ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAP XIII - IRMÃOS BARRETO
No dia seguinte Rui bateu cedo na
casa de João. O farmacêutico abriu a porta com cara de quem não dormiu e
perguntou o que o policial queria. Rui tirou um envelope do bolso e respondeu
“Conta”.
João abriu o envelope e viu que
era dinheiro. Contou as notas e impressionado perguntou “Quanto dinheiro! O que
significa isso?” Rui respondeu “Seu pagamento por ontem”. João sorriu e disse
que não poderia ficar com o dinheiro, não foi crime encomendado e sim vingança.
Tentou devolver o dinheiro e Rui
não aceitou “Os caras já estavam jurados, só dei a oportunidade pra você. É
justo que você receba também e está precisando, está sem a farmácia”.
João aceitou o dinheiro e Rui continuou
“Minha proposta está de pé. Vamos limpar as ruas. Você é bom nisso, ta
precisando e somos irmãos. Não vou te deixar sozinho”.
João agradeceu e Rui completou
“Pense nisso”. Indo embora.
João fechou a porta, contou o
dinheiro de novo e falou sozinho “Cacete, é muito dinheiro”. Sentou-se olhando
o dinheiro, contou de novo e completou “Limpar as ruas não é má ideia”.
Enquanto João pensava em limpar as
ruas eu pensava em tomar meu banho. Acordei atrasado para ir ao comitê de
Juliana e tomei um banho correndo para ir ao local. Pneu vazio do carro não me
restou alternativa e peguei um táxi.
Peguei logo o de Scarface.
O lunático passou a viagem toda
falando nos Estados Unidos. Falava “To juntando uma grana Gilberto. Matando
todo o tipo de filhos da puta pra pegar uma grana boa e me mandar pra América.
Terra da oportunidade cumpadi, vou me dar bem lá, você vai ver”.
Perguntei se ele sabia falar
inglês. O taxista ficou em silêncio um tempo e falou “Saber inglês pra quê? Nova
York é a capital do mundo maluco, se fala todas as línguas. Vou me dar bem
Gilberto!! Vou ter um táxi lá, rodar aquela porra toda de madrugada e trabalhar
pra máfia!”.
Só conseguia rir daquele doente.
Scarface tirou a arma enquanto dirigia e contou “Lá eu vou matar um mother fucker
e na hora vou falar say hello to my little friend”.
Olhei o relógio e pedi para
Scarface acelerar, pois estava atrasado e o taxista perguntou “Por quê você não
disse antes? Chego em cinco minutos”.
A distância normalmente seria
feita em vinte minutos, ele fez em quatro minutos e quarenta e sete segundos.
Entrei no comitê e Juliana comentou “Três minutos atrasado”. Pedi desculpas e
ela pediu que eu me sentasse, pois faria campanha no interior do estado e eu
iria junto.
Conversávamos quando Rubinho Barreto
entrou no comitê com Guilherme. Rubinho perguntou o que eu fazia ali e respondi
“Bom dia pra você também Rubinho”. Juliana comentou que como eu perdera o
emprego de uma forma estranha estava me contratando para a campanha perguntando se ele
achava algo ruim “Não, você manda nos seus negócios e eu no
meu” respondeu o homem.
Guilherme se aproximou da mãe pedindo dinheiro e
Juliana se espantou “De novo?”. O filho nada respondeu e ela entregou o
dinheiro. Rubinho comentou “Você mima demais esse garoto”. Guilherme falou “Não
fode” e saiu.
Observei todos os passos do menino
e o alarme de problemas tocou. Enquanto
eu via Guilherme sair Rubinho e Juliana discutiam e o empresário foi embora.
Juliana me chamou, não ouvi e me chamou de novo fazendo com que eu
“despertasse”.
Ela perguntou onde eu estava e
respondi “aqui” voltando a nossa reunião. No lado de fora Rubinho pegou o
telefone e ligou “Como é? Não paguei bem pra me livrar dele? Todas deram
errado, na próxima quero eficiência”. Desligou e entrou em um carro chique.
Rubinho Barreto não era flor que
se cheirasse. Ninguém daquela família era.
