AMOR: CAPÍTULO VI - A MÃO QUE AMPARA
Ficamos
bastante tempo naquela posição. Abraçados e eu lhe amparando sem dizer nada.
Perguntei se Camila queria dar uma volta e ela concordou. Fomos para o
Arpoador.
Sentamos
e olhamos um tempo o mar em silêncio. Achei que já estava na hora que “quebrar
aquele gelo”. Disse “isso aqui é lindo” quando de supetão Camila falou “estou
grávida”.
Tive
aquela reação idiota que a maioria das pessoas que recebem essa notícia de
surpresa tem. Perguntei “como?”. Ela suspirou bem fundo e respondeu “Da mesma
forma que todas engravidam excetuando a Virgem Maria”.
Rapaz..Aquilo
foi um tiro de fuzil no meu coração. Senti como se tivesse ido direto pro
inferno e caído no colo do capiroto. A tristeza invadiu a minha alma como
poucas vezes senti em minha vida e eu não sabia o que dizer.
Fiquei em
silêncio. Senti meus olhos lacrimejarem, mas me fiz de forte quando percebi que
os de Camila lacrimejavam mais ainda. Respirei, engoli o choro e disse “Vocês
serão felizes, Guga é um cara bacana”.
A dor era
grande demais. Meus sonhos, minha esperança acabavam ali.
Sem me
olhar, ainda olhando o horizonte Camila contou “vou tirar”. Olhei assustado
para ela e dizendo que Guga nunca aceitaria e ela
respondeu “ele que pediu”.
Não
entendi nada. Levantei e indignado pensei em um monte de coisas para dizer só
conseguindo falar “Como assim?”. Sem conseguir me olhar Camila comentou que
Guga achava que os dois eram muito jovens e estragariam suas vidas tendo um
filho.
Eu era um
tanto quanto tradicionalista nesse tipo de assunto e me indignei dizendo “Na
hora de fazer vocês não pensaram nisso!!”.
Não era o
meu direito falar aquilo. Eu não tinha nada a ver com aquela história e acabei
falando demais. Esperei a reação furiosa de Camila dizendo para que não me
metesse em sua vida e ao contrário disso a mulher que eu amava abaixou a cabeça
e começou chorar pedindo que não lhe julgasse, pois só tinha a mim para
ajudar.
Aquela
reação me desconcertou. Sem saber o que fazer sentei novamente e abracei Camila
enquanto chorava. Abracei, passei a mão em seus cabelos e apenas consegui dizer
“estou com você”.
Aquela
história realmente não era minha, eu não tinha nada a ver com ela, mas já
estava completamente envolvido, pois se envolvia Camila envolvia diretamente a
mim. O clima entre Camila e Guga estava péssimo e eles acabaram terminando.
Seria
motivo para comemorar. A mulher da minha vida estava livre, mas eu não tinha
nada para comemorar lhe vendo naquela situação.
Camila
pertencia a uma família de novos ricos, assim como a de Guga e as duas famílias
se davam muito bem enaltecendo e dando forças
para o casal.
A mãe de Camila, dona Suely, era o tipo de mulher que ia todos os
dias a missa e achava que rezando a fazendo algumas obras de caridade na igreja
ficava limpa de seus pecados do dia a dia como vaidade e soberba.
O marido
dela, Osmar Pires, era dono das “Padarias Pires”, maior franquia de padarias do
Rio de Janeiro, mas quem mandava na casa era dona Suely.
Com tudo
isso que eu disse Camila não teve coragem de contar aos pais o que ocorria. Eles
não entendiam a separação de Guga e cobravam a menina perguntando o que ela
fizera de errado. O tempo passava e Camila se desesperava porque logo a barriga
apareceria e ela precisava de uma solução.
Ao
contrário de Guga que parecia estar nem aí com a história e ignorava Camila
todas às vezes que ela lhe procurava.
Um dia
Camila foi até minha casa e pediu mais uma vez que eu lhe ajudasse, ela tinha
que tirar a criança. Isso ia contra todos os meus princípios, mas vendo o
desespero que ela se encontrava perguntei como.
Camila
respirou fundo, disse que já tomara medicamentos para abortar, mas não dera
certo pedindo então que eu encontrasse uma clínica de aborto.
