vira se afastou.
O caixão
desceu e assim as pessoas foram embora. Embora continuar suas vidas porque
assim é a vida. A dor só prossegue pra quem sente a perda. Eu caminhava com
minha mãe saindo do cemitério quando meu pai arrumou coragem e se aproximou
perguntando “posso acompanhar vocês?”.
Minha mãe
fez sinal com a cabeça que sim e saímos os três juntos em silêncio.
Levei
minha mãe para casa e ela se trancou no quarto. Colocou Michael Jackson para
tocar e ao longe ouvi “one day in your life”, a música tema do amor deles.
Olhei a
mesa de botão, o time dele guardado cuidadosamente na caixinha e de súbito me
veio uma situação na cabeça. Lembrei que eu nunca chegara nem perto de vencê-lo
e venci na última vez. Levantei a cabeça e fiz uma pergunta ao céu que nunca
terei resposta.
“Você me
deixou vencer seu safado?”.
Era um
cara maravilhoso, generoso e acho que aquele foi o último presente que me deu
em vida.
Depois de
morto me presenteia todos os dias com tudo que me ensinou.
Achei
melhor me mudar e voltar para casa. Minha mãe passaria por momentos difíceis e
achei por bem estar ao seu lado naquele período. Isso me ajudou também porque
ficaria mais distante de Camila. A relação dela com Guga estava cada vez mais
forte até que ocorreu o inevitável.
Os dois
ficaram noivos.
Apesar de
convidado não fui a festa de noivado e praticamente sumi da vida dos dois.
Tentava prosseguir minha vida afastado de Camila e tentando ajudar minha mãe a
se levantar. Dona Hellen conseguiu um emprego como caixa de supermercado. Não
dava muito dinheiro, mas pelo menos arejava sua cabeça.
Eu
trabalhava como DJ pela Ilha do Governador e bairros próximos e defendia o meu assim.
Tentava não pensar em Camila, mas era inevitável.
Um dia
ela foi me visitar.
Fui pego
de surpresa, com o coração acelerado, mas me mantive forte, firme e perguntei
se algo ocorrera. Camila comentou que eu sumira e estava preocupada. Respondi
que estava trabalhando muito e ajudando minha mãe.
Camila
então foi direta ao assunto “Eu vou me casar com o Guga e queria te convidar
pra ser meu padrinho”.
Aquilo
foi uma punhalada em meu coração que já sofria muito, mas em vez de ficar
triste fiquei irritado. Como podia a Camila ser tão insensível? Como ela não podia perceber o
tanto que eu gostava dela? Ainda me fazer um convite desse tipo?
Sem nem
pensar respondi “não”.
Camila se
assustou e perguntou porque. Friamente respondi “Não gosto de casamentos” e
emendei dizendo que teria que trabalhar deixando a menina falando sozinha na
porta da minha casa.
Estava
difícil. Tantas perdas, tantas desilusões, eu estava tão por baixo que já
queria mudar meu nome para Botafogo. Achei que aquele era o momento de esquecer
Camila de vez. Ela iria casar com Guga, não tinha mais nada que eu pudesse
fazer.
O dia do
casamento foi se aproximando e eu não conseguia esquecê-la, muito pelo
contrário, cada vez lhe amava mais.
Era uma
merda.
No dia
anterior ao casamento eu via televisão com minha mãe e
dona
Hellen perguntou “É amanhã o casamento né?”. Perguntei que casamento e ela
respondeu “Não se faça de desentendido Antonio. O casamento entre Guga e
Camila”.
Respondi
que era e minha mãe emendou “Não fará nada pra impedir?”.
Soltei
uma gargalhada e comentei com ela “Fazer o que mãe? Tenho nada com isso”. Minha
mãe se irritou. Levantou, olhou firme para mim e disse “Se você quer se fazer
de idiota tudo bem, mas não tente me fazer. Todo mundo sabe que você ama essa menina
e só ela não percebe”.
Eu fiquei
sem reação e ela completou “Sinto muita falta do Pinheiro, muita. Meu coração,
meu corpo. Mas tenho o alento de ter vivido com ele tudo que eu queria, que eu
precisava. Tenha esse alento também”.