Rubinho e Donato, como vocês já
perceberam, são irmãos. Donato é o mais velho e Rubinho o caçula de Rubens
Barreto. Fundador da Construtora Barreto. Uma das maiores do mundo.
Rubens era filho de Gustavo
Barreto que junto com dois sócios começou a pequena construtora BAP,
representando os sobrenomes Barreto, Avelar e Pinheiro, sobrenomes dos sócios.
A pequena construtora aos poucos
foi crescendo graças principalmente a Gustavo, jovem ambicioso e muito
inteligente. Fernando Avelar era um playboy e Edgar Pinheiro um alcoólatra e
viciado em jogo.
Fernando logo vendeu sua parte
para Gustavo e torrou tudo por viagens pela Europa. Gustavo queria a posse
completa da construtora, mas para isso precisava se livrar de Edgar.
Cada vez mais em dificuldades e
tomado pelo vício Edgar apostou completamente bêbado uma enorme quantia em
dinheiro em uma roda de pôquer e perdeu. O homem foi obrigado a assinar uma
confissão de dívida e alguns dias depois bandidos fortemente armados foram
cobrar. Edgar não tinha o dinheiro e foi espancado.
Procurou desesperado o sócio
dizendo que era ameaçado de morte. Gustavo topou ajudar, mas em troca disse
“Quero a sua parte da construtora”. Não restou alternativa a Edgar que vendeu
por um preço bem abaixo do mercado.
Além de todos os problemas a perda
do negócio amargurou Edgar que pouco tempo depois se matou.
Acham que aquilo abalou Gustavo?
Ele era um Barreto e os Barreto não tem sentimentos. O rapaz prosseguiu. Ganhou
muito dinheiro, se envolveu em negociatas, casou, teve filhos e a empresa só
prosperava. Foi no momento que subia como um foguete que Rubens, o primogênito,
assumiu a empresa.
Rubens herdou toda a perspicácia
do pai e tornou a construtora em uma empresa multinacional. Construiu estádios de futebol, prédios
suntuosos, usinas, represas. Rubens se tornou queridinho dos governos e muita
falcatrua, muito caixa 2 rolou nesse período. Muita gente ficou rica e Rubens
Barreto bilionário.
Rubens casou com Marieta, uma
socialite carioca e nesse universo nasceram os filhos. Donato e Rubinho.
Desde pequenos Donato e Rubinho
foram criados para assumir a empresa, mas não parecia ser a vocação deles.
Donato era um artista. Exímio pintor,
gostava de pintar telas e exibia para amigos da escola. Na mesma escola se
juntou a um grupo teatral e ensaiava e encenava peças.
Rubens Barreto no começo não
ligava muito para os hábitos do filho. Dizia “Por enquanto ele pode se divertir
com essas besteiras, mas logo assumirá a empresa”.
Donato viajou o mundo, fez curso
de fotografia, vendeu fotos e telas pela Europa, viveu uma fase hippie e voltou
ao Brasil para fazer faculdade. Queria fazer turismo, mas obrigado pelo pai
entrou em administração. A ideia de Rubens era que Donato assumisse a
construtora assim que saísse da faculdade.
Nas horas vagas Donato continuava
fazendo teatro e nela conheceu Marcelo.
Poucas pessoas sabiam, mas Donato
era bissexual, sim, curtia meninos e meninas.
Era livre. Transava com homens,
mulheres, todo mundo ao mesmo tempo e conheceu Marcelo no auge da juventude,
com os hormônios a flor da pele. Logo começaram um caso.
A mãe começou a desconfiar do
amigo que Donato sempre levava em casa e um dia perguntou ao filho o que
ocorria. Donato não se fez de rogado e contou a verdade.
A mãe se chocou, mas buscou
compreender o filho, só comentou “Não deixe seu pai descobrir, ele
te mata”.
Gustavo Barreto morreu e Marcelo
estava ao lado de Donato na hora do enterro. Rubinho olhou aquilo desconfiado e
perguntou ao irmão no fim o que significava. Donato respondeu apenas “Não se
mete” e Rubinho entendeu.
Uma tarde Marcelo foi visitar
Donato. O rapaz levou o namorado direto para o quarto e lá se atracaram em
beijos e abraços indo para a cama.