Clínica
de aborto não é igual boca de fumo que você encontra em todas as esquinas do
Rio de Janeiro. Perguntei como faria isso e Camila respondeu implorando “Me
ajuda Toninho, pelo amor de Deus, eu só tenho você e já tenho quase três meses
de gravidez”.
É. Eu não
poderia deixá-la na mão.
A criança
não era minha, não fui eu que fiz e a responsabilidade caiu toda em cima de
mim. Não era pai da criança, mas virei a mão que ampara, a pessoa responsável
pelo futuro de Camila. O assunto virou o principal da minha vida e não
conseguia me concentrar mais em nada.
Acabei
sobrecarregando Samuel em nossos eventos e meu amigo, com razão, reclamava de
minhas atitudes. Pensei em falar com Pinheiro, mas não soube como chegar em meu
padrasto e contar algo tão embaraçoso da intimidade de Camila.
Pesquisei
na internet, mas clínicas de aborto não são coisas simples de se achar no
google. Precisava de ajuda. Precisava de uma luz.
Um dia
fui visitar Camila na faculdade, ver como ela estava e conversamos um pouco no
pátio. Camila se mostrou uma menina totalmente diferente da alegria e
irradiação de energia que sempre me transpareceu. Desolada, apática,
depressiva, ela não sabia mais o que fazer e mais uma vez implorou por minha
ajuda.
Conversamos
e nos despedimos para que ela voltasse à sala de aula. Camila pediu que não lhe
deixasse sozinha e acompanhasse até a porta da sala.
Prontamente
atendi.
Caminhávamos
conversando quando chegando próximos da sala vimos Guga no corredor. Ele
animadamente conversava com uma loira e fazia carinho no seu rosto. Eu percebi
e fiquei desconcertado. Camila também e tentou disfarçar o quanto ficou incomodada.
Passamos
por eles e Guga ignorou completamente Camila falando apenas comigo e dizendo
“Fala doido, ta sumido”. Antes que eu respondesse algo Camila parou de caminhar
e foi ao seu encontro dizendo que precisava falar com ele.
Guga
tentou se livrar de Camila dizendo que não tinha nada para falar com ela.
Camila insistiu, praticamente se humilhava enquanto a loira ria e Guga
respondeu “Vaza Camila, to ocupado porra!!”.
Aquilo
esquentou meu sangue. Vi Guga debochando, Camila chorando e empurrei a menina
para o lado indo direto em Guga. Perguntei se ele tinha certeza que não tinham
nada para conversar e ele respondeu perguntando “Qual foi Toninho? Vai se meter
em assunto que não é seu?”.
Camila
implorava para que eu parasse até que falei demais. Virei para a loira e
perguntei “Sabia que esse aí tem mania de engravidar mulheres e fugir?”.
Camila
ficou furiosa comigo, reclamou que era segredo nosso e tinha traído sua
confiança quando Guga disse “Quem garante que é meu?”.
Não
aguentei e dei um soco no rosto de Guga.
Pronto. O
barraco estava armado. Ele devolveu o soco e nos embolamos no chão brigando. A
loira se afastou de mansinho enquanto Camila implorava que parássemos. A turma
do “deixa -disso” chegou para apartar enquanto nos surrávamos e nos separaram
até que a segurança chegou.
Gritei
que Guga era moleque e não assumia as coisas que fazia enquanto meu ex-amigo
respondeu “Você tem inveja de mim!! É um merda que sempre quis tudo que é meu!!
Pode ficar com ela!!”.
Minha
vontade era de voar em cima de Guga e arrebentá-lo em mil pedaços. Mas acabei
sendo levado para fora da instituição por não ser mais aluno dela.
Machucado
esperei sentado no meio fio que Camila saísse. Ela saiu amparada por amigas dez
minutos depois e tentei falar com ela. Quando me aproximei ela percebeu minha
presença e com muita raiva gritou “Não se aproxime de mim!! Você me traiu!! Te
odeio!!”.
Não tive
reação. Sentia meu coração despedaçando enquanto ela ia embora.
Fui para
casa disfarçando as lágrimas, entrei no quarto e me tranquei. Liguei o som e
fiquei deitado na cama chorando e ouvindo música. Quando ouvia Raspberries
e “Don`t Want To Say Goodbye” bateram na
porta.
