ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAP XIV: A ORGANIZAÇÃO
Visitei lugares carentes com
Juliana e seu staff. Ela aprendera direitinho como ser política. Pegou crianças
pobres no colo, comeu comidas estranhíssimas e tudo sem tirar sorriso do rosto.
Pegamos uma van indo a outra localidade e comentei “Seu pai estaria orgulhoso
de você”. Ela respondeu “Sou muito diferente dele”.
Ficamos mais um tempo em silêncio
e arrumei coragem para perguntar “Você acha que ta tudo bem com o Guilherme?”.
Juliana que olhava a janela virou-se para mim e perguntou “Por quê me pergunta
isso?”. Respondi que achei estranha a reação dele no comitê e Juliana me cortou
“Coisas de adolescente”. Achei melhor me calar.
Vendo Juliana agir em outra
localidade senti a presença de Pardal. O bandido se aproximou e disse “Você tem
razão”. Perguntei sobre o que e ele respondeu “Convivi anos com viciados,
presta atenção no moleque”.
Enquanto isso João começava a
reforma da farmácia aproveitando o dinheiro dado por Rui. Assistia os homens
trabalharem quando Fernanda chegou lhe fazendo um carinho. João pegou sua mão e
acariciou enquanto os pedreiros trabalhavam e a moça comentou “Terão muito
trabalho”. João concordou e completou “mas vai ficar bonito”.
Ela se virou para o farmacêutico e
perguntou “Você disse que estava sem dinheiro, como conseguiu começar a
reforma?”. João, obrigado a mentir respondeu “Consegui um empréstimo”.
Fernanda lembrou “Te ofereci
dinheiro emprestado e você não quis”. O homem pegou a moça pela cintura, fez
carinho em seu rosto e falou “Não teria sentido pegar com você, não teria
coragem, relaxa que vai dar tudo certo”.
Ela perguntou se o dinheiro era o
suficiente para fazer toda a reforma e João respondeu que sim.
Não. Não era, mas ele daria um
jeito.
Cheguei em casa depois de um dia
de trabalho com Juliana e resolvi mexer no blog. Tempo que não fazia isso.
Sentei-me à frente do note sem ideias para escrever e me lembrei das coisas que
passei recentemente. Pensei se seria uma boa e Lucinho apareceu dizendo
“Escreva, você gosta disso”. Reclamei “Você cismou que eu gosto de crime,
violência”. O bandido completou “Você gosta, escreva”.
O bandido desapareceu e comecei,
aos poucos, a digitar.
Escrevi sobre os dois assassinatos
e publiquei. O blog bombou como há muito não ocorria. Acordei assustado com
pessoas da imprensa me ligando e ao encontrar com Juliana ela me perguntou se o
que escrevi era verdade. Respondi “Experiências passadas que resolvi colocar no
papel”. Não sei se ela acreditou.
Na faculdade João gritou por Rui e
correu a seu encontro. Perguntou ao policial se ele vira o que eu escrevi e Rui
respondeu “Sim, ele trocou os nomes, então não tem problemas. Professor escreve
bem”. Caminharam um pouco, João se encheu de coragem e pediu “Me explica como é
essa história de limpar a área”.
Rui parou de caminhar, olhou o
farmacêutico e perguntou “Gostou né?”. O farmacêutico respondeu
“Preciso reformar a farmácia”.
Voltaram a caminhar e Rui comentou
“De noite passo em sua casa”.
Antes Rui passou na minha.
Preocupado perguntei “Quem vamos matar hoje?”. Rui sorriu e respondeu “Por
enquanto ninguém, mas se você tiver alguma sugestão..”. Passamos na casa de
João e Rui falou ao farmacêutico “vem comigo”.
João fez a mesma pergunta e Rui
respondeu “Vocês acham que eu vivo só pra matar? Tenho um lado coração também,
um lado dócil”.
Fomos a um galpão perto da Avenida
Brasil e lá estavam Galalite e Scarface. Rui chegou dizendo “Vocês já se
conhecem, não há necessidade de apresentações”.
Estávamos apenas os cinco no local
e perguntei o motivo da reunião. Rui respondeu “João queria saber mais sobre o
que fazemos. Você é jornalista, escreveu sobre nós em seu blog, então achei que
quisesse saber mais sobre”.