Minha mãe
foi para cozinha e fiquei pensando no assunto. Eu perdera Camila e não fiz nada
para impedir isso. Gritei que já voltava e fui para o bar beber.
Bebi.
Bebi muito e quando começou a chover pensei em ir pra casa. Me levantei e vi
todos correndo para fugir da chuva torrencial e entrar nas suas residências,
mas fiz o caminho contrário. Peguei um ônibus.
Quando
dei por mim estava na porta da casa de Camila.
Bêbado,
encharcado de chuva socava a porta de Camila gritando seu nome. Depois de um
tempo de escândalo consegui que abrissem a porta e para minha sorte foi ela.
Camila,
assustada, perguntou o que ocorria e eu sem respirar respondi “eu te amo, não
casa”. Ela nada entendeu e pediu que eu repetisse. Repeti.
“Te amo
Camila desde a primeira vez que te vi, desde o primeiro atropelamento. Amo seu
sorriso, seu cheiro, o jeito que gargalha, a manchinha que você tem perto do
rosto, seu cabelo, sua voz, sua lágrima. Amo cada coisa em você e sou capaz de
tudo por você, até mesmo te levar em clínica de aborto grávida de outro e ser
seu amigo mesmo querendo seu amor”.
Camila
nada respondia, seu olhar era assustado e implorei de joelhos “não casa, por
favor, fica comigo”.
Uma voz
de dentro da casa, acredito que tenha sido sua mãe, começou a lhe chamar. Pedi
mais uma vez que ela não casasse e Camila pediu desculpas dizendo que tinha que
entrar.
Daquela
forma fechou a porta e eu fiquei ali, de joelhos do lado de fora.
Não deu.
Tentei, fui atrás do meu alento, mas não deu certo. Voltei para casa
encharcado, sozinho em um ônibus arrasado por ter dado errado, mas aliviado por
finalmente ter contado o que sentia. Era como se um peso saísse de cima de mim.
Acho que Pinheiro teria ficado orgulhoso de mim.
Mesmo
tardio consegui falar. Contei que a amava.
No dia
seguinte não consegui me concentrar em nada. Não consegui trabalhar imaginando
que ela se arrumava para o casamento. De noite, na hora que imaginei que ela
estava saindo para a
igreja saí de casa.
Fui para
o meu cantinho, Pro Arpoador.
Nas
pedras pensei em tudo que vivi, todas as perdas que tive. Pensei em Jessé,
Pinheiro, minha mãe que perdera o amor de sua vida. Pensei em Camila, o meu
amor.
O amor
que nunca tive.
Passei
alguns momentos com ela naquelas pedras. Momentos gostosos, de cumplicidade e
que a partir daquele momento, daquele casamento ficariam para trás pra sempre.
Eu tentava há tempos e não conseguia, mas aquela era a hora de esquecê-la de
vez. Camila a partir daquele momento se transformava em uma mulher casada.
Estava
tão concentrado em meus pensamentos, na minha tristeza que não ouvi gritarem
meu nome. Só ouvi depois de um tempo. Os gritos chamando por meu nome me
tiraram da concentração que estava. Comecei a procurar quem me chamava.
Quando
vi.
Vi Camila
vestida de noiva correndo pela praia e gritando meu nome.
Olhei e
não acreditei dizendo baixinho “Camila?”. Ver minha amada correndo de noiva
pela praia gritando “Antonio” parecia um sonho. Sorri, gritei “Camila” e desci
correndo das pedras.
Ela
gritava “Antonio”, eu “Camila” e dessa forma corremos na praia um
em direção ao outro até que nos encontramos e nos abraçamos.
E nos
beijamos.
Nosso
primeiro beijo.
Um beijo
apaixonado, um beijo que ansiei por anos. Um beijo que a saliva se misturava
com minhas lágrimas. Eu finalmente beijava a mulher que eu amava.
Depois
que nos beijamos Camila com lágrimas nos olhos perguntou se eu lhe amava. Eu
também chorando olhei pro céu, a rodopiei e gritei “pra sempre!!!”.
E
voltamos a nos beijar.
Na boa.
Eu merecia ser feliz.
CAPÍTULO ANTERIOR:
Comentários
Postar um comentário