Abri e
era Camila.
Camila
chorava e quando disse “me desculpa..” não deixei que ela completasse. Pus o
dedo em sua boca fazendo sinal de silêncio e lhe abracei. Abracei forte como se
lhe protegesse ouvindo aquela música que já era tão marcante para mim.
Depois
nos deitamos e ela pôs a cabeça em meu peito. Os dois em silêncio.
Depois de
algumas horas saía com Camila do apartamento quando Bia entrou. Minha amiga
vendo o estado que estávamos e sabendo do que ocorrera disse “Vocês não saem
daqui até me contar o que está acontecendo”.
Ainda
tentamos disfarçar, mas ela continuou “Eu não sou idiota, vamos sentar e vocês
vão me contar”.
Sentamos.
Camila ficou sem jeito, mas acabou contando, contando tudo. Bia olhou para nós
dois em silêncio por um tempo e disse “Eu sei onde tem uma clínica de aborto,
levei uma amiga lá”.
Camila e
eu nos olhamos enquanto Bia levantou, pegou papel, caneta, escreveu e nos
passou o papel dizendo “é um local bem discreto e concorrido. Tem que marcar
antes de ir”.
Peguei o
papel, olhei bem para ele, depois para Camila que estava aflita e respondi “eu
vou lá”. Bia perguntou por Guga e eu disse “ele não precisa saber”.
Camila
foi ao banheiro e Bia ficou me olhando. Eu sem jeito perguntei porque ela me
olhava tanto e Bia perguntou “Você ama demais essa menina né?”.
Com
segurança respondi “Mais do que tudo nessa vida”.
Camila
saiu do banheiro e a levei pra casa. Na porta ela me perguntou se eu teria
mesmo coragem de fazer aquilo e respondi que sim. Meu amor me deu um beijo no
rosto dizendo que não sabia como me agradecer.
Naquele
instante dona Suely surgiu e viu a cena mandando que Camila
entrasse.
Dei boa
noite para dona Suely que me olhou por um tempo e respondeu secamente entrando
logo depois.
Como eu
disse, dona Suely comandava a família e era incrível o medo que Camila sentia
dela. Por sorte a família não soube da briga na faculdade.
No dia
seguinte fui cedo a tal clínica. Parecia uma pequena empresa, não tinha placa
indicando nada, apenas uma porta e uma campainha. Toquei e quando entrei vi
várias mulheres em uma recepção. Fui até a recepcionista buscando horários para
exames e consegui para em três dias.
Comuniquei
a Camila que assustada soltou um “já?”. Vi a menina fraquejar naquele instante
e perguntei se ela tinha certeza que queria realmente aquilo e ela abaixando os
olhos respondeu “Eu preciso”.
Dormir?
Impossível dormir nos três dias seguintes. Pesquisava na internet sobre aborto
e as informações eram as piores possíveis. Via a forma que era realizado, a
crueldade que as crianças passavam e me perguntava se Deus me perdoaria um dia.
Tinha medo também que ocorresse algo de mal com Camila, me perdoaria nunca.
No dia
marcado peguei Camila em casa e levei até a clínica.
Entramos
no local e senti meu amor trêmulo. Peguei sua mão gelada e suando e segurei
firme para mostrar que ela não estava sozinha.
Diversas mulheres de todos os tipos e classes sociais estavam
na mesma situação esperando na recepção. Olhares assustados, mulheres com medo
sem saber o que lhes esperava.
Cheguei
na recepcionista, falei com ela e sentamos aguardando o chamado.
Depois de
interminável uma hora Camila foi chamada pelo médico. Ela levantou assustada,
me olhou e eu disse “Estou aqui te esperando”.
Esperei mais
uma interminável meia hora até que Camila saiu da sala do médico. Saiu chorando
de lá e eu desesperado fui ao seu encontro perguntar o que tinha ocorrido.
Camila limpou as lágrimas e disse “Eu me enganei, não estou de quase três
meses, estou de cinco”.
Me
assustei com a informação e perguntei o que fazer naquele instante. Camila
respondeu que não sabia, não tinha coragem de abortar de uma criança que já
estava com cinco meses e mesmo que tivesse o dinheiro pedido pelo médico era
muito maior do que ela poderia pagar.