Respondi “É, talvez queira” e Rui
explicou.
Rui, Galalite e Scarface faziam
parte de um esquadrão da morte chamado de “Cachorros velozes”. Uma organização
que em sua maioria contava com policiais militares e civis, mas também continha
gente da sociedade insatisfeita com os rumos do Rio de Janeiro.
Eles não andavam dentro da lei,
até porque a lei nem sempre representava a justiça. Os cachorros se viam como
“Limpadores da área”. Pessoas que faziam justiça
aonde ela não chegava e também aceitavam encomendas, isto é,
receber dinheiro para eliminar algumas pessoas.
Perguntei “Mas e se a pessoa que
for encomendada for de bem? Não tiver problemas com a sociedade e for coisa
pessoal?” Rui respondeu “Sempre existe algo, ninguém morre por nossas mãos à
toa”.
Continuou “Somos cerca de trinta,
mas nos dividimos em grupos. Eu comando um que também fazem parte Scarface e
Galalite, grupo para o qual estou te chamando João”.
Olhei para João e perguntei “Você
vai entrar nessa?”. O homem respondeu “Preciso reformar minha farmácia”. Rui se
aproximou e comentou “E vai conseguir, o dinheiro é bom. Scarface comprou seu
táxi assim”. Scarface mostrou a arma na cintura, deu tapinhas nela e respondeu
“Graças ao meu amiguinho”.
Galalite se meteu na conversa
“Assim que tenho sustentado minha casa. Mulher e filha. Não consigo arrumar
emprego por ser ex-presidiário e acho que to fazendo um bem eliminando esse
tipo de gente”.
João ouviu todas aquelas histórias
e respondeu “To dentro, mas só até acabar a reforma”. Comentei “Você não vai
sair” e Rui completou “Fechado”.
O policial virou para mim e fez
proposta “Você vem com a gente e cobre todas as ações, depois escreve no blog.
É bom pra gente. Nossos contratantes através de você vão ver nossa eficiência e
nos indicar a amigos”.
Respondi que não saberia se teria
estômago e Rui rindo comentou “Terá sim, você já fez coisa pior”.
Fui para casa e não consegui
dormir. Levantei, abri o note e escrevi sobre o encontro no galpão. É, eu tinha
aceitado.
O tempo foi passando e os
“trabalhos” acontecendo. No começo João se perturbava, vomitava depois de matar
e ainda sofria. Com o tempo já era um deles. Matava como se comprasse um picolé
na vendinha. A farmácia foi reaberta e como eu previa ele não parou.
Contava a história dos “Cachorros
velozes” no blog. Semeava a dúvida se era verdade ou não. O blog explodiu de
vez e fui convidado por outra faculdade para dar aula. Topei. Também fui
convidado por um jornal para trabalhar, mas não aceitei.
Preferia contar tudo no blog.
Ganhava mais dinheiro ali e ainda trabalhava com Juliana. Não teria tempo.
Eu me aproximava de Juliana cada
vez mais. A campanha entrava em reta final e ela era favorita ao senado.
Percebia os olhares raivosos de Rubinho Barreto para mim, mas ele que se
fodesse. Ela era minha porra, o intruso era ele!!
Ao mesmo tempo João e Fernanda
engataram namoro com planos de se casarem. Eu comentava com o farmacêutico
“Como você vai fazer com essa vida dupla? Uma hora ela vai descobrir e vai dar
merda”. João sempre respondia “Não posso parar, não tem mais como”.
Um dia Juliana fez campanha perto
da farmácia de João. Ele estava lá comentando que iria a um bar com karaokê à
noite com Fernanda e Juliana me perguntou
“Vamos?”.
Não esperava e só respondi “Oi?”.
Ela repetiu “Vamos lá. Tempo que eu não canto”. Surpreso, perguntei “E o
Rubinho?”.
Juliana como se nem estivesse aí
respondeu “Ta viajando a negócios, deixe o Rubinho pra lá”. Rubinho realmente
viajara, por coincidência Flávia, a mulher de Donato também viajara com
pretexto de ver a mãe.