Pouco depois Rubens chegou andando
em disparada. Marieta percebeu e perguntou o que ocorria. O homem subiu as
escadas sem dar ouvidos a mulher que foi atrás tendo a certeza do que era.
Rubens foi até a porta do filho e Marieta se meteu entre ele e a mesma dizendo
Não faz isso”. Rubens disse “Sai da frente” e a mulher se recusou.
Rubens ordenou e um segurança
tirou a mulher que gritava. Mandou que outro arrombasse a porta e ele o fez.
Rubens pegou o filho com o namorado na cama.
Ordenou e os seguranças pegaram
Marcelo saindo com ele do quarto. Donato perguntou o que fariam com o rapaz e
Rubens respondeu “Se preocupe com o que vou fazer com você”. Rubens tirou o
cinto da calça e deu uma surra no filho.
Donato era fraco de personalidade.
Mesmo nunca mais tendo visto Marcelo, nem sabendo o que ocorreu com ele não se
virou contra o pai, muito pelo contrário, acatou todas as suas exigências se
formando em administração e trabalhando com o pai.
Rubinho era o contrário de Donato.
Rubinho lembrava mais Fernando
Avelar, o antigo sócio do avô. Bom vivant, playboy, curtia tudo o que a vida e
o dinheiro podiam dar. Gostava de viajar, beber, carros, de mulheres. Seu
passatempo preferido era torrar o dinheiro da família.
Ao contrário de Donato planejava
assumir a construtora, era sua grande ambição, mas tudo em seu tempo. Primeiro
queria curtir a vida e isso fazia ter grandes discussões com o pai, ao
contrário de Donato que acatava suas ordens.
Andava com uma turma de playboys
que se achavam acima do bem e do mal e curtiam fazer arruaças. Arrumavam brigas
em boates, quebravam tudo e não foram poucas as vezes que o pai teve que he
tirar da cadeia.
Rubens esbravejava e dizia “Você
nunca será alguém na vida”. Rubinho devolvia “Muito pelo contrário, eu que sou
seu legítimo herdeiro”.
Rubinho sabia que Donato era o
preferido do pai, mas pensava “Algum pobre o Donato tem e eu vou descobrir”.
Um dia Rubinho foi para uma boate,
provocou as mesmas confusões de sempre, mas não foi preso. Ele e sua turma
conheceram umas garotas e levaram para um flat que ele mantinha.
Lá fizeram uma grande orgia. No
fim quando as garotas iam embora uma virou-se pra ele e perguntou “Você não é
irmão do Donato?”. Rubinho respondeu “Sim, daquele viadinho”. A menina riu e comentou “Viadinho mesmo, namora
um amigo meu”. Rubinho que não chamara o irmão de “viadinho” naquela intenção
sorriu e pediu “Me explique isso garota”.
No enterro do avô Rubinho ficou o
tempo todo prestando atenção em Donato com Marcelo e comentou baixinho
“Viadinho”. Fez a pergunta que eu comentei acima, recebeu a resposta e teve
certeza.
Apareceu de surpresa na
construtora e Rubens perguntou se algo ocorrera. Rubinho comentou “Vá pra casa
que algo sério está acontecendo”. Rubens perguntou o que era, Rubinho relutou
em responder até que o pai ordenou e ele contou “Donato é bicha e ta com o
namorado no quarto”.
Rubens não acreditou e o filho
jogou a maldade “Vá ver então”. Rubens aceitou e comentou “Se for mentira eu
acabo com você”.
O homem foi para a casa e
aconteceu tudo aquilo que descrevi. Enquanto a briga ocorria no segundo andar
Rubinho sentou no sofá da sala, abriu um uísque e bebeu calmamente.
Um pouco depois de Donato se
formar em administração e começar a trabalhar com o pai Rubens sofreu um
pequeno AVC. Teve que se afastar dos negócios e o filho assumiu. Aquela nunca
foi a vocação de primogênito e ele recorreu ao irmão caçula para ajudar.
Rubinho deixou um pouco as farras
de lado para assumir seu principal objetivo. Começou a trabalhar com o irmão e
aos poucos tomou as rédeas da construtora.
Rubens convalescia, sabia que não se
recuperaria totalmente e fez um pedido. Que os filhos casassem.
O primeiro a atender o pedido foi
Donato.