Vendo seu
desespero e vendo que estava sem saída apelei. Do nada olhei para ela e disse
“casa comigo”.
Camila me
olhou sem entender e perguntou “como?” repeti o pedido e disse que iria até sua
casa dizer que ela estava grávida de mim, assumiria a criança para seus pais e
diria que queria casar com ela. Camila sorriu, passou a mão no meu rosto e
pediu “me leve embora daqui”.
Levei
Camila para minha casa. Ela estava
cansada e dormiu.
Dormiu
ali na minha cama e eu fiquei ao lado na cadeira sentado e velando seu sono.
Olhava para ela e sonhava enquanto ela dormia.
Tão
linda, tão frágil, tão desprotegida. Como eu queria proteger aquela mulher.
Cuidar dela, amar..
Depois de
um tempo acordei Camila levando suco e biscoitos para que comesse. Ela levantou
e se sentou aparentemente melhor. Conversamos um pouco, rimos lembrando de histórias
nossas e a levei pra casa.
Chegando
lá antes que entrasse Camila perguntou “Você casaria comigo mesmo?”. Respondi
que sim. Camila sorriu, me deu um beijo no rosto e entrou.
Alguns
dias depois Samuel chegou em casa me contando que Camila passara mal na
faculdade. Perguntei como ela estava e meu amigo respondeu que não sabia dizer.
Apenas que uma ambulância levara.
Desesperado,
fui buscar informações e descobri o hospital que fora levada. Cheguei ao local
e vi alguns conhecidos da faculdade no local e uma de suas amigas disse que ela
estava internada e estava fora de perigo.
Mas
Camila perdera o bebê.
Eu não
sabia como me sentir com aquela informação. Sabia que ela não queria a criança,
mas sou contra o aborto, apesar de achar que ele deve ser liberado para
mulheres não sofrerem na mão de açougueiros.
Lamentei pela criança, pela vida perdida
e por todo o sofrimento daqueles dias.
Mas pelo
menos o sofrimento chegava ao fim.
Fui para
frente do quarto que Camila estava internada e encontrei seus pais. Estavam
desolados, de cabeça baixa, deviam tentar entender toda aquela situação já que
não sabiam da gravidez. Perguntei por ela, Suely me ignorou e Osmar com a
cabeça baixa respondeu “está lá dentro, pode entrar”.
Entrei e
encontrei Camila dormindo. Procurei ficar em silêncio para não acordá-la. Olhei
a mulher que eu amava por uns minutos, dei um beijo em sua testa e fui embora.
Em alguns
dias Camila receberia alta e resolvi fazer uma surpresa para ela. Achei que era
hora de me declarar, mostrar todo meu amor e propor uma nova vida a partir
dali. Uma vida de amor, cumplicidade e lealdade.
Comprei
flores e fui para o hospital. Queria estar lá para levá-la pra casa e
acarinhá-la, dar meu carinho e atenção naquele momento difícil.
Mas
cheguei atrasado.
Osmar e
Suely saíam do hospital assim que eu cheguei e me encontrava do outro lado da
rua. Osmar carregava uma bolsa que devia ser de Camila, abriu a porta do carro
que se encontrava na frente do hospital e entrou com Suely.
Logo após
saíram Guga e Camila.
Sim. Guga
e Camila.
Saíram
abraçados. Andaram dessa forma, abraçados até o carro. Guga abriu a porta para
Camila que entrou. Ele abriu a porta ao lado e os dois ficaram sentados juntos
na parte de trás do carro.
Osmar deu
a partida e Camila encostou sua cabeça no ombro de Guga que lhe deu um beijo.
Depois disso o carro partiu.
Levando
meu coração junto.
Eu fiquei
ali sem saber o que fazer, sem saber como agir. Olhei para trás e vi uma
senhora com uma barraquinha vendendo balas. Andei até ela que me perguntou se
eu queria alguma bala. Nada respondi e entreguei as flores para ela que sorriu
e disse que nunca recebera flores antes.
Fui
embora dali e fui para meu refúgio. O Arpoador.
Sentei
nas pedras, olhei o mar e comecei a chorar. Chorar compulsivamente olhando o
mar. Não conseguia fazer mais nada. Apenas chorar.
Não
estava fácil pra mim.
CAPÍTULO ANTERIOR:
Comentários
Postar um comentário