Não. Não era coincidência.
No horário combinado fui até a
mansão buscar Juliana. Ela surgiu linda. Comentei sua beleza e olhei mais uma
vez a casa. Juliana comentou “Muitas lembranças né?”. Respondi que sim. Era a
mesma casa em que fui criado, da minha última noite com Juliana, muita coisa
junta.
Na porta do local nos encontramos
com João e Fernanda. João Arcanjo já conhecia bem casa, chegou ao porteiro e
cumprimentou “Fala Tarantino!!”. Realmente, o porteiro era a cara do Quentin
Tarantino.
Sentamos, pegamos bebidas, tira
gostos e conversamos. Rimos bastante, contamos histórias. Era muito bom estar
assim com Juliana. Parecia que eu voltava no tempo, um tempo feliz e já tão
distante.
Vimos umas pessoas cantando, rimos
da maioria e em determinado momento Juliana comentou “Vou lá”. Antes que eu
falasse algo minha ex levantou e foi até o palco.
Pegou o microfone e cantou “Nunca”
de Lupicínio Rodrigues. Cantou olhando para mim. Eu no começo não sabia onde
enfiar a cara, mas me deixei levar e olhava para a mulher que eu amava enquanto
ela cantava “Saudade, diga a esse moço, por favor, como foi sincero o meu amor,
como eu lhe adorei tempos atrás”.
Depois emendou com a nossa música
“Você” de Tim Maia. Eu não aguentava mais aquela situação. Ser irmão da mulher
que amava, não pode estar com ela, fazer nada quando eu via que ela também me
amava ainda era demais pra mim.
Cantou, foi bastante aplaudida e
voltou para a mesa. João e Fernanda foram só elogios a minha ex e ela sem me
olhar, pegando um copo me perguntou se eu gostara. Sem olhar para ela também
respondi “Você sempre cantou muito bem”.
No fim da noite levei Juliana para
casa. Ela agradeceu pela noite e respondi que ela sempre fora uma ótima
companhia. Juliana se aproximou para beijar minha boca e desviei dizendo que
ela tinha bebido e era melhor descansar.
Juliana olhou séria para mim e
disse “Tem momentos que te odeio”. Abriu a porta e saiu. Coloquei minha cabeça
no volante e sozinho respondi “Eu também”.
Dei um soco no volante e quando ia
partir reparei na chegada de Guilherme. Ele chegou desconfiado, olhando para os
lados e em vez de abrir a porta principal fez escalada até o segundo andar
entrando pela janela. Observei a tudo e pensei “Esse moleque ta aprontando”.
Não sabia como agir, tinha que
fazer alguma coisa.
A noite não tinha sido agitada
apenas pra mim. Também para Rui de Santo Cristo.
O homem foi numa favela, pegou seu
arrego, cheirou todas e decidiu que aquela seria sua noite. Pegou o carro e
saiu por aí. Foi fechado em uma esquina, desceu, discutiu com o motorista, deu
um monte de tiros no cara e saiu como se nada ocorrera.
Atravessou a cidade dessa forma e
passou em um famoso ponto de prostituição. Viu algumas prostitutas no local e
escolheu uma. Parou com o carro perto e a mulher se agachou na janela perguntando
“Quer se divertir?”.
Rui respondeu “Não, quero debater
o novo plano econômico do governo. Que você acha benzinho?”. A mulher falou
“Vinte reais, meia hora” e o homem gargalhou.
Ela perguntou qual era o problema
e ele respondeu “Vinte reais? Vinte reais dou de gorjeta pro moleque que
engraxa meus sapatos, que puta pobre que você é”.
A mulher se ofendeu, levantou da
janela e Rui completou “Espera! Desculpe benzinho. Te dou duzentos reais e você
passa a noite comigo”.
A prostituta topou e entrou no carro.
Foram a um motel caindo aos pedaços e sentaram na cama. A mulher começou a
tirar a roupa. Rui mandou “precisa não”. Tirou um cigarro do bolso, acendeu e
perguntou se ela queria.
A prostituta aceitou. Ele acendeu
o dela e pegou um saquinho do bolso. Era cocaína. Abriu o saco, espalhou na
cama e disse “vamos nos divertir”.