Apesar de bissexual a pedido do
pai Donato sufocou esse lado “entrando no armário”. Passou a se relacionar
apenas com mulheres e conheceu Flávia, funcionária da construtora.
Rubinho percebeu os olhares do
irmão para a moça e fez a aproximação. Os dois saíram e quando perceberam já
estavam namorando.
Na véspera do casamento Donato
curtia a despedida de solteiro lamentando a falta do irmão que viajara a
negócios quando na verdade o negócio de Rubinho era outro.
O safado estava num motel comendo
a noiva do irmão.
Comeu a mulher de todas as formas
e no fim suados, abraçados na cama Flávia perguntou como seria a vida deles
depois daquela noite. Olhando o teto Rubinho respondeu “Você vai ser uma esposa
devota, terá filhos com meu irmão e de vez em quando vou te comer”.
Flávia virou-se para o amante e
perguntou “Você só pensa em sexo?”. Rubinho olhou para a mulher e respondeu
“Também gosto de ganhar dinheiro”.
Donato e Flávia se casaram e um
pouco depois Rubinho conheceu Juliana, minha dileta ex-esposa e irmã. Juliana
abalada com meu desprezo foi presa fácil para o canalha. Um pouco depois nasceu Guilherme.
Rubens morreu e Rubinho assumiu de
vez a empresa. Donato, que não levava jeito para os negócios, resolveu seguir a
carreira política se tornando deputado federal. De uma certa forma ele
continuou prestando serviço para a construtora já que ali construiu uma grande
teia política para atender aos interesses da empresa e a lavagem de dinheiro de
políticos corruptos.
Ganharam várias licitações entre
elas as mais importantes para as Olimpíadas que seriam realizadas no Rio de
Janeiro. O lucro deles triplicou, quadruplicou. Fizeram sociedade com o
governador Roberto Vergara, sucessor de Juliana no governo do estado e todos
ganharam dinheiro de forma absurda no período.
Até que surgiu Edgar Pinheiro
Neto, sim, o neto de Edgar Pinheiro, antigo sócio de Gustavo reclamando por
direitos.
Rubinho recebeu Edgar na
construtora e perguntou quais direitos ele achava que tinha. Edgar olhou
fixamente os olhos de Rubinho e respondeu “Meu avô foi enganado pelo seu e eu
tenho como provar. Tenho documentos e vou pegar metade dessa empresa”.
Rubinho propôs dar um dinheiro
para Edgar e assim ele esquecer a história e o homem respondeu “Não vou
esquecer esses anos de humilhações. Meu avô se matou, a gente ficou na merda e
vocês enriqueceram. Eu vou tomar metade da empresa”.
Rubinho ameaçou “Você não vai
conseguir nada” e Edgar revidou “Vamos ver”. O homem foi embora e Rubinho pegou
o telefone ligando para o irmão e dizendo “Temos problemas”.
Os irmãos se encontraram em um bar
e Rubinho contou todo o problema. Donato não tinha nada mais daquele rapaz
sensível, artista. Transformara-se em um homem frio, sem escrúpulos e mostrando
essa mudança ouviu a tudo calmamente, pegou o telefone e respondeu ao irmão “Eu
resolvo isso”.
Alguns dias depois Rui acompanhado
de dois policiais e alguns jornalistas olhavam um carro todo perfurado de balas
com um corpo dentro. Era o de Edgar Pinheiro Neto. Rubinho estava ao lado dos
policiais e desolado comentou “Sim, é o meu amigo”.
Rui ainda olhando o corpo prometeu
“Faremos todos os esforços para descobrir os assassinos. Prometo ao senhor que
esse crime não ficará impune”. Rubinho respondeu “Te agradeço policial, era um
grande amigo meu e quero justiça”.
Rui e Rubinho se afastaram e
caminharam em silêncio até o carro de Rubinho. O empresário entrou no veículo,
ligou e antes de partir olhou para Rui em pé do lado de fora e comentou “Bom
trabalho”.
Rui respondeu “Sempre a seus
dispor doutor”.
Rubinho foi embora e ali ficou a
certeza que uma parceria macabra começara.
ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)
LINK RELACIONADO (LIVRO ANTERIOR)
Comentários
Postar um comentário