Cheiraram a noite toda. Rui
parecia possuído pelo Demônio. Pelado, pegou a arma e foi para a janela dizendo
“Minha missão nesse mundo é acabar com os filhos da puta! Vou matar um por um!
Os filhos da puta que emporcalham o mundo em que vivemos, os filhos da puta que
se metem no meu caminho! Todos! Todos!”.
Virou-se para a mulher e continuou
falando enquanto ela cheirava e não parecia prestar muita atenção “Eu vou ser o
dono dessa porra toda! Podre de rico, com poder! Vou mandar nisso aqui! Mandar
nos milionários babacas que pagam meu serviço! Mandar em putas de vinte reais!
Eu vou ser o rei dessa porra!”.
A mulher parou de cheirar, coçou o
nariz e perguntou a Rui “Tem mais aí?”. Rui olhou sério para ela e perguntou
“Você não prestou atenção em nada do que eu falei né?”. A mulher perguntou
“Você estava falando?”.
Rui olhou para a janela, voltou a
olhar pra ela e atirou na mulher matando. Sentou-se na cama, pegou outro
saquinho e abriu para cheirar dizendo “Falta de consideração”.
No dia seguinte eu estava lá nas
ruas trabalhando com Juliana. Não trocamos muitas palavras e minha ex parecia
com cara de quem chorou a noite toda. Eu queria pedir desculpas, mas não podia.
Ela iria me perguntar porque lhe evitava e eu acabaria contando a verdade, o
que não queria.
Voltamos a comitê e para minha
surpresa Rodrigo Saldanha estava lá. Juliana chamou a todos para comunicar que
Rodrigo, que fora seu secretário de segurança, era
candidato a deputado estadual e faria campanha junto com ela a
partir de então. Também se juntaria Donato Barreto, candidato à reeleição como
federal.
Depois do comunicado nos
dispersamos e Rodrigo se aproximou de mim “Olhem só quem eu encontro”. Notei
sua presença e falei “Nem vem que eu to limpo”. Rodrigo sorriu e disse “Relaxa,
somos uma equipe”. O policial se afastou e eu me preocupei. Não confiava
naquele homem.
Mais um tempo passou e chegou o
casamento de João e Fernanda. Na noite anterior do casamento João bateu na
porta da moça. Ela abriu e o noivo estava lá com duas taças e um champanhe.
Fernanda sorriu e perguntou “Não vai pra despedida de solteiro?”, João
respondeu “Prefiro passar essa noite com você e todas as outras da minha vida”.
Entrou e passaram a noite juntos.
João Arcanjo tinha trauma de sua última despedida de solteiro e achou por bem
passar com sua noiva.
O casamento foi bacana. Não foi
nada suntuoso, mas bem caprichado e bonito. Sentei afastado de Juliana, mas
ficávamos trocando olhares enquanto Rubinho, ao seu lado, nem se preocupava.
Estava mais interessado em fazer o mesmo com Flávia Barreto.
Na festa continuamos trocando
olhares. Lá Rubinho percebeu e quando eu pegava bebida o empresário se
aproximou e disse “Nem pense. Se você ousar tentar algo com minha mulher eu
acabo com você”.
Olhei para ele e respondi “Mas eu
quero é você. Acabou de deixar minha calcinha molhada”.
Rubinho repetiu “ta avisado” e se
afastou. Bebi um gole e comentei baixinho “babaca”.
Todos se divertiam. João feliz
como há muito tempo. Menos eu e Juliana que sentados afastados um do outro nos
olhávamos. Depois de um tempo Rubinho convidou minha ex para ir embora e eles
foram. Sem ter Juliana lá fiz o mesmo.
Cheguei em casa e me deitei no
sofá ainda com a roupa do casamento. Liguei a tv para ver filme e adormeci.
De manhã tocaram a campainha
insistentemente. Acabei acordando e gritando “já vai” abri a porta. Era
Juliana.
Ela, chorando, entrou e me
abraçou. Assustado, perguntei o que ocorria e ela me respondeu.
“Nosso filho precisa de ajuda”.
ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)
LINK RELACIONADO (LIVRO ANTERIOR)
Comentários
Postar um comentário